O Castelo renasce: finalizadas, grandes reformas em prédios reativam região do Centro e atraem cariocas

em Diário do Rio, 15/outubro

Ícones da arquitetura modernista voltam a brilhar na antiga Esplanada, com prédios restaurados, cafés panorâmicos e espaços culturais que reativam a região e atraem curiosos e investidores, fazendo o carioca reaprender onde fica "o Castelo".

Hoje em dia, pouca gente sabe onde começa e termina a região do Castelo, no Centro do Rio. E menos ainda se lembra que ali, onde hoje se erguem edifícios modernistas de vidro e brises, existia um morro — o Morro do Castelo, berço da ocupação da cidade — demolido na década de 1920 em nome do chamado “progresso”. O argumento oficial dizia que o morro atrapalhava a circulação dos ventos e o escoamento das águas. Na prática, a remoção abriu espaço para um novo traçado urbano junto à histórica Santa Casa da Misericórdia e sua igreja de 443 anos, um espaço agora desenhado a régua e compasso, inspirado no ousado Plano Agache, encomendado pelo então prefeito Prado Júnior ao urbanista francês Alfred Agache. Mas agora, recebendo milhões de reais em investimentos públicos e privados, a região renasce com muita ênfase na história, na cultura, na gastronomia e também como referência nos espaços para médias e grandes empresas, que vêm abandonando a idéia do home office em todo o mundo.

Agache sonhava o Rio como um organismo vivo, com ruas e avenidas funcionando como artérias e o centro como o coração. Foi a partir dessa visão que surgiu a esplanada que hoje conhecemos como Castelo, uma vitrine para o que o Brasil teria de mais moderno em urbanismo e arquitetura. Apesar do desuso nos últimos anos, ainda se vê quem se refira à região pelo seu nome original, assim como ao centro, como “Cidade”: “vou à cidade“, a avô de todo mundo diria, quando se dirigia ao centro histórico. Mas, partir do desmonte do morro, o Rio passou a respirar uma nova estética, de linhas limpas e traços geométricos, que transformaria a paisagem e o modo de pensar a cidade.

O coração modernista do Centro

Nas décadas seguintes, o lugar se tornou um verdadeiro laboratório da arquitetura moderna brasileira – e também o celebrado estilo art déco, seja streamline (desenho mais aerodinâmico) ou de inspiração ‘zigzag’ (mais detalhado e monumental). Do que há de melhor no sub-estilo streamline saíram alguns dos traços que moldaram o estilo que depois se consagraria em Brasília. Entre os grandes protagonistas desse movimento, o Palácio Capanema (foto) antiga sede do Ministério da Educação e Saúde, ergueu-se como símbolo máximo dessa virada.

Projetado por Lúcio Costa e Oscar Niemeyer, sob consultoria direta de Le Corbusier, o prédio foi pioneiro no uso dos pilotis, dos grandes vãos livres e das fachadas com brises. É uma das obras mais importantes da arquitetura mundial do século XX, e um marco do Rio moderno. Depois de anos fechado, o Capanema voltou ao cenário cultural do Rio. A reabertura veio após um minucioso processo de restauração de R$ 84 milhões, conduzido pelo Iphan no âmbito do Novo PAC. As obras modernizaram redes elétricas, hidráulicas e de climatização, além de restaurar o mobiliário original, persianas e luminárias da década de 40. Os jardins suspensos de Burle Marx e os murais de Cândido Portinari também passaram por restauro, e 60% de seus espaços agora estão abertos ao público, com áreas expositivas e visitas guiadas por estudantes da Faculdade de Arquitetura da UFRJ. Ainda falta a instalação dos belíssimos brises, equipamentos que funcionam como persianas gigantes, que controlam a incidência do sol.

Hoje, o térreo livre, os pilotis e o jardim suspenso voltaram a ser ocupados pelos cariocas. Do alto, a intenção é que se instale um café panorâmico com vista para o Aterro e o Pão de Açúcar, prometendo ser o novo ponto de encontro da região, que não voltou no mesmo compasso de outras áreas do Centro no pós pandemia.

