Zona Sudoeste: Os impostos vão aumentar? Vai ter outra subprefeitura? Veja um raio X da nova região da cidade e o que muda com sua criação
em O Globo / Barra, 14/setembro
Levantamento feito pela Câmara Municipal revela que área composta por Barra da Tijuca e bairros vizinhos tem desafios em segurança e economia pujante; entenda.
Na última segunda-feira, os moradores da Barra, do Recreio e de outros 19 bairros foram dormir sem saber que tinham deixado de viver na Zona Oeste e passavam a residir na nova Zona Sudoeste da cidade, conforme lei sancionada pelo prefeito Eduardo Paes naquela data e publicada no Diário Oficial do Município no dia seguinte. Mas, afinal, o que muda na vida dos moradores a partir da criação desta região?
A própria prefeitura afirma que não haverá qualquer alteração na rotina de serviços básicos, nem necessidade de medidas administrativas como criação de nova subprefeitura ou instalação de novas placas informativas. Aumento de IPTU e outros impostos, uma das principais preocupações dos moradores, também não está previsto. Destaca que a medida tem por objetivo “melhorar o planejamento de políticas públicas para a região para garantir à população um melhor desenvolvimento econômico e social, além de promover um controle mais eficaz da expansão urbana”.
Além de Barra e Recreio, a nova Zona Sudoeste, com cerca de 200 quilômetros quadrados, compreende Barra Olímpica, Anil, Camorim, Cidade de Deus, Curicica, Freguesia, Gardênia Azul, Grumari, Itanhangá, Jacarepaguá, Joá, Praça Seca, Pechincha, Rio das Pedras, Tanque, Taquara, Vargem Grande, Vargem Pequena e Vila Valqueire, bairros da Área de Planejamento (AP) 4 da cidade. Outros 24 bairros, integrantes da AP5, se mantêm na Zona Oeste. Esta organização, que serve de base para a elaboração da Lei Orçamentária, não muda.
A expectativa de especialistas, moradores e investidores é que o poder público direcione e aplique melhor os recursos em cada uma das áreas que antes compunham a Zona Oeste. Este, aliás, foi um dos argumentos do vereador Dr. Gilberto (Solidariedade), com base eleitoral em Campo Grande, ao apresentar o projeto de lei que levou à criação da Zona Sudoeste. Autor do livro “Barra da Tijuca: o presente do futuro” e antigo defensor de que o bairro está mais para Zona Sul do que para Oeste, inclusive pela geografia, o arquiteto e urbanista Carlos Eduardo Nunes-Ferreira, morador da nova região, é um dos que torcem por isso.
— Este projeto foi feito para se corrigir uma incongruência que reunia bairros com características e até idades de ocupação muito diferentes numa área que representava a maior parte do território do município. Para administrar a cidade, é melhor dividi-la em porções mais parecidas. Todo mundo já usava algum adjetivo para nomear as diferentes regiões, como Zona Oeste “raiz”, por exemplo — destaca ele, chefe do Departamento de Urbanismo e Meio Ambiente da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFRJ. — Se formos otimistas, podemos pensar que haverá mais investimentos na Zona Oeste, onde há mais necessidades. Quando se investe mais nas áreas onde houve menos investimento historicamente, diminui-se a desigualdade. Este foi um dos segredos do sucesso de Medellín (na Colômbia), que reverteu os índices de violência e agora tem a imagem de cidade inovadora.
Vereador organiza estudo
Para analisar a nova dinâmica da cidade, a equipe do vereador Pedro Duarte (Novo), presidente da Comissão de Assuntos Urbanos da Câmara Municipal, comparou a recém-criada Zona Sudoeste à nova Zona Oeste e às demais, a partir da reunião de dezenas de indicadores oficiais.
— É meu papel organizar esses dados, para que as pessoas possam entender como funcionará essa nova divisão da cidade— avalia Pedro, que se posicionou contra a mudança. — Acho que o processo não foi conduzido da melhor forma. Não tem muito estudo sobre quais bairros deveriam entrar, esse é um nome que ninguém usa. Tenho a preocupação de ser uma nomenclatura que não cole. Até por isso não votei a favor. Mas, tendo sido aprovada, fizemos o relatório.
As diferenças econômicas entre os bairros da região subdividida são as mais gritantes no levantamento do vereador. Com população menor (1,2 milhão de habitantes contra 1,8 milhão), a Zona Sudoeste arrecadou R$ 1,7 bilhão de ISS, enquanto a Zona Oeste contribuiu com R$ 260 milhões em 2024. Em relação ao IPTU, a diferença foi de R$ 1,44 bilhão contra R$ 250 milhões. Neste quesito, a nova zona fica à frente da Zona Sul (R$ 1,39 bilhão) como maior arrecadação da cidade, refletindo o crescimento em marcha da região e sua vocação para residenciais e comércio de luxo. Os dados foram obtidos junto à Secretaria municipal de Fazenda.
Mercado imobiliário
Presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil no Estado do Rio de Janeiro (Sinduscon-Rio) e vice-presidente da Associação de Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário (Ademi-RJ), Cláudio Hermolin acredita que a mudança de nome pode levar a uma valorização gradual dos bairros da Zona Sudoeste:
— A curto prazo, não entendemos que diferenciar esta região das demais signifique algum tipo de mudança nos valores dos imóveis. Mas a médio e longo prazos, isso certamente vai caracterizar uma região diferente das demais da Zona Oeste, que consequentemente pode ganhar valorização e poder de atração diferenciado, gerando uma nova dinâmica de mercado.
