Arquivo urbano: Retrofit do Prédio da Caixa é símbolo da revitalização do Centro de Niterói, que tem investimento de R$ 1 bilhão

em O Globo / Niterói, 4/agosto

Especialista destaca transformações históricas e afirma que desafio é evitar gentrificação e segregação territorial.

Durante boa parte do século XX, o Centro de Niterói foi o coração pulsante da cidade. Concentrando atividades comerciais, culturais, educacionais e de transporte, a área viveu seu auge até começar a perder espaço para bairros como Icaraí e a Região Oceânica. Agora, cinco décadas depois da última grande transformação urbanística, que foi o Aterro da Praia Grande, nos anos 1970, e com sérios problemas de degradação, o bairro volta a ser protagonista de um processo de reocupação e revitalização urbana.

A prefeitura está liderando um pacote de investimentos públicos e privados estimado em mais de R$ 1 bilhão, que inclui a construção de um parque poliesportivo, uma marina, centro de convenções, ações de preservação e do patrimônio histórico e retrofit de fachadas, sendo o próximo lançamento o retrofit do Prédio da Caixa, na Avenida Amaral Peixoto. Os principais lançamentos imobiliários do município também se concentram hoje na região central.

A última grande transformação do Centro ocorreu nos anos 1970, com o Aterro da Praia Grande, projeto que mudou profundamente a geografia da cidade. Idealizado ainda nos anos 1940, o aterro foi executado no regime militar e deu lugar a marcos como o Mercado São Pedro, o Terminal João Goulart, a nova Estação das Barcas, o campus da UFF no Gragoatá e, mais recentemente, o Teatro Popular, no Caminho Niemeyer.

A mudança, no entanto, veio acompanhada da perda do status de capital do estado, em 1975, e de décadas de políticas urbanas que priorizaram o uso comercial do Centro, mas não incentivaram a moradia. Com o tempo, a região foi se esvaziando, acumulando imóveis desocupados e perdendo vitalidade.

Professora titular da Universidade Federal Fluminense (UFF), a arquiteta e urbanista Luciana Nemer estuda há quatro anos o Centro de Niterói. Ela destaca as transformações históricas do bairro antes do aterro da Praia Grande.

— No século XIX, Niterói abrigou, no que era o antigo Centro, o palacete de Dom João VI. O Centro era o que a gente conhece como a região da Cantareira, em São Domingos, e o mar estava junto àquela orla original. Naquela época, o francês Arnald Julien Pallière foi contratado para fazer o projeto de transferência do Centro, de São Domingos para as ruas que ele projeta na Praia Grande. Esse plano foi apresentado ao rei com ruas mais largas e esse quadriculado que a gente conhece hoje e marca um novo Centro, que começa na Praça do Rink. Depois, no início do século passado, há um deslocamento do novo centro cívico para a Praça de São João. Próximo a essa região, que abriga o conservatório de música e a Casa Norival de Freitas, recentemente recuperada, havia residências de pessoas bem abastadas. Já nos meados do século, em 1940, temos a abertura da Avenida Amaral Peixoto, seguindo os moldes da Presidente Vargas, no Rio. No final dela foi construída a Praça da República com vários poderes, e nas proximidades foi erguido o prédio novo da prefeitura. A história fala até de um pelourinho naquela região — conta.

Luciana enfatiza que o principal desafio do poder público nesse projeto de novo Centro é evitar uma possível gentrificação e segregação territorial:

— Desde 1992, no primeiro plano diretor municipal, havia uma preocupação com esse esvaziamento do Centro. Isso aumentou a criminalidade, sem falar no crescimento no número de pessoas em situação de rua. A prefeitura está fazendo muitas obras necessárias e várias parcerias com a iniciativa privada, mas é importante que fique atenta para algo que costuma acontecer após esses grandes investimentos, que é o processo de gentrificação. É preciso se preocupar em como manter essa população heterogênea no Centro e fortalecer o comércio local. Além de atrair novos moradores, é preciso manter os moradores no Centro.

Novos projetos

A prefeitura destaca que a reocupação habitacional é o pilar do novo modelo urbano. Embora concentre metade dos postos de trabalho de Niterói, o Centro abriga apenas 5% das moradias. A administração municipal diz que, para mudar esse quadro, criou um fundo imobiliário com mais de R$ 400 milhões oriundos dos royalties do petróleo e estruturou programas como o Aluguel Universitário, que incentiva estudantes a morarem perto das universidades.

Neste segundo semestre a prefeitura vai apresentar a proposta de Parceria Público Privada para a realização das obras de retrofit que vão requalificar o edifício Nossa Senhora da Conceição, conhecido como Prédio da Caixa.

— O Centro é uma região fantástica, mas faltava um projeto que priorizasse a moradia e um compromisso público de requalificar a região. Nesse grande processo de requalificação, o Prédio da Caixa vai ser um símbolo da transformação da Amaral Peixoto. Vai ser um prédio moderno e sustentável e vai inspirar a requalificação das fachadas de uma via histórica e importante da cidade. Não vamos mais ter espaços abandonados ou degradados. O Centro vai ser o grande vetor de desenvolvimento de Niterói nos próximos anos, com segurança, valorização dos imóveis, atração de novos investimentos e geração de emprego e renda — diz o prefeito Rodrigo Neves.

Com 392 unidades entre lojas e apartamentos, o imóvel está sendo preparado para abrigar moradias enquadradas no Programa Minha Casa Minha Vida (Faixa 3), destinado a famílias com renda mensal entre R$ 4.700 e R$ 8.600, e unidades destinadas ao Aluguel Universitário. O térreo será voltado ao comércio, e os andares superiores serão renovados para uso residencial. O município já investiu cerca de R$ 15 milhões e ainda fará aportes de R$ 25 milhões, totalizando cerca de R$ 40 milhões na desapropriação e indenização aos antigos proprietários. Para executar as obras de retrofit, a estratégia é estruturar uma PPP para viabilizar o empreendimento.


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