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Com vigor imobiliário, Centro da cidade atrai novos habitantes
em Veja Rio, 16/maio
Bairro com precioso legado histórico renasce sob o impulso de políticas públicas e registra uma bem-vinda onda de novos negócios e moradores
Ainda nos anos 1960, época em que os grandes centros urbanos brasileiros começaram a ganhar vulto, a celebrada urbanista americana Jane Jacobs (1916-2006), autora do clássico Morte e Vida de Grandes Cidades, já defendia com entusiasmo a ideia da integração de moradia, comércio, lazer e trabalho. De acordo com sua tese, tal mescla seria determinante para a vitalidade e a segurança dos bairros. O mundo deu intensas e radicais voltas e agora, seis décadas mais tarde, programas como o Porto Maravilha, que brotou na paisagem carioca em 2009, e o Reviver Centro, sancionado pela prefeitura em 2021 e caminhando para a terceira fase, começam a tomar corpo, permitindo que a região central do Rio se transforme, novamente, em um espaço no qual a vida e o batente se entrelaçam.
Mudança semelhante já ocorreu em outras importantes metrópoles mundo afora. Em Londres, o plano diretor para a estação de trem de Kingís Cross converteu um antigo centro ferroviário em vizinhança vibrante, combinando habitação, cultura, negócios e zonas verdes. Já em Buenos Aires, a efervescente área de Puerto Madero despontou quando galpões e celeiros degradados cederam lugar a parques, restaurantes, galerias e luxuosos edifícios. “Todo centro é, originalmente, uma região de uso misto, como tradicionalmente era o do Rio, até que, ao longo do século XX, impôs-se a lógica rodoviária, afastando as pessoas”, explica o arquiteto Rodrigo Azevedo, especialista em requalificação urbana e arquitetônica.
Berço da história do Brasil e dono de valioso legado cultural, terreno fértil onde estão fincados ícones como o Theatro Municipal, a Catedral Metropolitana e o Museu Histórico Nacional (leia mais abaixo), o Centro vem assistindo a tempos de vigor imobiliário: nos últimos quatro anos, foram lançados quinze empreendimentos residenciais, somando 3 200 novas unidades, 80% delas já vendidas. E, ao que tudo indica, a transformação em marcha está só mesmo no princípio. Incluindo a região do Porto, há registro de 49 licenças de construção até agora — quarenta para retrofits e nove para obras da estaca zero — o que resultará em 4 091 unidades habitacionais, com potencial para atrair mais de 6 000 moradores em um ano. Números que dão os contornos da nova fase nesse pedaço do Rio.
Um conjunto de incentivos públicos, entre fiscais e urbanísticos, ajudou a canalizar o ímpeto empreendedor para aquelas bandas. “Antes, o mercado não olhava para o Centro como uma região promissora. Era um ciclo vicioso: não havia projetos porque não havia desejo, e a demanda não existia porque ninguém investia”, descreve Claudio Hermolin, presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil (Sinduscon-RJ). Pois demanda agora há. Lançado no fim de abril, o Ora, retrofit do emblemático prédio da Mesbla, no Passeio Público, teve todos os 191 apartamentos vendidos num flash de 24 horas. O residencial resgata a vocação do edifício inaugurado em 1934, respeitando sua estrutura tombada, o que abrange a famosa torre do relógio – bom exemplo do sucesso imobiliário da região.
Até 2021, o Centro não figurava sequer entre os quinze bairros com maior volume de lançamentos imobiliários, segundo o Sinduscon. Em razão de esforços recentes, passou a aparecer entre os três na dianteira dos que oferecem mais novidades no setor, atraindo perfil bem específico. Entre os imóveis já arrematados, 54% foram adquiridos por famílias com renda de até dez salários mínimos. Cerca de 40% dos recém-chegados à zona central vêm da Zona Norte, seguidos por Zona Oeste (23%) e Baixada Fluminense (16%). Da Zona Sul afluem 4% do total. Para uma fatia da população carioca, o bairro descortina oportunidade de vida nova e de mais qualidade sob alguns ângulos. Nascida em Nova Iguaçu, a socióloga Gianne Neves Oliveira, 43 anos, residia há doze em Madureira, na Zona Norte, quando decidiu alugar um apartamento na Rua Beneditinos, perto da Praça Mauá. “Antes eu levava duas horas e meia para chegar ao trabalho, na Glória.
