A sanção de uma lei que autoriza a construção de edifícios de até 20 andares em áreas específicas de Teresópolis, na Região Serrana do Rio, provocou reação imediata de moradores, urbanistas e conselhos municipais. A medida, que altera o zoneamento urbano, é vista por críticos como um incentivo direto à especulação imobiliária em uma cidade historicamente marcada pelo perfil bucólico e pelo turismo de natureza.
A nova norma permite edificações de até 60 metros de altura em dois trechos considerados sensíveis do ponto de vista urbanístico: a área entre as ruas Alfredo Rebello Filho e Hidelgardo de Noronha e o setor localizado entre a Rua Augusto do Amaral Peixoto e a Rua Sloper. Nessas regiões predominam casas e prédios de poucos pavimentos, o que torna a mudança ainda mais controversa.
Aceleração imobiliária na serra
Nos últimos anos, Teresópolis tem registrado valorização acelerada do mercado imobiliário, impulsionada pela busca por moradia fora dos grandes centros urbanos, especialmente após a pandemia. Incorporadoras passaram a adquirir grandes terrenos em bairros tradicionais, antecipando mudanças no zoneamento e pressionando o poder público por maior potencial construtivo.
Especialistas apontam que a autorização para prédios de grande porte pode intensificar esse movimento, elevando preços de terrenos, estimulando a substituição de casas por empreendimentos verticais e afastando moradores antigos. Para urbanistas, trata-se de um padrão já observado em outras cidades serranas do estado, onde a flexibilização das regras urbanísticas antecedeu ciclos de adensamento pouco planejados.
Críticas ao processo de aprovação
Além do conteúdo da lei, o processo de aprovação é um dos principais alvos de questionamento. Moradores e técnicos afirmam que a mudança contraria o Plano Diretor Municipal, que estabelece limite máximo de oito pavimentos para edificações na cidade.
Segundo representantes do setor de urbanismo, não houve debate público nem apreciação prévia pelo Conselho Municipal da Cidade (Comud), instância responsável por discutir alterações estruturais no planejamento urbano. Em nota, o presidente do conselho, Luciano Savattone, disse que tomou conhecimento da alteração apenas após a sanção da lei e declarou posição contrária à medida. Ele ressaltou ainda que a proposta não partiu da Secretaria Municipal de Urbanismo nem do corpo técnico da prefeitura.
Ministério Público acompanha o caso
A 1ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva de Teresópolis informou que acompanha o caso e analisa as implicações jurídicas da nova legislação. O Ministério Público prepara uma recomendação para que o município não aprove projetos que estejam em desacordo com o Plano Diretor.
O documento deve ser encaminhado após o recesso de fim de ano, a partir de 5 de janeiro. Caso sejam constatadas irregularidades, a lei pode ser questionada judicialmente, inclusive sob o argumento de inconstitucionalidade.
Moradores também levantam suspeitas de que a alteração do zoneamento possa beneficiar um mesmo grupo empresarial nas duas áreas atingidas. Se houver indícios de favorecimento, o caso pode ganhar novos desdobramentos no campo jurídico e administrativo.
Pressão sobre infraestrutura e meio ambiente
Urbanistas alertam que a verticalização intensa traz riscos significativos para uma cidade serrana como Teresópolis, que já enfrenta limitações de infraestrutura. Entre os impactos apontados estão a sobrecarga do sistema viário, dificuldades no abastecimento de água, no esgotamento sanitário e no fornecimento de energia elétrica.
A lei estabelece que os empreendimentos só poderão ser construídos em terrenos com área superior a 10 mil metros quadrados e limita a taxa de ocupação a 35% do lote. Ainda assim, especialistas afirmam que o aumento da densidade populacional tende a agravar problemas já existentes, como ruas estreitas, trânsito congestionado e falhas na manutenção urbana.
Paisagem e identidade em risco
Outro ponto sensível é a possível descaracterização da paisagem urbana. Moradores temem que prédios de grande altura comprometam a preservação visual de cartões-postais da cidade, como o Dedo de Deus, além de alterar de forma irreversível o perfil arquitetônico das áreas afetadas.
Há também preocupações ambientais, como o aumento do sombreamento sobre imóveis vizinhos, impactos sobre áreas verdes e a formação de ilhas de calor, com efeitos diretos no microclima local. Para críticos da medida, a combinação entre falta de planejamento, pressão do mercado imobiliário e ausência de transparência cria um precedente perigoso e amplia o risco de que outras regiões da cidade sofram mudanças semelhantes no futuro.