Ícone modernista do Centro, Edifício Aliança da Bahia renasce e busca inquilino à altura

em Diário do Rio, 29/setembro

Erguido no início dos anos 60 para abrigar a centenária Companhia de Seguros Aliança da Bahia, o prédio de 15 andares passou por um retrofit de alto padrão e volta a brilhar no mundo corporativo do Rio.

Quando o arquiteto francês Alfred Agache apresentou, no final da década de 1920, o ousado Plano de Remodelação do Rio de Janeiro, a cidade respirava ares de virada de século. Encomendado pelo então prefeito Antônio Prado Júnior, o projeto – conhecido como Plano Agache – previa uma ampla reconfiguração urbana para a área central e, em especial, para a esplanada resultante da demolição do saudoso Morro do Castelo, primeiro núcleo de ocupação da cidade, removido em 1922. Mais do que abrir avenidas e alinhar quarteirões, Agache trouxe ao Rio a estética modernista que começava a ganhar o mundo. Inspirado no estilo art déco, o francês pensava a cidade como um organismo vivo. Praças, avenidas e jardins seriam os pulmões; ruas, artérias que fariam circular a vida até o coração, o Centro; esgotos, o aparelho digestivo. Para ele, uma cidade saudável dependia do funcionamento harmônico de cada uma dessas partes, numa metáfora que conectava urbanismo e metabolismo humano.

Esse novo traçado redesenhou a antiga esplanada do Castelo e abriu caminho para a arquitetura moderna brasileira. Nas décadas seguintes, a região se tornou laboratório de grandes nomes: o Ministério da Educação e Saúde (atual Palácio Capanema), projetado por Lúcio Costa, Oscar Niemeyer e equipe, com consultoria de Le Corbusier, e a sede da Associação Brasileira de Imprensa, de Marcelo e Milton Roberto, consolidaram o modernismo no Brasil. Foi ali, no quadrilátero formado pela Avenida Graça Aranha, Rua Araújo Porto Alegre e adjacências, que a capital federal recebeu edifícios que dialogam com os princípios de Agache e permanecem como marcos de uma era de ouro que parece estar perto de retornar, com tantos projetos de revitalização do Centro que agora começam a gerar resultados. Entre eles está o Edifício Aliança da Bahia, um exemplar raro que acaba de passar por um minucioso processo de restauração e volta a brilhar no Centro.

Um gigante modernista de travertino

Erguido entre 1957 e 1961 para sediar a Companhia de Seguros Aliança da Bahia, a mais antiga seguradora do país, o prédio de 15 andares ocupa um terreno central – quarteirão inteiro – da antiga Esplanada do Castelo, definido pelo próprio plano de Agache. Projetado pelo Escritório Técnico Ramos de Azevedo, a edificação é um capítulo especial da arquitetura modernista carioca, marcada por panos de vidro, brises metálicos e revestimento em mármore travertino que percorre todas as fachadas. Um luxo renascido das cinzas, à semelhança do que vem se pronunciando com diversos outros ícones que estão passando por restauro na região central; do Edifício A Noite ao Automóvel Clube; do futuro Museu do Café na Ouvidor à Igreja da Lapa dos Mercadores ou ao Museu de Belas Artes, ou mesmo a Sede do Iphan e o próprio Capanema.

Tombada pelo Instituto Rio Patrimônio da Humanidade (IRPH), a fachada do Aliança da Bahia é um monumento à elegância construtiva. Durante as obras de retrofit, cada detalhe teve de respeitar as normas de preservação — dos grandes vãos de esquadrias ao peso exato do alumínio. “Nós queríamos manter os vãos originais e isso exigiu esquadrias específicas, mais pesadas e caras. Foi um desafio, mas a preservação é também o que garante benefícios como a isenção de IPTU, uma vantagem direta para quem ocupar o prédio”, explica o empresário Daniel Leão, CEO da Construtora Internacional, atual proprietária do imóvel.

A reforma, recém concluída, devolveu ao edifício seu brilho original. Os 15 pavimentos — 14 andares corridos mais uma elegante cobertura, envidraçada além de dois níveis de loja e sobreloja — oferecem lajes AAA+ de mil metros quadrados, uma raridade no mercado carioca. Uma chance de se instalar numa pérola do modernismo num momento em que a região reganha estrutura para receber grandes empresas. “Poucos prédios no Centro têm essa metragem e essa imponência”, destaca Leão. Todo o sistema elétrico, hidráulico e de combate a incêndio foi modernizado. O prédio recebeu ainda elevadores de última geração, incluindo o mais rápido em operação no Brasil, e infraestrutura para energia solar. Um dos pontos altos da obra é a monumental porta dourada, xodó de Daniel, voltada para a Rua Araújo Porto Alegre. Restaurada a um custo superior a R$ 100 mil, ela deve ser preservada com a instalação de uma vidraça que a proteja de qualquer tipo de vandalismo.

