Mercado imobiliário preocupado com a manutenção da taxa Selic

em O Dia / Panorama Imobiliário, 10/novembro

Para entidades e especialistas, juros de 15% ao ano poderão comprometer os lançamentos e a geração de empregos.

Entidades e especialistas do mercado imobiliário e da construção civil estão preocupados com a manutenção da Selic (taxa básica de juros), que permaneceu em 15% ao ano pela terceira reunião consecutiva do Copom (Comitê de Política Monetária) do Banco Central. A Abrainc (Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias) lembra que o atual nível mantém o país com o segundo maior juro real do mundo e aprofunda os sinais de desaceleração já perceptíveis na economia.

Em nota, a Abrainc reforça a necessidade de avançar em reformas estruturais voltadas ao controle dos gastos públicos, criando as condições para uma redução sustentável das taxas de juros. Diz ainda que isso é essencial para construir um ambiente econômico mais equilibrado, que estimule o investimento produtivo, a geração de empregos e o acesso à moradia digna. Para se ter ideia, estudo da associação afirma que, nos últimos cinco anos, o aumento das taxas retirou cerca de 800 mil famílias do mercado de crédito para aquisição de imóveis de R$ 500 mil, um recuo de 50% no público elegível. De acordo com a Abrainc, cada ponto percentual de aumento nas taxas elimina, em média, 160 mil famílias do financiamento.

A CBIC (Câmara Brasileira da Indústria da Construção) observa que, embora a decisão do Copom seja pela persistência da inflação de serviços e pela necessidade de ancorar expectativas, o prolongamento da taxa básica de juros em patamar elevado ameaça frear investimentos na construção, comprometendo novos lançamentos imobiliários e a geração de empregos. “A construção é um dos setores mais sensíveis ao custo do crédito e à confiança do consumidor. Uma Selic de 15% por um ciclo longo traz desafios, porque o setor depende de financiamento de longo prazo e esse custo torna muitos projetos inviáveis”, diz Renato Correia, presidente da CBIC.

No final de outubro, a CBIC revisou de 2,3% para 1,3% a projeção de crescimento do setor para este ano. A retificação reflete os efeitos do ciclo prolongado da Selic, que tem limitado o ritmo das atividades da construção. Vale lembrar que o PIB (Produto Interno Bruto) do segmento recuou 0,6% no primeiro trimestre e 0,2% no segundo, na comparação com os períodos anteriores. “O setor da construção gera emprego e renda. Manter os juros nesse nível por muito tempo é apostar numa desaceleração prolongada da economia real”, analisa Correia.

Aloísio Mendes Filho, presidente do Seconci-Rio (Serviço Social da Indústria da Construção do Rio de Janeiro), complementa que programas habitacionais e projetos de infraestrutura, que dependem fortemente de linhas de crédito e parcerias público-privadas, acabam sendo adiados ou redimensionados. “Além disso, o impacto dos juros altos não se limita ao investimento, pois ele repercute em toda a cadeia produtiva, reduzindo o ritmo das obras, aumentando o custo de capital de giro e comprometendo a sustentabilidade de pequenas e médias construtoras. Nesse processo, é fundamental, também, que haja redução do déficit público, algo que impacta diretamente na economia", pondera Filho.

Para Claudio Hermolin, presidente do Sinduscon-Rio (Sindicato da Indústria da Construção Civil no Estado do Rio de Janeiro), a decisão impacta diretamente o mercado imobiliário sob dois aspectos. “A taxa alta faz com que o financiamento de novos projetos se mantenha em níveis altos, diminuindo a atratividade dos investimentos no mercado imobiliário. O outro impacto está na ponta oposta: no cliente que, na maioria das vezes, utiliza o crédito imobiliário com a taxa a 15%. Ou seja, impacta tanto o lado das incorporadoras que atrasam ou, de alguma forma, desistem de realizar os seus projetos, quanto o comprador que irá buscar crédito imobiliário para realizar o tão sonhado desejo de comprar a casa própria”, observa Hermolin.

Portabilidade de crédito no futuro

João Eduardo Corrêa, presidente do Creci-RJ (Conselho Regional de Corretores de Imóveis), avalia que a decisão é, na prática, o retrato de um freio prolongado na economia brasileira, especialmente no crédito de longo prazo, que é a base do financiamento imobiliário. “Quem está na ponta, como nós corretores, sente o impacto direto: famílias adiando planos, financiamentos mais caros e dificuldade crescente para transformar o sonho da casa própria em realidade”, afirma Corrêa.

Ainda assim, de acordo com ele, o mercado imobiliário mostra uma força admirável, pois é um setor que não para. “Mesmo com juros altos, continuamos vendo movimento, negociação e criatividade. O brasileiro não desiste do sonho de ter seu lar e nós, profissionais do mercado, seguimos orientando os nossos clientes com transparência, buscando alternativas e lembrando que, no futuro, a portabilidade de crédito pode ser uma oportunidade para melhorar as condições contratadas hoje”, recomenda o presidente do Creci-RJ. Corrêa espera que o país consiga avançar no controle da inflação e, junto com isso, permitir uma redução gradual da Selic. “Juros mais equilibrados não são apenas uma questão técnica: são um gesto de sensibilidade social. Representam mais moradia, mais emprego, mais renda e mais dignidade para milhões de brasileiros. Precisamos de uma política econômica que olhe para as pessoas e não apenas para os indicadores. O mercado imobiliário sempre foi e continuará sendo um motor de desenvolvimento, basta o Brasil permitir que ele volte a acelerar”, ressalta Corrêa.

Marco Adnet, Sócio da Konek Transformação Imobiliária, lembra que esse patamar de 15% ao ano esfria novos investimentos e redireciona a liquidez para títulos públicos e privados de baixo risco. Segundo o executivo, a manutenção dos juros elevados adia decisões estratégicas e posterga alguns lançamentos que poderiam impulsionar mais o setor. “Ainda assim, as vendas seguem surpreendentemente fortes, puxando novos investimentos. Produtos compactos e empreendimentos de alto padrão continuam atraindo investidores e compradores com liquidez, em busca de diversificação e proteção patrimonial”, conta Adnet.

Na opinião dele, mesmo que a renda imediata desses ativos fique abaixo da taxa básica, o potencial de valorização futura continua alto, especialmente quando os juros começarem a cair, algo esperado para o primeiro trimestre de 2026. “Quando isso acontecer, a gangorra tende a virar com mais demanda, mais lançamentos e mais valorização acelerada dos ativos imobiliários. O cenário é claro: juros seguram investimentos, mas a resiliência das vendas mostra que o setor segue firme, à espera do próximo ciclo de crescimento”, finaliza Adnet.


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