Tokenização no mercado imobiliário: inovação em busca de segurança jurídica

em Agência CBIC, 19/setembro

O último painel do X Seminário Jurídico da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), realizado nesta sexta-feira (19), colocou em debate um dos temas mais inovadores e desafiadores para o setor: a tokenização de ativos imobiliários. A tecnologia, baseada em blockchain, promete revolucionar o mercado ao permitir que imóveis sejam fracionados em unidades digitais negociáveis, democratizando o acesso a investimentos e trazendo novas possibilidades de liquidez.

A abertura foi conduzida por Raphael Lafetá, presidente do Sinduscon-MG, que ressaltou o caráter disruptivo do tema. “Estamos diante de um movimento que une inovação tecnológica, mercado financeiro e segurança jurídica. É preciso compreender como a tokenização pode transformar a indústria da construção e, ao mesmo tempo, garantir confiança e estabilidade para todos os envolvidos”, afirmou.

O conceito de tokenização foi detalhado por Andreas Blazoudakis, CEO da Netspaces, que vem atuando na vanguarda do tema no Brasil. Ele comparou a evolução da internet com a chegada do blockchain ao mercado imobiliário, ressaltando que se trata de um processo coletivo e gradual. “Há uma interpretação equivocada porque muitos acreditam que a tokenização já é uma realidade plena. Mas ainda estamos construindo esse caminho. Não se trata de falta de regulação, mas de aprender a usar o que já existe de forma adequada”, destacou.

Para o executivo, o avanço deve ser visto como um “processo de Lego, não de xadrez”. A metáfora, explicou, traduz a necessidade de cooperação entre incorporadoras, bancos, registradores e empresas de tecnologia para consolidar o modelo. “Ninguém conseguirá avançar sozinho. É uma construção em rede”, disse.

Blazoudakis ainda reforçou a relevância do Brasil no cenário internacional, lembrando que o país se tornou protagonista ao integrar a tokenização ao direito real de propriedade. “O único lugar além de Dubai que ousa fazer isso é o Brasil. Lá fora, ninguém tenta. É algo semelhante ao que ocorreu com o PIX, que nos colocou na liderança mundial em inovação financeira”, comparou.

Entre contratos e propriedade: o papel da regulação

Se, de um lado, a tecnologia abre caminhos promissores, de outro, a segurança jurídica aparece como pilar indispensável. Esse foi o foco da fala de Juan Pablo Correa Gossweiler, presidente do Operador Nacional do Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis (ONR). Ele lembrou que a Constituição brasileira coloca o direito de propriedade no rol dos direitos fundamentais, e que os registros públicos exercem papel central para garantir soberania nacional e estabilidade no mercado. “Direito de propriedade não é um clique. Ele depende do cumprimento de todas as exigências legais e do registro formal para existir de fato”, afirmou.

Correa alertou ainda para confusões que vêm ocorrendo na prática. Em muitos casos, o que é vendido como tokenização de imóveis refere-se, na verdade, à negociação de contratos, como os de locação, e não ao direito real de propriedade. “É preciso deixar claro que o token não representa o imóvel. Essa distinção é fundamental para evitar distorções e falsas expectativas”, enfatizou.

A fala foi reforçada e ampliada por José Carlos Gama, diretor do Sinduscon-CE e conselheiro do CONJUR da CBIC, que trouxe exemplos concretos do cotidiano do mercado e fez provocações ao setor. “Está começando a aparecer a seteira do fogo, e nós precisamos ser bombeiros disso”, iniciou, chamando atenção para os riscos de confundir direito real e direito obrigacional.

Gama apontou um problema recorrente: a promessa de compra e venda, que só adquire caráter de direito real quando registrada, quase nunca é levada aos cartórios por conta da cobrança duplicada de taxas. “Qual o Estado brasileiro que tem a prática de registrar promessa de compra e venda? Em São Paulo, houve acordo entre mercado e registradores, com apoio do Tribunal de Justiça, para permitir um pagamento fracionado. No Ceará, tentei propor algo parecido, mas a resposta foi negativa. O resultado é que as promessas de compra e venda ficam engavetadas, sem registro, e o município perde arrecadação”, criticou.

Ele lembrou que a sociedade avança em ritmo mais rápido que o direito, citando exemplos históricos como o time share, que nasceu como um direito de uso obrigacional até que a legislação foi atualizada para transformá-lo em direito real. “Agora vivemos nova etapa: há quem queira vender a fração mínima de um imóvel, um centésimo, um milésimo. Mas a lei ainda não permite. E é isso que gera toda essa confusão”, destacou.

Com metáforas bem-humoradas, Gama defendeu uma postura colaborativa entre registradores, incorporadoras e bancos. “Estamos todos dentro da mesma nau, no meio do oceano. Se ela afundar, morremos todos. O mundo mudou, e hoje as decisões no Fórum Nacional de Desenvolvimento do Mercado Imobiliário só saem por unanimidade, com todos os setores à mesa. Não existe mais cabo de guerra. Precisamos de um jogo leal, com regras claras antes da partida começar”, afirmou.

Ao final, o dirigente deixou uma mensagem de otimismo e responsabilidade. “Desafios sempre existirão, e é por isso que estamos aqui, numa sexta-feira à tarde, debatendo esse futuro. O que precisamos é levantar a bandeira da paz e encontrar soluções que garantam segurança jurídica, porque não existe ninguém nesse auditório contra ela”, concluiu.

O X Seminário Jurídico é uma iniciativa da CBIC, em parceria com a Associação de Empresas do Mercado Imobiliário do Distrito Federal (ADEMI-DF), com a Associação Brasiliense de Construtores (ASBRACO), e com o Sindicato da Indústria da Construção Civil do Distrito Federal (Sinduscon-DF), o evento tem correalização do SENAI, conta com a parceria do Banco de Brasília (BRB) e patrocínio do sistema Confea, Crea, Mútua; do Jusbrasil Soluções; do FIEDRA Britto e Ferreira Neto Advocacia Empresarial; e TozziniFreire Advogados.


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