O renascimento de um endereço estratégico

Para Daniel Leão, o Edifício Aliança da Bahia é mais do que um investimento, acaba virando um projeto de vida. “Sempre me chamou atenção. Eu o via não como um prédio, mas como uma promessa, um monumento da arquitetura modernista brasileira, parado no tempo, esperando alguém que enxergasse sua alma”, diz ele. Em 2023, após meses de negociação com a seguradora, Leão concretizou a compra em sociedade com o pai, criando a DDL Imóveis para gerir o empreendimento.

A reforma contou com a assinatura do arquiteto Ruy Rezende, um dos nomes mais respeitados do urbanismo carioca, que acompanhou pessoalmente cada etapa até seu falecimento em 2024. “Foi o último projeto dele e também o último em que meu pai atuou. Cada centímetro desse prédio carrega a presença deles. Nele, deixei mais do que concreto e aço: deixei memórias”, emociona-se o empresário. Como homenagem, uma escultura instalada na esquina da Graça Aranha com a Araújo Porto Alegre celebra a vitalidade da cidade e da arquitetura.

Hoje, o Aliança da Bahia está pronto para receber um novo ocupante — ou, como deseja Leão, um único inquilino de peso. “Esse prédio não é para ser dividido em salinhas. Ele pede uma empresa que esteja à altura da sua história, que valorize a sede que escolhe. Já temos duas propostas em negociação, uma delas para ocupar o edifício inteiro”, revela. A localização é estratégica: a poucos passos da Cinelândia, do Palácio Capanema e dos principais corredores do Centro, com acesso fácil à Zona Sul, Zona Norte e à Avenida Rio Branco. O prédio também conta com convênios de estacionamento no entorno e serviço de valet exclusivo, sendo o primeiro do Centro a ter esse tipo de comodidade.

Centro do Rio em movimento

A reativação do Edifício Aliança da Bahia ocorre em meio a um movimento maior de retomada do Centro do Rio, que busca novas formas de ocupação para prédios históricos, que voltam à moda e à velha forma, agora atendendo aos grandes requisitos de modernidade que pedem as grandes empresas. Para Daniel, iniciativas como essa ajudam a devolver vitalidade à região. “Estamos falando de um dos endereços mais importantes da história urbanística brasileira. Reocupar esse prédio é reocupar o Centro, é trazer de volta a vida que sempre pulsou aqui”, afirma, sobre o primeiro retrofit Comercial feito na região em alguns anos.

Se Centro do Rio ainda tem relevante vacância de escritórios em prédios que não foram modernizados, a ocupação dos imóveis de padrão alto vem caindo drasticamente. Segundo dados da Sergio Castro Imóveis, o índice de vacância destes empreendimentos é de apenas 20%, enquanto os prédios que não se adaptaram às novas realidades atingem índices de quase 60%. “Mais de 13 mil apartamentos residenciais já foram vendidos na região e devem ser entregues nos próximos anos, o que também abre caminho para investir em edificios de alto padrão, que quando estão em localização desejável, são uma mercadoria raríssima“, explica Cláudio André de Castro, diretor da empresa. e entusiasta da região. Para Castro, os valores proibitivos das locações na Zona Sul – que já atingem a casa dos 300 reais por metro quadrado em alguns casos – os espaços amplos do Centro, sua mobilidade, vistas belíssimas, cultura e história são alguns dos motivos que vêm derrubando a vacância dos prédios de alto padrão no entorno.

Castro explica que o prédio está a poucos metros do estacionamento subterrâneo da avenida Antônio Carlos, perto de estações de VLT e barcas, metrô, e a poucos minutos do aeroporto, sem contar que sua localização não obriga o visitante a circular pelas ruas mais estreitas da região, o que adianta muito a ida e volta de uma reunião. Para o corretor, a aposta em investir no mercado corporativo de alto padrão, adquirindo imóveis icônicos como o Aliança da Bahia é acertada: “o prédio é isento de IPTU, por estar perfeitamente adequado. Isso significa uma economia de quase 10 reais por metro quadrado por mês para o ocupante“, explica. Um presente para a cidade.


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