O que BC e bancos discutem para reforçar ‘funding’ do crédito imobiliário

em Valor Econômico, 12/junho

Debate é provocado por tendência estrutural de saques da poupança; na mesa, estão medidas como securitização de carteiras e revisão do compulsório.

O Banco Central (BC) e as instituições financeiras têm na mesa diversas possibilidades para ampliar o “funding” para o financiamento imobiliário. As medidas discutidas vão desde a securitização das carteiras até uma revisão dos depósitos compulsórios sobre a poupança, apurou o Valor.

O objetivo é driblar a tendência de queda estrutural do saldo da caderneta, que hoje é a principal fonte de recursos para o setor.

Na terça-feira, o presidente do BC, Gabriel Galípolo, afirmou que espera anunciar em breve um novo modelo de financiamento para o setor imobiliário, que funcionará como uma ponte entre o sistema baseado na poupança e as fontes de mercado. Segundo ele, a questão da poupança “impõe ao Banco Central e ao sistema financeiro a busca por alternativas de funding”.

O desenho que o BC gostaria de emplacar passa pelo desenvolvimento de um mercado secundário. As instituições financeiras venderiam pedaços de suas carteiras de crédito imobiliário “empacotados” na forma de certificados de recebíveis imobiliários (CRI). Com isso, abriram espaço em seus balanços para fazer novas operações.

Os bancos, no entanto, consideram a ideia inviável no curto prazo por causa do patamar elevado dos juros no Brasil. Como as taxas previstas nos contratos de crédito imobiliário estão, hoje, abaixo dos juros de mercado, a venda das carteiras para um investidor exigiria um ágio muito grande, afirmam três fontes a par do assunto.

Um desses interlocutores observa que fica ainda mais difícil de a “conta fechar” considerando que a prestação de serviços de cobranças, pós-vendas e administração das carteiras continuaria com os bancos - ou seja, haveria um custo operacional para eles.

Outra fonte diz que o debate é importante para preparar o caminho e planejar a implementação desse mecanismo quando houver um ambiente mais favorável.

A Caixa, líder em crédito imobiliário no país, já disse publicamente que estuda possibilidades de securitização, como a criação de um fundo de investimento em direitos creditórios (FIDC) com recebíveis imobiliários. Mas a vice-presidente de habitação do banco, Inês Magalhães, afirmou que “a discussão sobre mercado secundário fica difícil com juros altos”. Seria, portanto, uma conversa para o longo prazo.

Enquanto isso, as soluções mais imediatas defendidas pelos bancos passam pelos depósitos compulsórios da poupança - o recolhimento obrigatório que têm de fazer no BC de uma parcela sobre o total captado via caderneta.

Uma das propostas é mudar a fórmula do compulsório, ou seja, algo além de uma simples redução do valor a ser depositado, segundo fonte que evitou dar mais detalhes sobre o que está sendo estudado.

A redução do recolhimento também é defendida pelos bancos. No ano passado, a Caixa sugeriu uma diminuição de 5 pontos percentuais na parcela dos depósitos de poupança que tem de ser recolhida no BC, que passaria assim de 20% para 15%.

Há, ainda, um pleito do setor para que as letras de crédito imobiliários (LCI) possam voltar a ter prazo mínimo de três meses - retornando à regra que vigorou até o começo de 2024. Na ocasião, o Conselho Monetário Nacional ampliou o piso para 12 meses, numa tentativa de corrigir distorções no mercado de títulos incentivados. Diante de queixas das construtoras, o prazo mínimo foi revisado para nove meses e, depois, para seis meses, mas as empresas consideram a mudança insuficiente para a atratividade desses papéis.

A discussão sobre a sustentabilidade da poupança já ocorre há alguns anos. Quando a Selic está alta, a poupança perde apelo em relação a outros produtos de investimentos, o que leva a resgates da caderneta. O movimento começou pontual, mas com a popularização do mercado de investimentos, o setor imobiliário se deu conta de que esse é estrutural. Portanto, é preciso buscar outros caminhos para assegurar o crédito.

Nos últimos anos, houve um crescimento das soluções de mercado de capitais - como LCI, CRI e fundos imobiliários -, mas elas são mais caras e ainda insuficientes para compensar a queda nos recursos da poupança.

O aperto tem levado os bancos a direcionar o funding da caderneta para o crédito a pessoas físicas, ou seja, para compra de imóveis. Para as construtoras, têm sido oferecidas linhas com recursos livres ou mercado de capitais.

De acordo com a Abecip, associação das instituições financeiras que atuam no crédito imobiliário, a participação da poupança na estrutura de funding caiu de 39%, em 2022, para 32% no fim do ano passado. O FGTS, destinado à habitação social, ficou estável em 27%, enquanto outras fontes ganharam espaço. A LCI passou de 12% para 17% nesse intervalo. CRI e fundos imobiliários também cresceram.

Em outros momentos, chegou a ser cogitada a possibilidade de mudança do indexador da poupança - da Taxa Referencial (TR) para o IPCA. Roberto Campos Neto falou sobre isso quando estava na presidência do BC. Porém, a ideia está fora de cogitação agora. A argumentação é que a medida poderia gerar ruído e provocar uma fuga ainda maior de recursos da caderneta. Além disso, poderia ser um novo foco de desgaste político para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), cuja popularidade caiu, segundo pesquisas.

Procurado, o BC não havia se manifestado até o fechamento desta edição.


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