Mega terreno desapropriado em frente à Escadaria Selarón é ‘desafio’ para construtoras, mas especialistas falam que há demanda

em Diário do Rio, 9/outubro

Prefeitura aposta em projeto voltado ao short stay, mas construtora reclama de uma suposta "falta de incentivos" e veem "risco" em investir na Lapa, mas especialista discorda, citando grande potencial da região e alto preço de metro quadrado de venda dos imóveis menores.

O imenso terreno murado que ocupa as ruas Teotônio Regadas e Joaquim Silva, colado à Escadaria Selarón, na Lapa, será destaque num leilão público da Prefeitura do Rio, que será realizado ainda este ano. O espaço de mais de 4 mil metros quadrados foi marcado para ser desapropriado em agosto, e está destinado à construção de um edifício residencial com fachada ativa, conforme determina o novo Plano Diretor. Trata-se do instrumento de desapropriação por hasta pública: ou seja, irá a leilão, e se não for vendido, retorna ao seu dono, que explora no local um estacionamento. A notícia da desapropriação foi divulgada em primeira mão pelo DIÁRIO DO RIO.

Por estar próximo a áreas tombadas, o projeto precisará respeitar algumas restrições específicas de gabarito, porém fala-se na possibilidade de construção de mais de 14.000m2 de apartamentos e lojas, um volume grande para o Centro. A parte voltada para a Escadaria Selarón não poderá ultrapassar três pavimentos, enquanto os trechos mais afastados poderão chegar a dez, segundo informações do portal Metro Quadrado. A construção na Zona, que é turística e muito movimentada, lotada de bares e restaurantes, deverá seguir as normas do Instituto Rio Patrimônio da Humanidade (IRPH), responsável por aprovar o projeto arquitetônico e garantir a integração com o entorno, sendo que a escadaria decorada com os azulejos pelo artista chileno Jorge Selaron atrai milhares de turistas diariamente, sendo o terceiro monumento mais visitado de toda a cidade.

Apesar de o terreno ser considerado um dos últimos “limpos” da Lapa, ou seja, um lote vazio, sem necessidade de demolição ou retrofit, construtoras têm mostrado cautela, segundo o portal. Trata-se de um dos maiores terrenos disponíveis do Centro da Cidade, e numa região com enorme potencial e muita demanda de moradias, junto à boemia e a restaurantes icônicos como o Ernesto, o Ximeninho, o Gohan e a Adega Flor de Coimbra. O imóvel, que por anos funcionou como estacionamento e chegou a ser anunciado por mais de R$ 50 milhões, é visto como um grande investimento em um bairro cuja dinâmica imobiliária pode ser considerada um pouco diferente do resto do Centro, apesar do sucesso estrondoso das vendas do retrofit do prédio da Mesbla, a poucos metros dali, vendido totalmente em menos de um dia.

A Prefeitura acredita que o espaço possa atrair investidores interessados em empreendimentos voltados ao short stay, modelo de hospedagem de curta duração impulsionado por plataformas como Airbnb. A proposta é que o futuro edifício sirva de âncora para a reativação econômica e cultural da região, que abriga o terceiro ponto turístico mais visitado da cidade (a escadaria), atrás apenas do Corcovado e do Pão de Açúcar. A região atrai também interessados em história e cultura – é vizinho à Sala Cecília Meirelles, com seus concertos sempre lotados e à escola de música da UFRJ – mas sofre influência dos imóveis invadidos e abandonados na Travessa do Mosqueira, e o antigo Asa Branca, que, como pertence ao Estado do Rio de Janeiro, se encontra abandonado, caindo aos pedaços. A proximidade do Passeio Público é uma coisa que pode se tornar vantajosa, caso a Prefeitura tome alguma providência pra acabar com o abandono do bonito parque, um dos pulmões do Centto.

Ainda assim, o otimismo do Executivo não seria unânime entre as incorporadoras. Algumas destacam a falta de incentivos urbanísticos semelhantes aos aplicados em áreas como o Porto Maravilha ou a Zona Sul. “O foco da Prefeitura hoje está na ligação do Porto com São Cristóvão. A Lapa acabou ficando um pouco de lado”, avaliou Luiz Eduardo Michaeli, sócio da gestora e incorporadora Axor, ao portal Metro Quadrado. O empresário Cláudio André de Castro, da Sergio Castro Imóveis, maior corretora da região, elogia o local: “A localização é brilhante e a demanda é imensa. Temos sobradinhos muito bem alugados no entorno, que é turístico, e além de ser um sucesso comercialmente, temos enorme procura de compra de imóveis novos na Lapa, onde isso ainda é uma raridade. Claro que a vergonhosa gestão dos imóveis do Governo do Estado no entorno e a bagunça generalizada na gestão da camelotagem ilegal são problemas, mas o bom expulsa o ruim, e um empreendimento neste terreno tem um imenso potencial de transformação urbana“, explica.

Segundo ele, o modelo de apartamentos compactos é o que mais faz sentido para a área, pelo perfil turístico e vibrante do entorno. “O estrangeiro enxerga valor nisso. É um produto de investimento natural”, afirmou. Ainda assim, Michaeli pondera que o volume de unidades e o esforço de venda exigido podem afastar incorporadoras menores, especialmente se as condições do edital não forem competitivas.

O último lançamento residencial de grande porte na Lapa ocorreu em 2016. Antes disso, o Cores da Lapa, lançado em 2005 na Rua Riachuelo, foi um fenômeno de vendas: os mais de 600 apartamentos esgotaram em menos de duas horas. A diferença, segundo o Metro Quadrado, seria que aquele empreendimento tinha foco residencial, com unidades voltadas a famílias que desejavam morar na região, perfil distinto do público-alvo do projeto previsto agora. Mas os apartamentos menores são negociados por um valor de metro quadrado muito superior ao dos apartamentos maiores, gerando ganhos bem mais favoráveis para as construtoras, sem contar que após o advento do projeto Reviver Centro, passou-se a conceder contrapartidas a quem investe na região Central.

O terreno, que segundo o portal é de propriedade de uma empresária chinesa, chegou a ser alvo de sondagens de diversas construtoras ao longo dos anos, mas nunca teve uma negociação concluída; segundo informações do mercado obtidas pela reportagem, todavia, os valores pedidos pela dona eram muito superiores à real avaliação do imóvel. A propriedade também já pertenceu a família Marinho.


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