O epicentro da maior festa popular do Rio pode estar prestes a se tornar o principal destaque de um megaprojeto de revitalização da cidade. Imagine a Praça da Apoteose do Sambódromo sem grades e junto a uma nova área verde, os barracões das escolas de samba do Grupo Especial em plena Avenida Presidente Vargas e uma biblioteca com arquitetura arrojada e espaços para shows onde hoje fica o Terreirão do Samba. E isso tudo sem o Elevado Trinta e Um de Março, que a prefeitura pretende derrubar para integrar todos esses projetos sem obstáculos na paisagem. Com a Marquês de Sapucaí como protagonista, o Praça Onze Maravilha será apresentado hoje pelo prefeito Eduardo Paes como parte das comemorações do Dia Nacional da Consciência Negra.
— A demolição do Trinta e Um de Março vai conectar pessoas e ruas. Novas áreas de lazer vão surgir, e a Biblioteca do Saber promete ser um marco dessa revitalização — disse Eduardo Paes.
A obra também terá grande impacto no trânsito da região com a derrubada do elevado. Para compensar, o projeto prevê a construção de um mergulhão que vai da altura da Rua Frei Caneca até depois da Avenida Presidente Vargas. Todo o terreno que será liberado, bem ao longo da Passarela do Samba, será destinado a novos prédios.
A proposta é que a verba de R$ 1,75 bilhão necessária para todas as intervenções até 2032 seja financiada por investidores em uma Parceria Público-Privada (PPP), que guarda semelhanças com aquela que renovou a infraestrutura da Região Portuária na década passada, a partir da demolição da Perimetral. Um pouco mais distante da Sapucaí, Paes pretende ainda levar adiante a promessa de criar o Parque do Porto, mas com modificações. Aquela ideia de construir várias ilhas flutuantes na Baía de Guanabara anunciada em 2024 dará lugar a apenas uma, perto Museu do Amanhã.
A PPP do novo projeto tem etapas a serem cumpridas. Na segunda-feira, chegará à Câmara Municipal um projeto de lei do Executivo que cria a Área de Especial Interesse Urbanístico (AEIU) da Praça Onze. Trata-se de uma espécie de revisão geral das regras de construção e dos gabaritos do Estácio, do Centro, da Cidade Nova e da Cruz Vermelha, para estimular o mercado imobiliário a investir em novas moradias nas vizinhanças do Sambódromo.
Sem recursos públicos
Paes explicou que, sem o elevado, surgirão novos terrenos públicos ao lado do Sambódromo, que serão entregues à iniciativa privada, em contrapartida às obras, que deverão acontecer sem aporte de dinheiro público, como ocorreu no Parque Olímpico, na Barra, e no Porto Maravilha. As áreas poderão ser vendidas pelos gestores da PPP para que recebam tanto pontos comerciais como moradias. A projeção da prefeitura é que surjam 25 mil novas residências.
— A partir dos anos 1920, por influência da arquitetura modernista, o centro do Rio começou a sofrer um processo de desadensamento com a abertura da Avenida Presidente Vargas numa região que era referência na cultura. Essa retomada da área central como alternativa de moradias só foi retomada a partir da revitalização do Porto — disse o vice-prefeito Eduardo Cavaliere.
O projeto para a área está sendo desenvolvido por um consórcio de empresas liderado pelo arquiteto Rodrigo Azevedo, que venceu um chamamento público feito pela prefeitura. Ele diz que uma das vantagens do entorno do Sambódromo é o fato de já haver muitas moradias, não se partindo praticamente do zero como no Porto:
— Ao tirar o elevado, trazemos mais gente para morar nessas áreas, recuperando esse entorno. E para atender a essa demanda e quem já vive no Catumbi e em Santa Teresa, os novos prédios serão projetados de forma mista prevendo atividades comerciais no térreo e nos andares superiores — explicou Rodrigo Azevedo.
No caso da Biblioteca dos Saberes, o projeto prevê outras mudanças. O complexo cultural vai transformar em área de pedestres o trecho da Rua Benedito Hipólito entre o Sambódromo e a Igreja de Sant’Ana, o que levará a uma reorganização do trânsito também naquela área, O desenho é de Francis Kéré, de Burkina Faso, primeiro negro a vencer o prêmio Pritzker (2022), o Oscar da arquitetura.
— A proposta é que ali seja um espaço de convivência vibrante, catalisador para a transferência do conhecimento e da cultura, e não apenas um local em que livro sejam armazenados. A ideia é que o prédio se integre à paisagem, onde possam ser realizados vários eventos sem que um interfira nos demais. O design traz referências à arquitetura das favelas. Também projetamos uma ponte que vai ligar a biblioteca ao monumento de Zumbi dos Palmares. É um gesto que honra o povo negro do Brasil — diz Kéré.
O secretário municipal de Cultura, Lucas Padilha, faz planos para o futuro:
— O espaço tem vocação para expormos todo um acervo ligado à cultura carioca em parcerias com outras instituições. Mantendo um palco para eventos tradicionais como os shows no Terreirão no carnaval.
A área alvo da AEIU tem 2,5 milhões de metros quadrados e envolve também terrenos privados que serão beneficiados pela revisão das regras sem serem contrapartida da PPP. Na Cruz Vermelha e no entorno, o secretário de Desenvolvimento Urbano, Gustavo Guerrante, explica que os novos benefícios vão se somar aos já concedidos pelo programa Reviver Centro para quem reforma ou constrói novos residenciais. Em contrapartida, neste caso, os empreendedores ainda ganham uma espécie de bônus urbanístico equivalente em metros quadrados para ser usado em outros bairros — até o momento só foram aplicados em novos projetos em Ipanema e Copacabana.
— A AEIU também incorporou algumas áreas da Presidente Vargas que originalmente faziam parte do Porto Maravilha, para dar maior escala à PPP — explicou Guerrante.
Votação só em 2026
Como o Legislativo entra em recesso daqui a um mês, é provável que esse projeto só seja votado em meados de 2026. A etapa seguinte, que deve ser cumprida ainda no ano que vem, será o lançamento do edital para escolher o gestor PPP, com o detalhamento do cronograma das obras.
O projeto da AEIU prevê no entorno do Sambódromo prédios de até cem metros de altura (mais de 30 andares). A Companhia de Engenharia de Tráfego (CET-Rio) já fez estudos que preveem redirecionamento do trânsito mais pesado para a Zona Sul pelo Túnel Marcello Alencar e pelo Aterro do Flamengo.
A prefeitura não crava data para o cumprimento de cada um dos elementos do projeto, mas define 2032 como prazo final.
— Há etapas que levam tempo. O projeto para o Porto foi pensado em 2009, e o elevado da Perimetral, por exemplo, só foi demolido em 2013 — disse o secretário de Desenvolvimento Econômico, Osmar Lima.