Um vizinho que renasceu

Bem em frente ao Capanema, outro ícone modernista acaba de ser devolvido à cidade. O Edifício Aliança da Bahia, construído no fim dos anos 50 para sediar a Companhia de Seguros Aliança da Bahia — a mais antiga seguradora do país —, passou por um retrofit completo e retorna ao mercado corporativo como uma das lajes mais elegantes e tecnicamente avançadas do Rio. Sua fachada monumental, inteira forrada de mármore travertino e vidro, assim como as obras de arte em sua portaria e bem na esquina de frente ao Capanema têm parado visitantes para tirar fotografias.

Projetado pelo escritório Ramos de Azevedo, o prédio é um exemplar raro da arquitetura modernista carioca, com fachadas em panos de vidro, brises metálicos e revestimento em mármore travertino que contorna toda a estrutura. Ocupando um quarteirão inteiro — algo incomum na região —, ele é tombado pelo Instituto Rio Patrimônio da Humanidade (IRPH), o que exigiu uma restauração minuciosa e cuidadosa.

“Cada detalhe foi pensado com o máximo de respeito à história do edifício”, explica Daniel Leão, CEO da Construtora Internacional, responsável pela obra. “Mantivemos os vãos originais das fachadas, o que nos obrigou a usar esquadrias mais pesadas, mais caras e específicas. Mas era fundamental preservar o DNA do projeto. Essa fidelidade é o que garante, inclusive, benefícios como isenção de IPTU, uma vantagem direta para quem ocupar o prédio.”

A reforma modernizou todos os sistemas elétricos, hidráulicos e de combate a incêndio. Os 15 pavimentos, sendo 14 andares corridos e uma cobertura envidraçada, oferecem lajes AAA+ de mil metros quadrados — algo raro no Centro. Os elevadores são de última geração, incluindo o mais rápido em operação no Brasil, e a infraestrutura está pronta para receber energia solar. Sua porta monumental, em latão dourado, de frente para a avenida Graça Aranha, é um destaque arquitetônico que impressiona, sem contar a portaria modernista que fica num belo calçadão de frente para a Araújo Porto Alegre, a poucos metros do estacionamento subterrâneo do Castelo.

Entre os destaques citados pelo construtor, a monumental porta dourada que foi restaurada a um custo superior a R$ 100 mil. “Essa porta é o meu xodó”, diz Leão. “Ela tem um valor simbólico enorme, é quase uma obra de arte. Vamos instalar uma vidraça de proteção para que ela seja preservada por muitos anos.”

O projeto de revitalização e atualização do emblemático Aliança da Bagia foi assinado pelo arquiteto Ruy Rezende, um dos nomes mais respeitados do urbanismo carioca, que acompanhou pessoalmente as obras até seu falecimento, em 2024.

A Vieira Souto do Centro

Quem passa hoje pela região nota a transformação. As calçadas foram refeitas, o entorno revitalizado. De dentro do hall do Aliança da Bahia, é possível enxergar o Capanema e seus pilotis — vista que Daniel Leão não cansa de admirar. “De onde a gente está, dá pra ver o Capanema, o jardim suspenso, as pessoas passando por baixo, tudo integrado. É uma das áreas mais bonitas do Rio”, comenta.

Ele costuma dizer que o quarteirão que abriga o Aliança da Bahia é a “Vieira Souto do Centro”. “A localização é privilegiada, perto de tudo, e está vivendo um momento de renascimento. Os restaurantes estão cheios, os empresários voltaram a olhar pra cá. É uma área que voltou a respirar”, afirma.

A movimentação é real: na hora do almoço, os restaurantes do entorno vivem lotados. “O Gula Gula, recém aberto no prédio da Firjan, tem fila todo dia. Acabou de abrir uma Casa Bauducco aqui do lado. Quem é dono de restaurante está rindo à toa”, brinca o empresário. “Essa reativação do Castelo tem puxado o interesse por toda a vizinhança. As lojas estão voltando, as pessoas voltaram a circular. É um novo momento pro Centro.” Um outro destaque na região, nos quarteirões seguintes, são as tradicionais Casa Villarino, hoje operada pelo Sesc, e o Osbar, um boteco que serve sanduíches cada dia mais procurados, sem contar para quem gosta de happy hour no Centro: quando o final da semana se aproxima, a música é super animada, e os advogados, de terno, ficam à porta do barzinho até altas horas.

