Recém-chegados no mercado, fundos imobiliários multiestratégia vieram para ficar
em Valor Investe, 21/abril
Esses fundos ficaram conhecidos pelo seu mandato flexível, com liberdade de atuação para investir em diferentes classes de ativos ligadas ao mercado imobiliário, desde renda fixa e ações até FIDCs e SPEs.
Os fundos imobiliários multiestratégia, relativamente novos no mercado, estão aos poucos cativando seu espaço dentro da indústria de fundos imobiliários. Nascidos com a promessa de proporcionar maior liberdade à gestão responsável pela escolha dos ativos da carteira, os fundos do tipo “hedge funds”, ou multimercados dos fundos imobiliários, como também são conhecidos, já ultrapassam setores mais tradicionais da classe em número de investidores.
Atualmente, o segmento de galpões logísticos lidera em número de cotistas, com pouco mais de 150 mil investidores ao todo, conforme levantamento feito pelo analista Flávio Pires, do Santander, para o Valor Investe. O setor de shopping center aparece na sequência, com quase 145 mil investidores.
Mesmo com pouco tempo de mercado, os fundos multiestratégia estão no meio do caminho, com 66 mil cotistas, à frente de outros fundos mais antigos na indústria, como os fundos de lajes corporativas (escritórios), com 62 mil, e os fundos de fundos (os FoFs), com 48,5 mil.
O que é um fundo imobiliário multiestratégia?
Os fundos multiestratégia são conhecidos pelo seu mandato flexível, com liberdade de atuação para investir em diversas classes de ativos ligadas ao mercado imobiliário, como ações, imóveis, Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs) e até Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDCs) e Sociedades de Propósito Específico (SPEs).
“A beleza do fundo multiestratégia é justamente se apropriar dos benefícios da diversificação dentro do segmento imobiliário, que tem ciclos longos”, afirma Brunno Bagnariolli, da JiveMauá. “Quando o investidor entra em um fundo desse, ele entrega a chave do carro para a gestora fazer aquilo que o gestor julga melhor”, acrescenta.
A possibilidade de fazer de tudo um pouco, segundo Bagnariolli, permite que o gestor use isso em favor do fundo para aproveitar as melhores oportunidades e navegar nos mais variados cenários. “Têm momentos em que é melhor investir em crédito imobiliário, ou em ativos reais, ou em desenvolvimento, e o fundo multiestratégia chega à indústria para oferecer essa diversificação”, diz.
A proposta dos fundos imobiliários multiestratégia é parecida com a dos fundos multimercado, que, como o próprio nome sugere, investem em diversos mercados sem que o portfólio fique concentrado em uma única classe ou ativo. Em geral, esses fundos costumam reunir em suas carteiras ações, renda fixa, moedas e até derivativos.
Quanto de liberdade é bom?
A liberdade de alocação, embora seja o grande diferencial dos fundos imobiliários multiestratégia, demanda alguns cuidados, o que torna a escolha da gestão ainda mais importante. Como é uma novidade no mercado, os investidores e os especialistas ainda não têm um histórico do segmento, então é preciso acompanhar a evolução da classe para ver as estratégias vencedoras e perdedoras.
“Alguns fundos dizem ser multiestratégia, mas estão mais posicionados em CRIs, outros já estão apostando mais em imóveis. Então, qual é o peso ideal? Ainda não sabemos, pois não existe um padrão de percentual de alocação para esses fundos”, ponderam os analistas Larissa Nappo e Fausto Menezes, do Itaú BBA.
Eles definem o fundo multiestratégia como uma carteira dinâmica, em que o gestor pode fazer alterações quando achar necessário. “É diferente de um fundo só de galpões logísticos, por exemplo, que tem um regulamento exclusivo para investir apenas nesse tipo de ativo”, explicam.
Pires, do Santander, comenta que boa parte dos fundos multiestratégia tem hoje em seus portfólios fatia majoritária alocada em CRIs devido ao potencial de geração de receita recorrente, o que torna a distribuição de dividendos mais perene. O restante da carteira é, portanto, o que de fato diferencia um fundo do outro.
“Alguns têm uma parte focada em imóveis, outros em fundos imobiliários, e alguns recorrem a produtos que o mercado não vê com tanta frequência, como os FIDCs e as SPEs”, diz.
Apesar de pouco conhecidos entre os investidores de varejo, os FIDCs e as SPEs funcionam como entidades que vão ao mercado para captar recursos para financiar construções. São instrumentos bastante tradicionais no ramo imobiliário, mas voltados para investidores qualificados e com investimento inicial bem mais alto.
“São produtos financeiros que a pessoa física não consegue investir por conta própria. Enquanto o FIDC é voltado apenas para investidores qualificados, a SPE requer um capital muito elevado para investir”, explica Pires.
Por serem ativos mais sofisticados e que demandam um acompanhamento mais de perto, o investimento em fundos imobiliários multiestratégia facilita o acesso do investidor pessoa física a esses produtos mais complexos.
Fundos multiestratégia como evolução da "espécie"
Embora com características diferentes, a chegada dos fundos multiestratégia levantou dúvidas sobre o prazo de validade dos Fundos de Fundos (FoFs), cujo mandato permite o investimento em cotas de fundos imobiliários de diferentes setores, garantindo, assim, uma carteira mais diversificada.
