Airbnb e outras plataformas de aluguel por temporada no Rio: veja novas regras propostas pela Câmara e pontos polêmicos
em O Globo, 30/setembro
Texto final do projeto de lei que regulamenta locação de imóveis por curta temporada exigirá cadastro municipal dos anfitriões; vereadores voltam atrás na ideia de proibir a atividade na orla.
Foram seis meses de discussão e 12 audiências públicas na Câmara Municipal — a última delas realizada ontem. Ainda assim, o texto final do projeto de lei que regulamenta o aluguel de imóveis por curta temporada através de plataformas digitais não deverá ser o resultado de um consenso. Presidente da comissão especial criada para debater o assunto, o vereador Salvino Oliveira (PSD) apresentará um relatório com a proposta que deve ir à votação ainda este ano. A ideia é deixar nas mãos dos condomínios permitir ou proibir, em convenção, esse tipo de “hospedagem”. O aluguel na orla, que seria proibido de acordo com um texto inicial, deve ser liberado, e está prevista a criação de um cadastro de hóspedes e donos de imóveis na prefeitura, mas não será preciso obter alvará.
Durante os debates, a segurança aflorou como um dos principais pontos discutidos, por gerar preocupação entre moradores vizinhos a apartamentos com esse tipo de aluguel. No fim do ano passado, uma quadrilha foi presa em Copacabana, na Zona Sul do Rio, ao tentar assaltar um prédio depois que seus integrantes alugaram uma das unidades por temporada. Contra problemas como esse, Salvino defende a criação dos cadastros. Segundo o vereador, isso dará mais segurança até para consulta formal da polícia em caso de investigações.
— O banco municipal de hospedagem vai permitir saber quem está vindo à cidade. A pessoa terá que informar um documento oficial, como em hotéis. Retiramos a necessidade do alvará, mas saber onde estão esses imóveis é essencial para decidir políticas públicas, como abertura de escolas (ou não), se há necessidade de aumento de coleta de lixo, por exemplo — diz Salvino.
ISS não está previsto
O texto final também vai retirar o pagamento do Imposto sobre Serviço (ISS), pois o setor já foi incluído na nova Reforma Tributária, que começará a valer em 2026. Portanto, locatários serão considerados contribuintes do novo IVA (Imposto de Valor Agregado). Se o alvará não vai ser requisito mínimo para esse mercado operar no Rio, o projeto, por outro lado, define que dono do imóvel precisará de outra autorização: a do condomínio. O texto da proposta deve cobrar a permissão expressa na convenção do condomínio, que, conforme o Código Civil, necessita da anuência de dois terços dos condôminos. Sem ela, não será possível se cadastrar no banco de dados municipal e o dono do imóvel pode sofrer sanções:
— O projeto garante um canal de denúncia e a aplicação de multas para quem descumprir e tentar operar irregularmente, inclusive com a suspensão do direito de explorar a atividade. É um setor da economia que veio para ficar, mas não podemos é abrir mão de criar uma regulamentação para a cidade do Rio — explica Salvino.
Amanda Faria, advogada, sócia de imobiliário do Simões Pires Advogados, explica que cada condomínio poderá ainda criar regras específicas de convivência. Uma das possibilidades é a restrição do uso de áreas comuns, como piscina e salão de festas a moradores do prédio e não visitantes.
— Cada condomínio vai analisar sua realidade, como vai precisar aprimorar a segurança e como fazer. Só entendo que não é possível criar uma taxa extra somente para esse imóvel como punição. A divisão dos custos é feita pelo tamanho de cada imóvel e não pela quantidade de pessoas que o habitam — explica ela.
O projeto final também vai exigir as mesmas regras de hospedagem a menores de idade da rede hoteleira. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) proíbe a hospedagem “salvo se autorizado ou acompanhado pelos pais ou responsáveis”.
Críticas ao projeto
O vereador Pedro Duarte (Novo) também faz parte da comissão especial na Câmara e defende que a regulamentação é inconstitucional por entender que é uma matéria de competência federal:
— Leis sobre aluguel e condomínio são de Direito Civil, competência de legislador federal. Existe a Lei do Inquilinato que é uma lei federal. Não se pode exigir cadastro para fazer locação porque a lei federal não exige isso.
O setor hoteleiro também é crítico, mas com outra visão. Alfredo Lopes, presidente da Hotéis Rio, argumenta que, embora os anfitriões afirmem oferecer “aluguéis por temporada”, a prática funciona como venda diária, gerando uma competição desigual com a hotelaria formal.
— Também é preciso considerar a superoferta: só na região central do Rio estão sendo construídos cerca de três mil estúdios e mais sete mil na área do Porto. O preço do aluguel fica tão caro que o morador acaba sendo obrigado a sair do local. Isso desloca a população local para outros bairros por conta dessas locações. Por isso, em outras cidades do mundo, essas ofertas foram limitadas. O importante é que haja responsabilidade sobre essas unidades e que exista um regramento claro. É isso que a gente cobra — diz ele.
O cotidiano da vida condominial no Rio foi drasticamente alterado pela popularização dos aluguéis de curtíssima temporada por plataformas, como Airbnb. Nos condomínios o consenso está longe de ser atingido e tem colocado os proprietários dos imóveis em lados opostos. Márcia Beserra, que aluga duas unidades na orla de Copacabana, na Zona Sul do Rio, contesta a narrativa de que a atividade é de classe média alta. Ela afirma que, para muitos, essa é a principal forma de sustento. E defende ainda que o projeto na Câmara inviabiliza o modelo de negócio, sobretudo para quem aluga um único quarto:
— A dificuldade de fazer alteração em uma convenção condominial é quase intransponível. Temos que reunir dois terços dos condôminos. No projeto em si, eles estabeleceram uma multa de R$ 10 mil por infração. Isso é desproporcional. Se isso for mesmo à frente, vai acabar com a atividade de muitos anfitriões — critica ela.
Festa longe de casa
A síndica profissional Anamaria Mallet detalha as reclamações que recebe nos prédios em que trabalha. Entre os problemas estão a falta de infraestrutura e a segurança de edifícios. Ela conta que muitos hóspedes ignoram as regras de convivência, como ouvir som alto à noite e a realização de festas nos apartamentos:
— Em fins de semana na Barra da Tijuca, é comum os pais proibirem festas ou o condomínio não permitir nenhum tipo de festividade, e os jovens acabarem juntando um grupo e alugando apartamento para fazer a festa e gerar barulho em outro prédio. Ou seja, apenas transfere para outro condomínio o problema. O jovem não sabe quais são as regras daquele condomínio, e não há indicação delas na plataforma. Já aconteceu de um apartamento de 38 metros quadrados receber oito pessoas — conta ela.
Em nota, o Airbnb diz que “acompanha de perto as discussões” e que tem “um histórico de trabalho com governo para estabelecer boas políticas e compartilhar boas práticas”. A plataforma defende que o aluguel por temporada é regulamentado por lei federal e proibir essa locação é ilegal. “Em 2024, a atividade do Airbnb na cidade do Rio gerou R$ 830,8 milhões em tributos diretos. Segundo a Fundação Getulio Vargas, a plataforma sustentou 61,6 mil empregos e adicionou R$ 5,6 bilhões ao PIB municipal”, completa a nota.
Ver online: O Globo