Hoje, o trajeto dura quinze minutos com VLT e metrô”, celebra Gianne, lançando luz sobre uma vantagem de lá — a mobilidade urbana.
A chegada de proprietários e inquilinos contribui de forma decisiva para revitalizar a região, mas não é suficiente, já que esse naco da cidade é ainda carente de serviços básicos. “O morador é apenas um fator num cálculo bem mais complexo. É preciso trazer vida ao bairro, o que se traduz em padarias, restaurantes acessíveis, praças bem cuidadas. Do contrário, corre-se o risco de criar guetos verticais com vista para o abandono”, alerta Antônio Agenor Barbosa, arquiteto especialista na história urbana do Rio. Morador desde fevereiro do Condomínio Skylux, próximo à Avenida Rio Branco, o criador de conteúdo João Figueiredo, 36 anos, percebe uma brusca mudança na vizinhança nos fins de semana. “De segunda a sexta não tenho do que reclamar. Tem banco, metrô, transporte fácil. Mas no sábado e domingo nada funciona. Para fazer compras ou treinar, preciso ir até a Zona Sul, porque a academia daqui não abre”, diz. “O primeiro empresário que abrir um mercado nas redondezas vai se dar bem. A demanda existe”, palpita.
O poder público reconhece as lacunas, mas argumenta que é necessário mais tempo para cimentar o novo capítulo de uma área por tantas décadas à deriva. “Nenhum projeto de remodelagem urbana se consolida da noite para o dia. Há alguns anos, criticavam até as árvores baixas do Porto Maravilha. Agora temos um parque urbano consolidado”, defende o secretário municipal de Desenvolvimento Urbano e Licenciamento, Gustavo Di Sabato Guerrante. Também na ordem do dia está a premente questão da segurança. Enquanto o estado reforça o policiamento em pontos estratégicos, a prefeitura aposta no projeto de lei que autoriza a Guarda Municipal a utilizar armas de fogo, já aprovado em duas discussões na Câmara de Vereadores. A expectativa é de que a regulamentação seja aprovada até o fim de junho, antes do recesso parlamentar — iniciativa que vem se somar a outras, como o Segurança Presente e a Aliança Centro-Rio, criada por um grupo de investidores inspirado no modelo internacional dos Business Improvement Districts, presentes em Londres e Nova York. A entidade cuida de cerca de 300 prédios, instalando câmeras e oferecendo zeladoria. “Nossa missão é mostrar que investir em segurança, infraestrutura e vitalidade urbana traz retorno direto”, afirma Marcelo Haddad, CEO da Aliança Centro-Rio.
À frente de doze empreendimentos entre o Centro e o Porto Maravilha, acrescentando à crescente oferta mais de 10 500 unidades, a construtora Cury investiu em uma parceria com a startup Gabriel, justamente para tentar garantir segurança. Oitenta câmeras de vigilância foram instaladas nas proximidades do Rio Wonder Cais do Valongo, perto do Santo Cristo, o primeiro da leva a ficar pronto. Além disso, rondas motorizadas conferem aos locais maior tranquilidade. “Não nos sentimos inseguros, mas é claro que ainda há muito que melhorar. Fizemos uma aposta na região, então temos que ter paciência”, diz o corretor Leonardo Monteiro, 45 anos, que se mudou para o condomínio vindo da Baixada Fluminense com a esposa, Cintia, 50, o enteado, 22, e o filho, 9. “É raro encontrar um lugar com alto nível de mobilidade e oferta cultural. Tem os museus, a Orla Conde e novos moradores. O comércio logo virá”, acredita Leonardo Mesquita da Cruz, vice-presidente de negócios da construtora.
