Casa própria com Selic a 15%: entenda o impacto da taxa no financiamento imobiliário em cinco pontos
em Valor Investe / Imóveis, 18/setembro
Atual patamar da Selic impacta direta e indiretamente quem deseja contratar um crédito habitacional, segundo especialistas ouvidos pelo Valor Investe.
A cada reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) sobre a decisão da taxa básica de juros da economia, a Selic, volta a pairar um dilema recorrente entre quem busca financiar um imóvel: comprar ou esperar o início do ciclo de cortes? Embora a escolha seja pessoal, especialistas indicam que é fundamental analisar os prós e contras de cada cenário e os impactos do atual patamar dos juros no bolso de quem quer tirar o sonho do papel.
Entenda em cinco pontos os impactos da Selic no financiamento
1. Impactos diretos
A Selic é conhecida como o custo do dinheiro. Então, quando ela sobe (ou se mantém em níveis mais altos), os bancos vão repassar esse custo para os financiamentos, incluindo os imobiliários. O mesmo acontece no cenário oposto: com queda, há uma "sensível redução nas taxas dos financiamentos em geral, inclusive do crédito imobiliário", explica Paula Bento, planejadora financeira pela Planejar.
Os financiamentos pelo Sistema Financeiro de Habitação (SFH), como no programa Minha Casa Minha Vida (MCMV), são menos afetados já que as taxas e subsídios são determinado previamente pelo governo e os recursos são da poupança, explica Leonardo Guerra, diretor regional RE/MAX Distrito Federal, rede de franquias imobiliárias.
Mas fora do programa, no Sistema de Financiamento Imobiliário (SFI), o peso no bolso é maior já que a verba para isso vem de recursos livres — que ficam mais caros com a Selic mais alta.
Neste cenário, as parcelas também tendem a ficar mais altas já que o crédito fica mais caro. Por outro lado, em um ciclo de queda de juros, enquanto as parcelas tendem a diminuir, pode ser que o mercado imobiliário fique mais aquecido, o que pode gerar valorização das unidades residenciais.
2. Impactos indiretos
Além dos impactos diretos, há também os indiretos, como para quem vai financiar imóvel na planta, explicam os especialistas ouvidos pelo Valor Investe. Para este público, o peso da Selic fica mais evidente quando ocorre a assinatura do contrato, onde a taxa será a que está sendo praticada pelo mercado na entrega das chaves. Isso pode variar tanto para o lado bom, como para o lado ruim, caso a Selic suba ainda mais.
Werton Oliveira, economista da Ekonomy Consultoria, explica que algumas construtoras optam por financiar diretameente o comprador do imóvel sem a necessidade de banco e podem colocar uma "trava taxa" para controlar o efeito da oscilação de juros.
"Mesmo que a taxa suba em um determinado período, a construtora faz um contrato que segura e mantém a taxa de juros atual. O que é que é interessante entender? Que se hoje a taxa está alta, pode ser que daqui a dois, três anos ela caia, mas também pode estar mais alta do que está hoje, dependendo do cenário econômico que vamos encontrar lá na frente", pondera Oliveira.
Além disso, quando o financiamento é feito ao longo da obra, o saldo devedor costuma ser corrigido por índices da construção civil, como o INCC. Como uma Selic elevada tende a pressionar os preços, esse reflexo pode encarecer o saldo devedor durante a obra, ainda que não haja impacto direto na taxa de financiamento, detalha Guerra.
A selic também pode afetar indiretamente os aluguéis porque, apesar de a maior parte dos contratos ser atualizado por índices atrelados à inflação, como IPCA ou IGPM (conhecido como o índice do aluguel), caso haja desaceleração nos financiamentos e maior busca por locação, funciona a famosa Lei da oferta e demanda. Com mais gente aguardando as taxas caírem para contratar o financiamento, os preços dos aluguéis também podem subir, explica Bento.
No entanto, com essa desaceleração na busca por financiamento, o cenário cria uma pressão sobre as incorporadoras que já estão com imóveis prontos. Com isso, Werton explica que pode ser mais fácil negociar os valores das unidades já que as incorporadoras precisam manter as vendas aquecidas e com isso, geralmente, tornam-se mais flexíveis à pechincha, principalmente dos imóveis que já estão prontos para morar.
