Do varejo à construção, empresas buscam dados meteorológicos para reduzir riscos climáticos

em O Globo, 7/janeiro

Em 2022, a indústria de previsão do tempo movimentou R$ 9,75 bi no mundo. No Brasil, foram R$ 40 milhões. Mercado no país deve alcançar R$ 100 milhões até 2030

Seca recorde na Amazônia. Menos precipitações no semiárido do Nordeste. Tempestades e baixas temperaturas no Sudeste e geadas no Sul em pleno verão. As mudanças climáticas com fenômenos cada vez mais intensos estão fazendo as empresas se preocuparem com seus impactos.

Se antes era o agronegócio o principal cliente de consultorias meteorológicas, atualmente setores tão diversos como seguros, varejo e energia têm buscado dados sobre o tempo.

Uma estimativa das consultorias AMR e Acumen mostra que os serviços de previsão do tempo movimentaram cerca de US$ 2 bilhões (R$ 9,75 bilhões) no mundo em 2022 e devem chegar US$ 4 bilhões (R$ 19,5 bilhões) até 2030, uma taxa de crescimento anual de cerca de 10%.

No Brasil, os serviços de meteorologia giraram R$ 40 milhões em 2022 e devem ultrapassar R$ 100 milhões até o fim da década, segundo as mesmas consultorias.

Os setores que têm impulsionado esse crescimento são transporte e aviação, energias renováveis, seguros, agricultura e reflorestamento.

O aumento do interesse por esses dados sobre o clima faz surgir novas consultorias, como a Nottus (do grego Vento Sul), um braço de inteligência de dados e serviços de meteorologia da consultoria Thymos Energia. Criada em abril deste ano, a Nottus quer ter 30% do mercado em cinco anos.

— As empresas precisam da interpretação de dados meteorológicos para fazer planos estratégicos de curto e longo prazo. Compreender os fenômenos sempre foi um elemento-chave para a economia, mas as mudanças climáticas acentuaram essa necessidade, com os impactos de fenômenos como ondas de calor, de frio ou temporais — diz o sócio-diretor e meteorologista da Nottus, Alexandre Nascimento.

Planejamento

Ele lembra que, com informações do tempo em mãos — sejam as coletadas por satélites, estações meteorológicas ou calculadas por modelos matemáticos com uso de inteligência artificial —, o varejo pode planejar, por exemplo, o tamanho de suas coleções de inverno ou verão, dependendo da duração e intensidade dessas estações.

Para o setor elétrico, a Nottus tem boletins diários focados em expectativa de chuva. No setor de alimentos e bebidas, os dados ajudam a planejar estoques, evitando falta ou sobra de cerveja com muito sol ou chuva, como aconteceu no carnaval passado em algumas capitais.

As informações de previsão de tempo ajudam a indústria de seguros a calcular apólices, como no caso de quebra de uma safra. E até orientam a indústria a entender a viabilidade de construção de uma fábrica em qualquer cidade do país, evitando áreas de enchentes. As ondas de calor recentes, diz Nascimento, fizeram sumir das lojas aparelhos de ar-condicionado, e as vendas de ventiladores explodiram.

A fabricante de eletroportáteis brasileira Mondial já vem usando dados meteorológicos para planejar sua produção. O CEO da empresa, Giovanni Cardoso, conta que este ano, com o fenômeno El Niño, que é o aquecimento anormal das águas do Oceano Pacífico na sua porção equatorial, a Mondial aumentou em 56% a produção de ventiladores, esperando pelo aumento da temperatura indicado pelos dados, e reduziu um pouco a produção de aquecedores.

— Contratei mais gente, comprei mais máquinas e fiz estoques. As ondas de calor vieram, e vendemos tudo. Atualmente, estou sem estoque e tudo que produzo vai direto para o varejo — conta Cardoso.

IA aprimora previsões

A Lavoro, maior distribuidora de insumos agrícolas da América Latina, também usa dados meteorológicos para planejar seus negócios, estoques, oferta de produtos, além de prestar consultoria agronômica aos seus clientes, já que o excesso ou falta de chuva afetam o plantio, manejo e colheita.

— Além da consultoria oferecida pelo nosso time, disponibilizamos aos clientes o serviço básico de clima dentro do aplicativo Minha Lavoro de forma gratuita — conta Gustavo Modenesi, chefe de B2B e Serviços da Lavoro.

Patrícia Madeira, CEO da Climatempo, uma das maiores do setor no país com 35 anos de atuação, lembra que o avanço das tecnologias, incluindo o uso de inteligência artificial, permitiu previsões mais precisas, acabando com a lenda de que os “meteorologistas sempre erram”.

E essas informações se tornaram uma ferramenta de ganho de produtividade e segurança, já que o Brasil tem uma das maiores incidências de raios do mundo.

O maior foco em ESG (da sigla em inglês governança ambiental, social e corporativa) aumentou o interesse das companhias pelos dados do tempo.

— Temos clientes de diferentes setores, incluindo farmácias e supermercados que usam os dados do tempo para saber que produtos anunciar em seus e-commerces. São promoções ligadas aos dados do clima — conta Patrícia.

Uso na construção civil

As “Big Techs” estão investindo no segmento. O Google está desenvolvendo uma nova tecnologia para previsão climática com mais precisão. A Deep Mind, empresa do Google que desenvolve inteligência artificial, big data e learning machine, vem trabalhando no projeto GraphCast, que permitirá previsão de condições meteorológicas com até dez dias de antecedência.

Serão usados dados de satélites, estações meteorológicas e radares. O GraphCast já está sendo usado por agências meteorológicas, informou a empresa.

Há startups sendo criadas nesta área. No início de 2020, surgiu no Rio de Janeiro a Nimbus Meteorologia, que foi desenvolvida para mitigar o impacto das chuvas fortes na cidade com alertas para Defesa Civil. A Nimbus se expandiu e buscou um segmento específico: a construção civil.

Com foco em obras de infraestrutura, a startup fornece dados para construtoras que erguem pontes, fazem asfaltamento de estradas e usam grandes máquinas.

— Ter com antecedência de três a 15 dias dados sobre vendavais ou chuvas fortes ajuda as construtoras a se planejarem, reduzindo riscos a trabalhadores e prejuízos materiais — diz Luiz Filippe Costa, meteorologista, que fundou com dois sócios a Nimbus, que, no primeiro ano, teve um cliente, e neste ano chegou a 20.

Costa observa ainda que a digitalização do setor de construção civil, com uso de ferramentas de gestão para aumentar a produtividade, além de maior interesse por informações diante de mudanças climáticas, fez as construtoras buscarem dados de previsão do tempo.


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