Outro relevante braço da prefeitura para repovoar a região é o Reviver Cultural, que se volta para a recuperação de imóveis vazios lhes dando fins artísticos, boêmios e gastronômicos. Desde o lançamento, em janeiro de 2023, 32 deles abriram as portas, sendo o mais recente o Espaço Cultural Quitanda 23, no coração do bairro, misto de café, restaurante, casa de shows e local para exposições. A Rua da Cerveja, cujo plano consiste na instalação de nove cervejarias artesanais na Rua da Carioca, três já em funcionamento, também integra o programa de revitalização do Centro, assim como a reabertura do Palácio Capanema, que após doze anos fechado volta à velha forma (leia mais abaixo). “Só se cuida do espaço público quando se reside nele. É um alívio saber que não seremos mais abandonados à noite”, comemora a atriz Ângela Leal, à frente do Teatro Rival, na Cinelândia, desde 1990. Ela se prepara para reinaugurar o bar Rivalzinho, colado à casa principal. O momento carioca guarda semelhanças com o que se observou antes em metrópoles como Lisboa, Medellín e Nova York, que receberam injeção de ânimo à base de bem-sucedidas políticas de habitação e uso criativo das zonas urbanas. Agora, é torcer para que tantas boas apostas frutifiquem e ajudem a escrever de uma vez por todas um novo capítulo na história do belo Centro do Rio.
A volta de um Pilar
Na próxima terça-feira, dia 20, uma espera de doze anos chegará ao fm. O Palácio Gustavo Capanema, símbolo da arquitetura modernista brasileira encravado entre a Avenida Graça Aranha e a Rua Araújo Porto Alegre, será reaberto ao público. Após a reforma, que custou 84,3 milhões de reais, a nova configuração permitirá que o prédio abrigue áreas administrativas do Ministério da Cultura, como a Funarte, e ofereça espaços abertos à visitação.
Durante a reforma, mobiliário, painéis e auditórios foram cuidadosamente recuperados, garantindo a integridade da estrutura e o valor histórico do prédio, tombado em 1948. O 9º andar, antigo “pavimento do ministro”, foi convertido em área de visitação, e um espaço multiuso receberá eventos. Já no oitavo piso, serão expostos os móveis utilizados por ilustres personagens, como Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), chefe de gabinete do dono da pasta da Educação, o próprio Capanema, e Mário de Andrade (1893-1945), chamado para elaborar um projeto de preservação do patrimônio nacional.
Construído entre 1937 e 1945, o Capanema sediou os ministérios da Cultura e da Saúde Pública antes da transferência da capital federal para Brasília, e foi projetado por um time formado por arquitetos como Lucio Costa (1902-1998), Oscar Niemeyer (1907-2012) e Affonso Eduardo Reidy (1909-1964), com consultoria de ninguém menos que o francês Le Corbusier (1887-1965). Além da relevância arquitetônica, o edifício abriga obras de Candido Portinari (1903-1962), Bruno Giorgi (1905-1993), e painéis e jardins concebidos por Burle Marx. Um marco da arquitetura e da história do país.
A história da região ao longo dos séculos
XVI-XVII
Fundado por Estácio de Sá no Morro Cara de Cão, o núcleo urbano se transferiu para o Morro do Castelo e depois para a Praça Quinze, consolidando-se como área vital graças ao comércio marítimo.
XVIII
Com a transferência da capital para o Rio, em 1763, e a chegada da corte portuguesa, a cidade reforçou seu papel de centro político e administrativo do Brasil colonial.
XIX-XX
À base de um bota-abaixo inspirado nas reformas de Paris à época, Pereira Passos modernizou a região, que seguiu como principal polo financeiro até a expansão de outras áreas da cidade a partir da segunda metade do século XX.
XXI
A região passa por revitalização com projetos como o Porto Maravilha, que incluiu a derrubada do Elevado da Perimetral e a reurbanização da Zona Portuária, com a instalação do VLT e de equipamentos culturais como o MAR e o Museu do Amanhã.
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