CDC prevalece sobre Lei do Distrato em compra e venda de imóvel, decide STJ

em Consultor Jurídico, 25/setembro

No caso de resolução de contrato de compra e venda de imóvel firmado entre um cliente e uma incorporadora, as normas do Código de Defesa do Consumidor devem prevalecer sobre as da Lei do Distrato (Lei 6.766/1979).

Isso significa que, embora o artigo 32-A da Lei do Distrato autorize uma série de descontos na devolução do valor pago pelo consumidor quando a resolução do contrato for de sua culpa exclusiva, eles devem ser limitados a 25%.

Essa conclusão é da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que deu provimento ao recurso especial de uma pessoa que firmou contrato de compra e venda de um imóvel e desistiu do negócio ao perceber que não conseguiria pagar as parcelas.

Na ação de resolução de contrato, o comprador pediu a devolução de 90% dos valores pagos. A sentença de primeiro grau determinou que 80% fossem devolvidos, mas o Tribunal de Justiça de São Paulo retirou qualquer limitação aos descontos.

Qual lei é mais especial?

A corte estadual decidiu pela aplicação do artigo 32-A da Lei do Distrato, que prevê a retenção da cláusula penal e de despesas administrativas em até 10% do valor atualizado do contrato, além de taxa de fruição, comissão de corretagem, tributos e outros encargos.

Como os valores que foram pagos pelo comprador eram módicos, isso abria a hipótese de não haver devolução alguma, o que o TJ-SP entendeu não ser um problema, pois “o limite para tal retenção é exatamente os valores pagos”.

Essa hipótese fere o artigo 53 do CDC, que considera nulas de pleno direito as cláusulas que estabeleçam a perda total das prestações pagas quando o consumidor pedir a resolução do contrato de compra e venda de imóveis.

Foi com base nessa norma que a 2ª Seção do STJ consolidou, em 2021, a jurisprudência segundo a qual o padrão-base da retenção pela construtora é entre 10% e 25% dos valores já pagos.

O tema dividiu a 3ª Turma da corte superior, que precisou se debruçar sobre o aparente conflito entre duas normas especiais. Prevaleceu a posição da relatora, ministra Nancy Andrighi, acompanhada pela ministra Daniela Teixeira e pelo ministro Humberto Martins.

Retenção de 25% para tudo

Para Nancy, o CDC deve prevalecer porque é mais especial do que a Lei do Distrato. Enquanto esta regulamenta todos os contratos de compra e venda no âmbito da incorporação imobiliária, o código consumerista vai além e aborda aqueles com relação de consumo.

Para a relatora, embora o artigo 53 do CDC anule a cláusula que leva à perda total dos valores pagos pelo comprador, também não se deve admitir a retenção de percentuais elevados, pois a meta é evitar o enriquecimento sem causa do vendedor.

“Os descontos previstos no artigo 32-A da Lei 6.766/1979 devem ser observados como regra geral. Todavia, quando se tratar de relação de consumo, a soma dos descontos deve respeitar o limite máximo de retenção de 25% dos valores pagos, sob pena de redução”, resumiu Nancy.

O voto dela ainda excluiu dessa conta os valores referentes à taxa de fruição. Conforme a Lei do Distrato, ela pode corresponder a até 0,75% do valor atualizado do contrato. Trata-se de encargo que remunera o vendedor pelo tempo em que o comprador fez uso do bem. No caso dos autos, ela não tem incidência porque o imóvel comprado era um lote sem qualquer construção.

Vozes dissonantes

Ficaram vencidos os ministros Ricardo Villas Bôas Cueva e Moura Ribeiro, que apresentaram linhas diferentes de voto divergente.

O primeiro entendeu que a Lei do Distrato é que deveria ser considerada especial em relação ao Código de Defesa do Consumidor. Assim, votou por negar provimento ao recurso especial e manter os descontos como previstos em lei, ou seja, sem limitação.

Segundo Cueva, as duas leis caminham no mesmo sentido: o da proteção dos direitos do consumidor, da segurança jurídica e da vedação ao enriquecimento ilícito, o que proporciona equilíbrio, previsibilidade e estabilidade ao mercado imobiliário.

Em sua análise, não se pode considerar abusiva a cláusula penal que prevê a retenção de 10% dos valores atualizados do contrato, se essa é a expressa previsão em lei. Isso implicaria simplesmente ignorar o artigo 32-A da Lei do Distrato.

Terceira via

Já Moura Ribeiro entendeu que, de todas as retenções previstas no artigo 32-A da Lei do Distrato, apenas a referente à cláusula penal deve se submeter à norma do artigo 53 do CDC e, com isso, ser limitada judicialmente.

“Com relação aos descontos previstos nos demais incisos do art. 32-A, não soou razoável, com a devida vênia, impor algum tipo de limitação, sob pena de se viabilizar graves prejuízos para o vendedor.”


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