Novos ‘distritos de luxo’ mudam a vida na capital

em Valor Econômico, 9/maio

Grandes projetos ancorados em hotelaria cinco estrelas, varejo, prédios corporativos e até aeroporto criam centralidades urbanas que deverão transformar a cidade de São Paulo nos próximos anos.

Um trecho quase esquecido em Pinheiros, na Zona Oeste de São Paulo, vem se tornando um dos mais visados pelo mercado imobiliário paulistano. Localizado entre as avenidas Eusébio Matoso e Faria Lima, do lado oposto a um dos shopping centers mais tradicionais da capital paulista — o Eldorado — e próximo ao Largo da Batata, o lugar entrou no mapa do setor graças à chegada de um grande empreendimento de uso misto, ainda em construção, que combinará apartamentos de altíssimo padrão, suítes de hotel cinco estrelas, restaurantes e um centro cultural em terrenos distintos, criando uma espécie de “distrito de luxo” dentro do bairro.

O fenômeno tem se repetido em todas as demais regiões da cidade, evidenciando uma tendência que deverá transformar não apenas a paisagem urbana, mas a própria dinâmica da vida em São Paulo nos próximos anos. Novas centralidades oferecem um ecossistema completo de moradia, trabalho e lazer, reduzindo a demanda por mobilidade, elevando a qualidade de vida e valorizando bairros.

O agente da mudança na Zona Oeste é o empreendimento Faena São Paulo, da Incorporadora Even, em parceria com o grupo hoteleiro Faena, fundado em Buenos Aires, Argentina. O projeto inclui duas torres residenciais com 70 unidades, suítes do hotel, restaurante Los Fuegos (do chef argentino Francis Mallmann) e um “art center” com casa de espetáculos, galeria de arte, espaço de eventos, café e restaurante.

“Criar um distrito que transformasse o bairro todo foi uma das condições da empresa parceira para entrar no projeto”, conta João Paulo Laffront, diretor de Incorporação da Even.

Previsto para ficar pronto apenas em 2029, o projeto já vem promovendo mudanças no comércio do entorno. “Vimos chegar uma primeira onda de novas lojas depois do anúncio do empreendimento. Uma outra safra de estabelecimentos deve surgir com as torres já mais consolidadas. O bairro terá sua transformação acelerada: o que aconteceria em dez anos será visto em apenas dois”, acredita o executivo.

Quem também aposta na mudança da dinâmica econômica e de mobilidade na cidade é Fabio Aurichio, sóciodiretor da Acia Arquitetos, escritório responsável pelo retrofit do shopping Market Place, na Zona Sul.

O local pertence ao Grupo Iguatemi S.A. e manterá a operação de varejo — enriquecida com marcas de luxo —, passando por uma reforma completa do espaço atual. O edifício corporativo também será refeito e ganhará a companhia de uma nova torre residencial, voltada ao modelo de locação de “long stay”.

“Vamos derrubar os muros, abrir as fachadas da Avenida Chucri Zaidan e da Marginal Pinheiros para a cidade, criar novos acessos e uma fruição pública pelo térreo, que vai conectar a estação de trem da Linha 9-Morumbi, vizinha ao empreendimento, até a Chucri. Além da economia de tempo, as pessoas terão acesso a lojas, cafés e restaurantes no trajeto”, detalha Aurichio.

Para o diretor, o futuro “distrito Iguatemi”, que deve ser entregue em 2028, fomentará a discussão sobre como empreendimentos privados podem dialogar com os espaços públicos. “É uma oportunidade de levar até as pessoas a ideia de integração com a cidade e de como isso pode transformar a vida no entorno”, afirma.

Mudança real

A Porte Engenharia e Urbanismo foi pioneira em trazer o conceito de distrito para a capital paulista. No Tatuapé, na Zona Leste da cidade, entregou, em 2019, o Geon 652: primeiro de seis projetos que formam o polo, com escritórios e lojas.

Em 2022, foram inaugurados o Crona 665, o primeiro com lajes corporativas da região, e o Platina 220, prédio mais alto da capital, com 172 metros de altura. No ano passado, foi a vez de o Almagah 227, de uso misto, abrir as portas. Faltam ainda o Metria 624, também multiúso, e o Urman São Paulo, exclusivamente dedicado ao lazer.

“Nossos prédios comerciais e corporativos têm registrado alta ocupação, assim como os residenciais. Atualmente, cerca de 15 mil pessoas já circulam pelo Eixo Platina todos os dias, mudando totalmente a dinâmica de quem vive e frequenta o bairro”, diz Igor Melro, diretor Comercial da Porte.

Melro destaca que a opção por desenvolver um ecossistema imobiliário integrado teve motivação de propósito e econômica. “Poderíamos ter feito projetos únicos, mas acreditamos ser possível fazer algo genuíno, com impacto urbano positivo e rentável ao mesmo tempo. Uma nova centralidade qualifica o bairro e gera valor, o que é bom para os negócios”, avalia.

Para Thomaz Assumpção, CEO da Urban Systems Brasil, empresa especializada em análise de risco de negócios imobiliários, o fenômeno dos distritos é irreversível. “É uma tendência mundial essa de pensar a cidade para as pessoas, não para os carros. Um novo modelo que ganhou ainda mais força com a pandemia, quando todos perceberam que não viviam tão bem dentro das áreas urbanas”, diz.

Segundo ele, países europeus têm adotado com frequência o conceito de “cidade de 15 minutos”, criado pelo arquiteto e urbanista colombiano Carlos Moreno, em que a pessoa pode morar, trabalhar e atender suas necessidades essenciais em um curto raio de distância.

Assumpção cita ainda projetos na Zona Norte, como o Cidade Center Norte — que terá prédios residenciais no estacionamento de um shopping center — e a reformulação imobiliária do entorno do Campo de Marte, pista de pouso para jatos privados e helicópteros, que é administrada pela Pax Aeroportos, subsidiária da XP Investimentos.

“Esses novos distritos contribuirão para reduzir o deslocamento pendular casa-trabalho, retendo as pessoas nas regiões onde vivem e ofertando serviços e qualidade de vida. Isso será extremamente benéfico para a cidade”, avalia.


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