Retorno de um clássico cultural

Dentro de alguns meses, a região ganha mais um presentão: a conclusão da reforma do Teatro Sesc Ginástico, antigo Clube Ginástico Português, na Avenida Graça Aranha. Comprado pelo Sesc em 2002, o edifício reabre as portas no dia 12 de dezembro com uma apresentação inédita de Fernanda Montenegro. Palco de grandes espetáculos como Medéia, Ópera do Malandro, Não Fuja da Raia e Conduzindo Miss Daisy, o espaço tem papel histórico na vida cultural do Centro do Rio.

Inaugurado em 1938, o prédio, construído por comerciantes portugueses apaixonados pelo Rio e que queriam ter a convivência de suas famílias como parte importante de suas vidas, passa por uma modernização completa, com 60% das intervenções já concluídas. O espetacular teatro, com capacidade para 400 lugares, ganha novas poltronas de couro, cenotécnica modernizada, painéis acústicos ripados, forro em freijó maciço e iluminação de última geração — tudo preservando a identidade Art Déco original, incluindo o balcão e o acesso pelo foyer térreo. Nada menos que três teatros funcionarão ativamente na região: o do Consulado da França, o Teatro Firjan Sesi, e agora o Ginástico literalmente retorna à cena, demonstrando que a cultura e o entretenimento chegaram ao Castelo pra ficar.

O projeto de retrofit, quase pronto, prevê ainda uma praça pública em três níveis, cinema ao ar livre, biblioteca, clínica odontológica e a reativação da icônica piscina semiolímpica elevada, que atraiu a vida inteira executivos querendo dar uma relaxada ou mesmo uma nadada entre uma reunião e outra. A entrega completa do edifício, de 14 mil metros quadrados, está prevista para maio de 2026 e incluirá ainda mirante com café, quadra poliesportiva, galeria de exposições, restaurante e diversas áreas voltadas para saúde, esporte e convivência.

Também naquela região, do outro lado da Avenida Antônio Carlos, a Santa Casa da Misericórdia do Rio, que vem se reerguendo com diversas vitórias, já atende atualmente mais de 600 pessoas por dia em seu hospital, que hoje é um dos locais mais indicados para quem quer se consultar com médicos de ponta a preços módicos; de clínica dentária a serviços de cardiologia, homeopatia, gastro e diversas outras especialidades, volta a se tornar referência de preços populares.
Surfando a onda da revitalização

Para Leão, o Aliança da Bahia representa mais do que um endereço corporativo. “Esse prédio tem alma, tem história. Ele não é pra ser dividido em pequenas salas, é pra ser sede de uma empresa à altura da sua imponência”, diz. Segundo ele, já existem duas propostas em negociação, uma delas para ocupar o edifício inteiro.

O empresário enxerga o renascimento do Castelo como um movimento real, que já está em curso. “Eu não acho que o Centro vai dar certo. Eu tenho certeza que já está dando”, afirma. Para ele, o Palácio Capanema tem funcionado como uma âncora natural para a reativação da região, impulsionando o interesse de empresas e investidores. “O Capanema voltou a respirar. E com ele, a gente começa a ver um novo fôlego por aqui. O retorno do Teatro Sesc Ginástico vai dar ainda mais vida, vai movimentar a vizinhança e criar uma nova rotina cultural nesse quadrilátero”, completa.

Leão conta que observa um movimento crescente de pessoas circulando, curiosas, tirando fotos, admirando a arquitetura e redescobrindo o Centro. “É bonito de ver. As pessoas estão voltando, passando pela frente do prédio, parando, olhando pra cima. É um resgate de orgulho. E isso é um fenômeno que vem acontecendo há alguns anos, muito impulsionado pelas redes sociais, que reacenderam o interesse pela arquitetura modernista carioca.”


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