"Existe já um movimento de mercado, que a gente percebe que alguns construtoras facilitam a entrada, tentam fazer um parcelamento desse valor para tentar fazer com que fique mais fácil para o cliente fechar o seu financiamento junto ao banco", comenta Oliveira.
3. Tabela Price x Sac
Os sistemas de amortização disponíveis — Sac e Price — também são afetados pela taxa. A "amortização" é a parte da parcela destinada para reduzir o valor financiado, enquanto a outra parte da parcela paga os juros daquele mês.
A Price, que fixa o valor das parcelas ao longo do contrato, tende a sentir mais o efeito da alta, pois as prestações são calculadas no momento da contratação. Segundo Oliveira, neste sistema os juros incidem sobre o saldo devedor por mais tempo.
Já a SAC, que prevê parcelas decrescentes, suaviza esse impacto porque possui amortização constante. Isso reduz o saldo devedor rapidamente, diminuindo a exposição aos juros altos, detalha o economista.
4. Captação da poupança x Renda fixa
O rendimento da poupança muda de acordo com a meta da taxa Selic: Se a Selic estiver acima de 8,5% ao ano, a poupança rende 0,5% ao mês mais Taxa Referencial. Já se a Selic estiver abaixo desse patamar, a poupança rende 70% da Selic, convertida para taxa mensal, mais Taxa Referencial, segundo a Caixa Econômica Federal.
Com isso, a poupança se torna um investimento considerado "pouco atrativo" porque a rentabilidade é baixa, perdendo até para a inflação em alguns momentos, mas torna atrativo outros tipos de investimentos, como CDB, como Tesouro Selic, entre outros, explica Oliveira.
O problema disso, pontua o economista, é que os outros investimentos são concorrentes diretos da poupança e parte da captação de recursos para crédito habitacional vem justamente desse investimento mais tradicional. "Então, com a escassez desse tipo de recurso vindo da poupança, torna-se mais custoso financiar o crédito para a compra do imóvel novo", diz Oliveira.
Por outro lado, para quem não possui urgência em financiar e topa aguardar a queda da Selic, vale aproveitar o cenário de retornos altos da renda fixa para ’engordar’ o volume de dinheiro para a entrada do imóvel, investindo mensalmente como se fossem as próprias parcelas do imóvel — diminuindo assim o valor que será financiado.
A recomendação da planejadora é investir preferencialmente em ativos sem prazo, como Tesouro Selic ou Certificado de Depósito Bancário (CDB) que renda 100% do CDI de grandes bancos para garantir liquidez e segurança já que "quem está buscando imóvel, também pode encontrar alguma oportunidade" no meio do caminho e, com isso, deve ter a liberdade de conseguir sacar o montante a qualquer momento.
5. Perspectivas futuras
Os financiamentos habitacionais seguem a tendência da Selic, mas não de forma imediata. Guerra explica que os bancos costumam esperar sinais consistentes de queda para reduzir suas taxas, e esse repasse pode levar de três a seis meses após o início do ciclo de cortes. Além disso, o tamanho da redução pode não ser o mesmo quando isso acontecer.
"Se, por exemplo, a Selic cair de 15% para 10%, isso não significa que as taxas dos financiamentos habitacionais também terão uma queda de cinco pontos percentuais. A variação costuma ser mais moderada", explica Guerra, da RE/MAX.
Por isso, há prós e contras em cada decisão: comprar e aguardar os juros caírem. Quem compra agora pode conseguir melhores condições de negociação no valor do imóvel, mas assume o risco de pagar juros mais altos por algum tempo, até que a redução da Selic se reflita nos financiamentos. Por outro lado, esperar pode significar perder boas oportunidades no mercado, já que não há garantias sobre o ritmo ou intensidade da queda das taxas, pondera Guerra.
Para quem financiar com juros mais altos, a portabilidade do crédito é uma possibilidade que pode ser utilizada para baratear a dívida, conseguindo, inclusive, negociação para taxas melhores quando o ciclo de cortes começar. Aqui, a amortização também pode ajudar a diminuir o saldo devedor.
No meio de tudo isso, Bento ressalta que a decisão sobre a compra da casa própria "nunca é somente do ponto de vista financeiro" e envolve outros aspectos, como familiares e até mesmo emocionais. Por isso, é preciso colocar na balança a necessidade de cada pessoa, como a própria urgência pela moradia.
Ver online: Valor Investe / Imóveis