Construção civil avança na medição da pegada de carbono

em O Globo / Umsoplaneta, 3/agosto

CECarbon, ferramenta do SindusCon-SP, já contabiliza cerca de 100 inventários e passa a influenciar políticas públicas. Construção civil é responsável por 32% do consumo de energia global e por 34% das emissões mundiais de CO2.

A indústria da construção civil começa a dar passos mais concretos na medição e redução de sua pegada de carbono. Embora temas como reúso de água e eficiência energética sejam mais comuns no setor, o carbono ainda enfrenta obstáculos — entre eles, a dificuldade de medir emissões em uma cadeia produtiva complexa e fragmentada. O setor é responsável por 32% do consumo de energia global e por 34% das emissões mundiais de dióxido de carbono (CO₂), mas ainda enfrenta obstáculos para avançar na descarbonização.

“Com acesso a dados, fica mais fácil pensar em soluções”, diz Francisco Antunes de Vasconcellos Neto, vice-presidente de Meio Ambiente do SindusCon-SP.

Para enfrentar essa lacuna, o sindicato lançou em 2020 a CECarbon, ferramenta que calcula emissões de gases de efeito estufa e energia embutida nas obras. Desde então, o número de acessos à plataforma cresceu 84% e os usuários aumentaram 52% em relação a 2023.

A ferramenta cobre desde a extração de materiais até o canteiro de obras. Embora não contabilize a fase de uso ou fim da vida útil da edificação, já serve como base para cerca de 100 inventários no setor. Segundo Vasconcellos Neto, 97% das emissões vêm dos insumos utilizados, como aço e cimento. “Eu consigo atuar em 3% do problema. Para o restante, eu preciso dos meus fornecedores.”

A CECarbon já passou por duas atualizações e terá nova versão com integração a softwares de orçamento e BIM. A KPMG fará auditoria externa dos dados, e um curso gratuito foi criado para capacitar os profissionais.

A conformidade dos inventários com a legislação vigente e com as normas de divulgação de sustentabilidade é uma das principais demandas das empresas usuárias da CECarbon. “Dessa forma, as empresas podem utilizar os relatórios gerados pela CECarbon em seus materiais próprios de divulgação dos planos de descarbonização”, aponta Lilian Sarrouf, coordenadora técnica do Comasp e superintendente do Comitê Brasileiro da Construção Civil da Associação Brasileira de Normas Técnicas (CB-002/ABNT).

Para garantir mais qualidade e confiabilidade, a KPMG foi contratada como auditoria externa dos dados da ferramenta e a plataforma está hospedada em nuvem com segurança criptografada. Para facilitar o uso, o Comasp criou um curso on-line gratuito de capacitação.

“Não queremos que seja uma ferramenta apenas para associados do SindusCon-SP. Mas sim para dar assistência a qualquer construtora e contribuir para o desenvolvimento de políticas públicas”, reforça Vasconcellos Neto.

Pensando nisso, o SindusCon-SP tem apresentado a CECarbon a prefeituras e recebeu até uma demanda de uma cidade argentina. Campinas, no interior paulista, foi a primeira cidade a adotar e incluir no Plano Local de Ação Climática. Na assinatura da parceria, em maio, a secretária de Urbanismo de Campinas, Carolina Baracat, afirmou que o objetivo é usar o monitoramento das obras para identificar materiais sustentáveis, reduzir a poluição e criar métricas, regras e incentivos para as construtoras locais. O uso da ferramenta ainda não é obrigatório.

Um dos próximos passos para o CECarbon é atualizar a base de dados de emissões para refletir com mais precisão a realidade brasileira. A Saint-Gobain, multinacional francesa dona de marcas como Quartzolit e Brasilit, participa como parceira e colaboradora técnica, integrando suas Declarações Ambientais de Produto (EPDs) à ferramenta.

“Ao padronizar premissas e consolidar informações entre diferentes agentes do setor, a CECarbon abre caminho para a criação de indicadores nacionais de referência”, aponta Dimitri Nogueira, Diretor de P&D e Inovação da Saint-Gobain para a América Latina. “Quanto mais fabricantes divulgarem suas DAPs, mais precisa e estratégica se torna a plataforma, oferecendo mais precisão nos cálculos e reforçando a importância da transparência e da colaboração para acelerar a descarbonização do setor”, acrescenta.

Comparando a realidade brasileira com a europeia, há uma diferença significativa da pegada de carbono de uma obra: enquanto, no Brasil, as emissões de uma obra giram em torno de 220 quilos de dióxido de carbono (CO₂) por metro quadrado de construção, na Europa este número sobe para 250 kgCO₂/m². A diferença se deve, principalmente, à matriz energética mais limpa do Brasil, o que reduz a pegada de carbono da indústria. “A discussão global de redução de 30% das emissões até 2030 precisa ser revista aqui, porque hoje já emitimos bem menos”, completa Vasconcellos Neto.

Outra iniciativa em desenvolvimento e que deve ser lançada até o fim do ano é a CEHídrica, ferramenta para calcular a pegada hídrica de edificações, apresentada pelo Comasp em maio, no evento de comemoração dos 25 anos do comitê. “Essa iniciativa busca promover a padronização e definição de métricas, contribuindo para a gestão climática no setor”, afirma Sarrouf. O banco de dados inclui 54 materiais.

Além de orientar decisões de projeto e escolha de materiais com foco na redução do impacto hídrico, a CEHídrica pode ser usada na elaboração de inventários considerando uma vida útil de 50 anos da edificação.


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