No caso do multiestratégia, no entanto, o gestor não precisa restringir a alocação em cotas de fundos imobiliários, ele tem liberdade para investir em uma variedade ainda maior de ativos de diferentes classes, que não necessariamente são fundos, desde que ligados ao mercado imobiliário. Não por acaso, os especialistas ouvidos pelo Valor Investe defendem que os fundos multiestratégia são, na verdade, uma evolução dos fundos de fundos.
“Os fundos multiestratégia nascem de uma mistura de fundos de papel [que investem em papéis do seetor imobiliário, como os CRIs], fundos de tijolo [que investem nos imóveis em si] e também de fundos de fundos [que investem em cotas de outras fundos], que descobriram que não dá para trabalhar só com cotas de fundos”, pondera Bagnariolli. “Alguns FoFs vão continuar existindo, mas acredito que a categoria multiestratégia vai englobar os fundos de fundos”, complementa.
Fernando Crestana e Rui Ruivo, sócios da área imobiliária do BTG Asset Management, afirmam que os fundos de fundos já estão caminhando para o desuso. “Não se criam mais FoFs há muito tempo”, dizem. Eles explicam ainda que, além dos fundos recém-chegados ao mercado já com mandato multiestratégia, existe um movimento natural de incorporação de FoFs.
“Daqui a uns cinco anos, o mercado vai ser predominante em fundo multiestratégia e os fundos de fundos vão ser minoria - isso se ainda tiver algum até lá”.
Em um dos casos mais emblemáticos da indústria até o momento, o BTG Pactual conseguiu aprovar em assembleia a incorporação do BCFF11, maior fundo de fundos do mercado em número de investidores até então, pelo BTHF11, fundo multiestratégia da gestora.
Além de ter sido o maior fundo de fundos em termos de investidores, com cerca de 360 mil, o BCFF11 também foi o precursor do segmento dentro da indústria, lançado há quase 15 anos, quando a classe de fundos imobiliários ainda engatinhava no Brasil.
“No ano passado, de outubro para novembro, nós fizemos a nova roupagem do fundo, uma evolução da estratégia, em que ele deixou de ser um FoF e passou a ser um fundo multiestratégia”, dizem Crestana e Ruivo, gestores do BTHF11.
Nappo e Menezes, do Itaú BBA, também acreditam que, daqui em diante, a chegada de novos fundos de fundos no mercado deve ser algo mais difícil de acontecer, dado que os próximos fundos já devem nascer com mandato multiestratégia.
“De um lado, os fundos de fundos já existentes ficam travados em momentos de baixa do mercado. Por outro, esses fundos, por investirem em cotas de outros fundos, acabam ficando com duplo desconto, então, em um cenário de retomada, são os primeiros a capturar uma recuperação”, afirmam.
Cenário do mercado hoje
Com a dinâmica de alta dos juros, os fundos imobiliários foram bastante penalizados no último ano e também no início de 2025. Para se ter ideia, o Ifix, índice de referência da categoria, chegou a registrar a maior sequência de perdas da história em janeiro. O trimestre foi salvo pelo mês de março, quando a classe esboçou um movimento de recuperação e encerrou o período com valorização de mais de 6%.
De forma geral, a taxa básica de juros, a Selic, em dois dígitos ao ano torna a remuneração da renda fixa bastante atrativa. Em cenários como esse, é comum os investidores saírem dos ativos de risco em direção aos investimentos mais conservadores, como é o caso dos títulos públicos.
Como as cotas dos fundos imobiliários são negociadas em bolsa, muitos investidores se assustam com o sobe-e-desce dos preços em ambientes de alta volatilidade e acabam optando por resgatar o dinheiro investido. Não é por acaso que mais de 90% dos fundos listados no Ifix são negociados com desconto em relação ao valor patrimonial atualmente.
Considerando somente os setores mais tradicionais, os fundos de lajes corporativas apresentam o maior desconto da classe, de 38%, em média. Os fundos de shopping e de galpões logísticos dividem a segunda posição, com desconto médio de 27% cada segmento.
Os fundos multiestratégia, por sua vez, estão entre os fundos com menor desconto da categoria, de 13%. Os fundos de recebíveis imobiliários, também conhecidos como fundos de "papel", e os FoFs aparecem logo na sequência, ambos com desconto de 14%.
Assim como os fundos imobiliários em geral, todos os nove fundos multiestratégia listados no Ifix negociam abaixo do valor patrimonial atualmente, com descontos que variam entre 8% e 19%. O fundo com menor desconto hoje é o Manatí Capital Hedge Fund (MANA11), gerido pela Manatí, enquanto o fundo com maior desconto é o Itaú Total Return (ITRI11), do Itaú.
No saldo do ano até aqui, os fundos multiestratégia apresentam retorno total (preço da cota mais dividendos) médio de 6%, segundo dados do Santander. Em 12 meses, no entanto, acumulam queda de 5,7%. Já o retorno só em dividendos ("dividend yield", na linguagem do mercado) anualizado desses fundos é de 13,6%, em média.
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