Diferenças de renda
As diferenças sociais também chamam a atenção. De acordo com o levantamento da equipe da Câmara, a Zona Sudoeste tem uma média de 6,3 salários mínimos por domicílio, bem acima da nova Zona Oeste, com 2,86, mas ainda longe da Zona Sul, que tem 11,42. Parte dos moradores destas áreas tiveram receio de que o novo projeto pudesse aprofundar desigualdades.
— Minha preocupação inicial era que este projeto fosse de um político da Barra que estivesse querendo discriminar moradores de outros bairros. Mas vi que era de um vereador de Campo Grande. Foram pessoas de lá que pensaram nesta divisão — conta Delair Dumbrosck, presidente da Câmara Comunitária da Barra da Tijuca (CCBT), que representa cerca de 400 condomínios.
A própria Zona Sudoeste, porém, guarda suas desigualdades de renda. Isoladamente, a Barra tem média de 16,85 salários mínimos por domicílio, enquanto há regiões com muito menos, como a Cidade de Deus, com 1,79, e Grumari, onde há uma comunidade quilombola, com 1,18.
A análise do Índice de Progressão Social (IPS), que avalia a qualidade de vida e o desempenho socioambiental nos municípios brasileiros, também traz informações dignas de nota. Verifica-se, por exemplo, que a Zona Sudoeste apresenta um baixo índice na média de necessidades humanas básicas, um dos três pilares do cálculo, o que revela que aspectos como alimentação, cuidados médicos básicos, fornecimento de água e saneamento ainda são falhos em boa parte do seu território.
Segurança pública
Os dados de segurança pública também chamam a atenção no estudo. Em 2024, na média de homicídios e latrocínios por cem mil habitantes, a nova região chegou a um valor de 24,4, contra 23 da nova Zona Oeste. No entanto, nos números absolutos a situação se inverteu, com 424 homicídios contra 283, ainda muito à frente da Zona Sul, com 60. Mas esses números, extraídos do balanço daquele ano do Instituto de Segurança Pública (ISP), podem variar de acordo com as relações entre as facções criminosas, pondera a professora de sociologia Monique Batista Carvalho, do Instituto de Aplicação Fernando Rodrigues da Silveira (CAp/Uerj), especialista em segurança pública que estuda conflitos armados na Zona Oeste.
— Talvez em termos de apresentação para a sociedade se possa dizer que a Zona Sudoeste está tendo menos homicídios, mas eu indicaria que essa redução, desde o fim de 2022, é por conta de um apaziguamento entre as facções e milícias que dominam os territórios — diz ela.
Já em relação a roubos e furtos, a nova Zona Sudoeste registrou 25.138 casos em 2024, índice maior que os 19.824 da nova Zona Oeste e mais próximo dos 29.496 da Zona Sul.
— Em áreas de maior poder aquisitivo, há um maior número de furtos. Mas há um dado interessante. Se você for olhar só os roubos de carros, Campo Grande é um dos lugares de destaque. Essa região toda tem altos índices de violência, seja de homicídios ou roubos e furtos — observa a professora.
Educação e aprendizado
Os números da violência também ajudam a explicar dados relacionados à educação. Segundo as notas do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) de 2023 mencionadas no relatório da Câmara, a Zona Sul segue na primeira posição nos anos finais, com 5,42; deixando a Zona Sudoeste em segundo lugar no município, com 5,22. Já a nova Zona Oeste tem nota de 5,14.
— Já temos estudos que demonstram que a violência impacta negativamente a aprendizagem dos alunos, além de aumentar suas chances de abandono. Para podermos reduzir as desigualdades educacionais, nossos governantes precisam conseguir garantir a segurança de professores e alunos nos espaços escolares — destaca Teca Pontual, diretora-executiva do Instituto João e Maria Backheuser e especialista em gestão educacional.
Os números do Ideb citados foram calculados por médias de escolas, e não por notas de alunos individualmente. Nos anos iniciais, as zonas Sudoeste e Oeste ficaram com a mesma nota: 6,12.
— É um dado bastante surpreendente, mas que se fosse calculado a partir de uma média ponderada (por alunos), talvez apresentasse alguma diferença. Precisaríamos entender, por exemplo, se tem mais escolas de tempo integral na nova Zona Oeste em relação à nova Sudoeste, o que pode estar impactando este resultado — observa Teca Pontual.
O que dizem os moradores
Na dimensão simbólica ou prática, a nova região nasce com os mesmos desafios de sempre.
— Embora ache que não vai mudar nada concretamente, não somos contra esse projeto — diz Simone Kopezynski, presidente da Associação dos Moradores do Recreio dos Bandeirantes (Amor).
Juliana Fernandes, diretora da Associação dos Moradores e Amigos da Freguesia (Amaf), diz que aguarda “as cenas dos próximos capítulos”.
— Por enquanto, me parece que é mais uma mudança na nomenclatura do que na operacionalidade da prefeitura na nossa região, porque continuaremos pertencendo à AP4. Podemos esperar para ver. Se no futuro mudarem a gerência da região, neste caso, sim, teremos uma mudança grande — avalia.
Também moradora da região, a advogada e conselheira da OAB Barra da Tijuca Giselle Farinhas destaca que o engajamento da população neste momento é importante.
— A experiência mostra que divisões territoriais só geram resultados positivos quando acompanhadas de planejamento estratégico, orçamento compatível e fiscalização da sociedade civil. Caso contrário, há risco de que a medida se reduza a um efeito simbólico, sem melhorias concretas para quem vive na região.
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