Retrofit de imóveis ganha força no Brasil e exige análise jurídica

em Migalhas, 13/agosto

O retrofit é solução urbana sustentável, revitalizando imóveis antigos e bem localizados com menor impacto ambiental e grande potencial de valorização.

Nos grandes centros urbanos, onde o solo escasso e valorizado impõe limites ao crescimento horizontal, o retrofit emerge como uma estratégia sofisticada e sustentável de reposicionamento imobiliário. Em essência, o retrofit vai muito além de uma mera reforma. Trata-se de uma reconfiguração profunda de ativos com valor agregado, mas funcionalmente obsoletos ou subutilizados.

Essa tendência nasceu em mercados como Estados Unidos, Reino Unido e Alemanha, onde a limitação de novas áreas edificáveis, somada a políticas públicas de incentivo à reocupação de áreas centrais, impulsionou o desenvolvimento de edifícios retrofitados com finalidades diversas: residenciais, comerciais, educacionais e até logísticas.

Londres é referência no reaproveitamento de prédios históricos para novos usos, enquanto Berlim e Chicago apostam na transformação de antigas fábricas e escritórios em empreendimentos residenciais modernos e conectados.

Nos últimos anos, o movimento chegou com força ao Brasil (em especial à cidade de São Paulo e do Rio de Janeiro), e se apresenta como solução estratégica diante de diversos fatores: a vacância estrutural de edifícios comerciais antigos, a mudança nos padrões de ocupação corporativa pós-pandemia e a crescente valorização de ativos bem localizados.

O desafio, claro, está no alinhamento técnico-jurídico: a viabilidade do retrofit exige análise minuciosa da legislação urbanística e da regularidade preexistente do imóvel. É preciso entender os limites impostos pelo zoneamento, a compatibilidade com o novo uso desejado (se for o caso) e, assim como qualquer outra aquisição, a sua viabilidade jurídica.

Do ponto de vista legal, o retrofit não é uma figura tipificada em legislação Federal, o que impõe atenção redobrada ao arcabouço municipal - notadamente ao plano diretor, à lei de zoneamento e ao Código de Obras. Também é prudente estruturar a operação com cláusulas contratuais claras, endereçando, tanto quanto possível, riscos de alteração normativa, necessidade de ajustes no projeto, obtenção de alvarás e eventuais exigências de contrapartidas pelo Poder Público.

Outro ponto relevante é a due diligence do imóvel, que deve abranger aspectos estruturais, históricos e jurídicos - como tombamentos, servidões e pendências junto à prefeitura. Sob a ótica econômica, o retrofit é uma alternativa ao "greenfield" que reduz o tempo e os riscos envolvidos em processos longos de licenciamento, zoneamento e aprovação de novos projetos.

A depender do escopo, é possível preservar elementos estruturais e de fachada, o que pode reduzir significativamente o tempo de obra, os custos envolvidos e a necessidade de adequação às exigências urbanísticas atuais - para tanto, auditorias jurídicas e técnicas bem conduzidas são indispensáveis.

Para o investidor institucional ou estratégico, ele permite transformar um ativo estagnado, com baixa liquidez e performance abaixo do mercado, em um produto competitivo. É o que se vê na transformação de lajes corporativas da década de 1970 na cidade de São Paulo, em empreendimentos de self-storage e residenciais com foco em coliving ou short stay, com demanda crescente em áreas como Avenida Paulista, Centro e Pinheiros.

O retrofit também cumpre um papel relevante na requalificação de áreas urbanas subutilizadas, muitas vezes marcadas pela degradação física ou esvaziamento econômico. Ao reaproveitar imóveis existentes em regiões centrais ou historicamente relevantes, esse tipo de intervenção contribui para a reativação do entorno, estimulando novos fluxos comerciais, residenciais e culturais.

Mais do que revitalizar fisicamente um imóvel, o retrofit pode preservar elementos arquitetônicos originais, valorizando a autenticidade cultural e o patrimônio urbano. Essa preservação do estilo, quando bem conduzida, não apenas reforça a identidade local, mas também agrega valor simbólico e mercadológico ao empreendimento, atraindo públicos que valorizam história e estética.

O retrofit carrega, ainda, um componente de sustentabilidade cada vez mais valorizado em decisões de investimento. Reaproveitar estruturas existentes reduz significativamente a geração de resíduos da construção civil, diminui o consumo de matérias-primas e, em muitos casos, evita intervenções agressivas no tecido urbano consolidado, apresentando-se como uma forma concreta de aplicar os princípios da economia circular ao setor imobiliário.

Embora nem todo retrofit seja, por si só, um "projeto verde", ele oferece um caminho mais sustentável em comparação à demolição e reconstrução, sobretudo quando planejado desde o início com critérios técnicos, ambientais e regulatórios bem definidos.

A prefeitura de São Paulo, por exemplo, oferece incentivos fiscais relevantes para projetos de retrofit, como isenção de IPTU por até cinco anos após a conclusão da obra, redução da alíquota de ISS, isenção de ITBI e remissão de débitos antigos de IPTU.

Mais do que uma tendência, o retrofit se apresenta como uma resposta pragmática a desafios estruturais: o envelhecimento da infraestrutura urbana, a mudança nos padrões de demanda e a necessidade de maior eficiência no uso do espaço urbano. Para investidores e desenvolvedores, trata-se de uma oportunidade de gerar valor com menor exposição a riscos regulatórios e ambientais, além de entregar produtos com identidade e localização privilegiada.

Do lado do Poder Público, observa-se um movimento de estímulo à requalificação - como nos casos do Reviver Centro (Rio de Janeiro) e do Requalifica Centro (São Paulo) -, ainda que, na prática, o excesso de burocracia continue sendo um entrave relevante.

O caminho para a massificação do retrofit exige, portanto, não apenas criatividade e visão de negócio por parte do setor privado, mas também modernização regulatória e segurança jurídica por parte do Estado.

Em um cenário no qual novas fronteiras urbanas são cada vez mais difíceis de conquistar, o retrofit se mostra como uma estratégia de ganha-ganha para todos envolvidos - investidores, desenvolvedores, cidades e usuários.


Ver online: Migalhas