Gestão de Resíduos e Economia Circular: novas dinâmicas e impactos no mercado imobiliário
em Estadão / Neomundo, 4/novembro
O modelo tradicional de produção linear (extrair, transformar, descartar), que se consolidou a partir da Revolução Industrial, tem revelado crescentes fragilidades produtivas e impactos ambientais insustentáveis — inclusive no setor imobiliário. A discussão global sobre a redução da geração de resíduos e o incentivo à economia circular vem ganhando espaço, com foco em reúso, reciclagem e reaproveitamento de produtos e materiais descartados, como estratégia para enfrentar os desafios climáticos.
Com a aproximação da COP30, novas discussões tendem a reforçar a economia circular como vetor de transição e competitividade. Para o mercado imobiliário, a combinação dos princípios da economia circular e da gestão eficiente de resíduos representa uma oportunidade estratégica.
Mas, afinal, o que é economia circular?
A economia circular é um modelo que busca criar sistemas produtivos em que os recursos — especialmente os naturais — sejam aproveitados ao máximo por meio da reutilização e da reciclagem, diminuindo desperdícios e resíduos ao mínimo. O principal objetivo é transformar resíduos em insumos ou matéria-prima, promovendo a otimização do uso de recursos desde a concepção dos produtos até sua disposição final, criando um ciclo produtivo mais sustentável.
Entre as práticas adotadas nesse modelo estão a reutilização de materiais, o design voltado para longa duração, o desenvolvimento de embalagens e materiais biodegradáveis, além da recuperação de recursos nas etapas de produção, distribuição e consumo.
Apesar dos avanços, o relatório The Circularity Gap Report (2019) indicou que apenas 9% da economia global adota práticas circulares. Isso significa que menos de 10% dos 92,8 bilhões de toneladas de minerais, combustíveis fósseis, metais e biomassa consumidos anualmente são reutilizados.
Como o mercado imobiliário pode contribuir com a economia circular?
Para o setor imobiliário, a adoção de práticas que priorizem a reutilização de materiais, a reciclagem e o design sustentável desde a concepção dos empreendimentos traz contribuições importantes. Entre elas estão a redução significativa do desperdício de materiais e rejeitos, a diminuição dos impactos ambientais e a agregação de valor aos ativos, já que tais práticas atendem às crescentes demandas regulatórias e de mercado por sustentabilidade.
A aplicação desses conceitos contribui ativamente para o surgimento de empreendimentos cada vez mais alinhados às melhores práticas do mercado relativas à sustentabilidade. Na prática, isso se manifesta na escolha de materiais de construção reciclados ou recicláveis, na implementação de sistemas de gestão de resíduos sólidos em canteiros de obras e no desenvolvimento de projetos arquitetônicos que favoreçam a durabilidade e a adaptabilidade dos imóveis.
Para incorporadoras, investidores e demais agentes do setor, integrar a economia circular e a gestão de resíduos aos projetos imobiliários significa, além de atender exigências legais e regulatórias, diferenciar-se no mercado, reduzir custos operacionais e mitigar riscos ambientais e reputacionais. A implementação de medidas ESG agrega cada vez mais valor ao produto do mercado imobiliário.
A circularidade, integrada ao licenciamento ambiental, é percebida como um diferencial positivo por comunidades, órgãos ambientais e investidores. Adotar essa prática demonstra compromisso com a sustentabilidade, a redução de impactos e a inovação na gestão ambiental.
Sob o ponto de vista jurídico, estipular de forma clara, nos contratos, responsabilidades e incentivos é fundamental, devido às características do desenvolvimento de empreendimentos imobiliários, que frequentemente envolvem contratação de construtoras especializadas, terceirizações e subcontratações.
Contratos de EPC/empreitada, fornecimento, locação e facilities podem prever metas mínimas de desvio de aterro por classe de resíduo, obrigações de segregação na fonte, comprovação documental de destinação e logística reversa, quando aplicável, além de cláusulas de rastreabilidade, auditoria, penalidades por descumprimento, seguros e garantias para cobrir sanções e contingências ambientais.
A avaliação prévia de passivos ambientais relativos à gestão de resíduos e a realização de auditorias ambientais também são práticas recomendadas para mitigar riscos jurídicos e financeiros em operações imobiliárias. A ausência de diligência pode implicar responsabilização do adquirente, mesmo que este não tenha contribuído diretamente para a contaminação decorrente do mau gerenciamento dos resíduos sólidos ou do descarte inadequado.
Sob a ótica econômico-financeira, empreendimentos que internalizam circularidade e gestão eficiente de resíduos tendem a apresentar menores custos operacionais, melhor desempenho em certificações ambientais e maior resiliência regulatória — fatores que influenciam positivamente cap rates, liquidez e taxa de ocupação.
No que diz respeito ao financiamento, metas objetivas de desvio de aterro, conteúdo reciclado e redução de resíduos podem embasar instrumentos rotulados e operações com metas de sustentabilidade, com covenants de desempenho e monitoramento externo. Isso contribuirá para fortalecer a narrativa de transição para um modelo mais sustentável e facilitar o acesso a capital.
Para incorporar a economia circular à dinâmica de sua atividade e torná-la um fator de competitividade, também é essencial que os agentes do mercado imobiliário estejam atentos e priorizem aspectos como o diagnóstico regulatório e contratual por ativo e obra, a integração da circularidade à comunicação de práticas ESG e a avaliação de certificações e incentivos aplicáveis. Além disso, mecanismos contratuais serão determinantes para garantir a sustentabilidade do projeto ou empreendimento.
Com a adoção dessas medidas, o setor poderá se posicionar da melhor forma para capturar valor, assegurar conformidade legal e fortalecer a resiliência dos ativos imobiliários em um ambiente regulatório e de mercado cada vez mais exigente.
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Por Guilherme Alcântara Nunes*, Daniel Coelho Souza*, Aline Barreto Philodemos* e Helena Ximenes Spinelli*, especial para Neo Mondo