O calor é agora: a urgência do retrofit climático nas cidades

em Jovem Pan, 4/outubro

Com o aumento permanente das temperaturas urbanas, imóveis despreparados diante do calor extremo começam a se desvalorizar. Casas sem isolamento, prédios que funcionam como fornos, contas de luz infladas já influenciam decisões de compra, locação e investimento. A modernização energética, processo de adaptar edificações antigas ao novo regime térmico, deixou de ser pauta técnica, convertendo-se em critério de valorização patrimonial. Ignorar essa transformação não é apenas um risco social: é um mau negócio.

Enquanto novas construções seguem padrões atualizados — incluindo ventilação cruzada, fachadas inteligentes e materiais térmicos —, a maior parte do estoque habitacional brasileiro permanece hermético, mal ventilado e incapaz de suportar dias quentes. A Organização Meteorológica Mundial prevê que o verão de 2026 poderá ser o mais quente já registrado. Essa notícia circula em ambientes climatizados, mas seu impacto real será sentido onde o ar-condicionado não chega: dentro das casas mais vulneráveis. O calor extremo deixa de ser desconforto, transformando-se em fator de risco sanitário e marcador de desigualdade.

Nas periferias, a situação é particularmente crítica. Autoconstruções sem isolamento adequado aprisionam calor, obrigando famílias a usar ventiladores ineficientes que elevam a conta de energia e comprometem o orçamento doméstico. São justamente as populações que menos contribuíram para a crise climática as mais expostas aos seus efeitos.

O Brasil dispõe de base legal capaz de enfrentar esse desafio. A Lei 10.295/2001 estabeleceu diretrizes de eficiência energética, e a Resolução CGIEE nº 4/2025 consolidou essa política ao tornar obrigatórias normas técnicas que regem novas construções. Contudo, a regulação sozinha não basta. O grande desafio está no imenso patrimônio construído existente, que permanece fora do alcance das novas normas e consome energia excessiva como forma de compensar sua ineficiência.

É nesse contexto que a modernização energética surge como caminho estratégico. Intervenções como telhados frios, janelas eficientes, isolamento térmico e sistemas solares de aquecimento podem transformar construções antigas em ambientes confortáveis e economicamente viáveis.

Essa transformação exige políticas públicas robustas e cooperação entre Estado e iniciativa privada. Programas de modernização energética acessíveis, crédito a juros baixos e assistência técnica voltada a famílias de baixa renda são medidas urgentes. Empresas de energia também devem assumir corresponsabilidade, investindo em eficiência e requalificação, não apenas na expansão da oferta.

Da mesma forma, soluções baseadas na natureza que integram áreas verdes e corpos d’água, funcionam como reguladores térmicos eficazes e sustentáveis, complementando as intervenções tecnológicas. O verão de 2026 será um teste decisivo. Requalificar o que já está construído é tão essencial quanto erguer novas construções. Só assim nossas casas deixarão de ser armadilhas térmicas, convertendo-se em espaços de vida digna em um planeta em aquecimento.


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