Banco reduz crédito a incorporador com recurso da poupança
em Valor Econômico, 9/junho
Saques na caderneta levam instituições a priorizar uso de captação direcionada nas operações com pessoas físicas.
O encolhimento da poupança, maior fonte de recursos para o crédito imobiliário, tem levado os bancos a priorizar o uso desse dinheiro para operações com pessoas físicas e financiar as incorporadoras com empréstimos atrelados às taxas de juros de mercado. Esse movimento, que começou de forma gradual há alguns anos, ganhou força nos últimos meses.
O financiamento à construção representou 11% do total de R$ 51 bilhões em operações de crédito imobiliário com funding da poupança feitas entre janeiro e abril deste ano - menor parcela da série histórica iniciada em 2002. O levantamento foi feito pelo Valor a partir de dados da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip). Desde 2016, a fatia destinada às incorporadoras vinha oscilando entre 20% e 27%. No auge, em 2005, chegou a 59%.
“A situação deve acelerar e os incorporadores que ainda recebiam financiamento com poupança tendem a diminuir”, diz Sandro Gamba, presidente da Abecip. “Antes, o dinheiro da poupança era usado pra todas as necessidades, mas conforme ela foi ficando mais restrita o mercado tem que tomar uma decisão e buscar novas estruturas.”
Os R$ 51 bilhões financiados entre janeiro e abril representam um crescimento de 4,7% em relação ao mesmo período do ano passado. Porém, enquanto as operações com pessoas físicas cresceram 20,4%, para R$ 45,25 bilhões, o financiamento à construção caiu 48,6%, para R$ 5,7 bilhões.
A fatia destinada à construção naturalmente oscila com base nos projetos aprovados pelos bancos. Por isso, a fotografia mostra a participação das instituições maior ou menor, dependendo do momento. No entanto, o que se vê agora é um movimento mais generalizado, com todos os bancos reduzindo ou zerando os recursos destinados ao chamado Plano Empresário.
Do total de financiamentos imobiliários com funding da poupança feitos pela Caixa, a líder do setor, entre janeiro e abril, apenas 5,3% foram destinados à construção. O restante foi para financiar a aquisição de imóveis, ou seja, a compra da casa própria por pessoas físicas. No Itaú Unibanco, a parcela destinada às incorporadoras foi de 8,8% e no BradescoCotação de Bradesco, de 11,9%. O Santander já deixou há algum tempo de usar dinheiro da poupança para dar crédito a projetos de obras.
A implicação disso é um aumento dos custos para as incorporadoras. Como a poupança é um recurso direcionado ao crédito imobiliário, as operações via SBPE (Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo) costumam ter taxas mais baixas que as livremente pactuadas no mercado. Além de recorrer aos bancos, as empresas também tem se financiado no mercado de capitais, por meio de fundos imobiliários e de instrumentos como certificados de recebíveis imobiliários (CRI).
A participação do SBPE no funding imobiliário tem caído acompanhando a retirada de recursos da poupança, influenciada pelo alto patamar dos juros, que torna outros investimentos mais atrativos. Só no primeiro quadrimestre, a caderneta registrou resgates de R$ 38,9 bilhões. Se, em 2022, quase 40% do “funding” imobiliário tinha como origem a poupança, em 2024 essa parcela caiu a 32%.
“Para o financiamento de ciclo longo, das pessoas físicas, a poupança diminuiu a participação, mas continua sendo importante. Já no ciclo curto, para incorporadoras, o mercado de capitais e outras estruturas têm aumentado a participação e se tornado mais relevantes”, diz Gamba, da Abecip.
No crédito bancário, um dos modelos adotados pelas instituições financeiras é o de crédito imobiliário com juros atrelados ao CDI. Para quem capta, as principais diferenças em relação à poupança são a taxa, que é mais alta, e a volatilidade do CDI. O ponto positivo é que, dessa forma, as empresas conseguem estruturas de financiamento mais flexíveis, que podem cobrir o ciclo completo - com os recursos sendo usados não apenas na construção do projeto, mas também diretamente no negócio de incorporação, como a compra de terrenos e investimentos em marketing. “Os incorporadores poderão buscar a estrutura que melhor atenda suas necessidades”, afirma o executivo.
"Os incorporadores que ainda recebiam financiamento com poupança tendem a diminuir” — Sandro Gamba
O Santander foi um dos primeiros bancos a focar o uso da poupança para o financiamento de pessoas físicas. Desde 2020, as incorporadoras passaram a ser financiadas pelo banco apenas com recursos livres. “Houve uma resistência a esse modelo, mas, com o tempo, as empresas começaram a ver a escassez de funding. O nosso modelo, no fim, deu certo, inclusive com aumento de participação de mercado em 2024”, diz Paulo Duailibi, diretor de negócios imobiliários da instituição.
Enquanto as companhias encontram alternativas, a pessoa física não tem a mesma opção, diz Duailibi. “Por outro lado, se a pessoa física tiver que pagar mais caro, a incorporadora não vai conseguir vender. Então, esse movimento também é positivo para a incorporadora. O mercado tem sempre que privilegiar o financiamento para a pessoa física, porque isso é importante para a viabilização do empreendimento imobiliário”, afirma.
A Caixa, líder do crédito imobiliário no Brasil, tem seguido caminho semelhante. Na linha de apoio à produção, voltada para empresas, foi estabelecido no ano passado que majoritariamente seriam usadas outras fontes de financiamento que não a poupança.
“Neste ano, estamos fazendo isso e seguindo a mesma lógica no direcionamento do FGTS”, diz Inês Magalhães, vice-presidente de habitação do banco estatal. “Temos que direcionar os recursos mais baratos para pessoa física até mesmo porque o ciclo de produção é mais curto. Se estivéssemos em uma situação de aumentar a taxa de pessoa física, por outro lado, estaríamos encarecendo por 30 anos.”
Marcos Brasiliano, vice-presidente de finanças da Caixa, afirma que, se o aumento da taxa recaísse apenas sobre a pessoa física, o mercado imobiliário sofreria mais. “É na PJ [pessoa jurídica] que vemos a oportunidade de ganho de escala que pode compensar o aumento da taxa. A pessoa física não tem isso.”
Alguns bancos, como o Itaú Unibanco, ainda consideram importante usar o funding da poupança para financiar tanto as incorporadoras quanto os compradores dos imóveis. “Vemos como uma jornada única o ciclo imobiliário. Para nós, essa visão integrada é um diferencial competitivo”, afirma Bruno Bianchi, diretor comercial do segmento imobiliário do Itaú BBA.
O momento atual do mercado é de custos mais pressionados, diz Bianchi, seja para o financiamento da produção ou para a compra por pessoas físicas, o que é influenciado pela alta na curva de juros, pelos resgates na poupança e pela demanda, que continua forte.
Procurado, o BradescoCotação de Bradesco informou que continua oferecendo o Plano Empresário com um modelo de precificação em TR + juros (usado para recursos da poupança), semelhante à linha para pessoa física. No entanto, assim como todo o mercado, o banco está priorizando o uso do SBPE para o financiamento à aquisição de imóveis, segundo fonte a par do assunto.
Ver online: Valor Econômico