Por que o litoral de Santa Catarina tem os imóveis que mais se valorizam?

em O Globo, 3/janeiro

Sucesso vai além de Balneário Camboriú. Cidades vizinhas imitam estratégia de verticalização quase sem limites, alargamento da faixa de areia e condomínios-clubes, atraindo investidores.

O movimento contribuiu para aumentar a arrecadação dos municípios e gera empregos na construção civil, embora também traga efeitos negativos. As cidades vivenciaram um aumento do fluxo populacional, o que pressionou a infraestrutura e a oferta de serviços públicos, como o fornecimento de água e saneamento básico.

Segundo o Índice Fipe Zap de novembro, o preço médio do metro quadrado em Itapema subiu 17,55% até novembro de 2023. Com isso, a cidade se aproximou de Balneário Camboriú como o metro quadrado mais caro do país, considerando as 50 cidades do índice.

O preço médio dos imóveis em Itapema ficou em R$ 12.292, ante R$ 12.575 de Balneário. Os valores superam o da maior cidade do país, São Paulo, onde o metro quadrado sai, em média, por R$ 10.659. O Rio fica em sétimo, com média de R$ 9.994 — no Leblon, o preço é de R$ 22.643 por metro quadrado.

Quatro das 10 cidades mais caras do país estão em Santa Catarina

Das dez cidades com o metro quadrado mais caro, quatro são de Santa Catarina. Também entram na lista a capital Florianópolis e Itajaí. O índice acompanha o preço médio de apartamentos prontos, com base em anúncios veiculados na internet.

O sócio-diretor da Brain Inteligência Estratégica, Fábio Tadeu Araújo, destaca que o mercado imobiliário depende de verticalização para que seja pujante, o que é oferecido pelas cidades da região:

— Todo o litoral catarinense tem essa característica. Ela nasceu em Balneário Camboriú e outras cidades foram copiando. Balneário Camboriú não tem limite de altura, mas Itapema já tem limite de altura na faixa de areia. Cada uma tem a sua característica. Não necessariamente se pode construir arranha-céus na faixa de aérea. A equação muda de acordo com cada praia. Existem formas distintas de desenvolver o mercado a depender do tamanho de cada município.

Cidades vizinhas crescem na falta de terrenos em Balneário Camboriú

Segundo Araújo, o turismo movimenta o mercado. Além das paisagens naturais, a região tem dois aeroportos internacionais próximos, de Florianópolis e Navegantes. O movimento nos demais municípios decorre da falta de espaço físico em Balneário Camboriú.

Com a progressiva escassez de espaço físico, a tendência é que as construtoras passem a olhar para terrenos fora das quadras de praia, além de buscarem construir edificações mais altas.
— Elas têm olhado cada vez mais para cima e existem alguns movimentos de grandes empreendimentos sendo planejados em formatos de condomínios-clubes. Há espaços onde é possível fazer isso, mesmo que não perto da praia. E são empresas que já olham cidades ao redor — destaca Araújo.

A maior procura favorece o ambiente de negócios na região. O corretor de imóveis Bruno Cassola, que atua há 17 anos em Balneário Camboriú, afirma que mais negócios têm sido fechados desde a pandemia:

— Da pandemia para cá, notamos mudanças da água para o vinho. Balneário Camboriú vendia para o Sul do país, um pouco para Mato Grosso. Hoje, vemos proprietários do Nordeste e brasileiros que moram fora do país. Passei de seis vendas ao ano de imóveis de alto padrão para cerca de 25 vendas.

— A maioria compra e vem para aproveitar a cidade nos finais de semana e feriados. Quanto maior o valor da transação imobiliária, menor a ocupação. Um imóvel de R$ 10 milhões na beira à mar tem uma ocupação de 10% a 15% de moradores fixos; 80% são pessoas de outras cidades que têm como segundo, terceiro ou quarto imóvel. Essas pessoas não gostam de alugar. Quanto mais o valor do imóvel, menor a propensão para alugar.

Segundo o corretor, cidades como Itajaí, Itapema e Porto Belo oferecem opções mais em conta e com maior facilidade na hora de transação:

— Para comprar um (imóvel) de frente para o mar em Balneário Camboriú na planta, tem que tirar no bolso de R$ 10 milhões a R$ 20 milhões. Em Itapema, você compra de R$ 2 milhões a R$ 3 milhões e com outras condições imobiliárias. É possível conseguir uma flexibilidade maior, com desconto na negociação.

Itapema planeja alargar faixa da areia da orla

Em Itapema, a prefeitura autorizou a construção de mais 1,8 milhão de metros quadrados em 2023, ante 1,25 milhão em 2022. O crescimento vem com flexibilizações nas regras de construção.

No ano de 2018, a cidade adotou a outorga onerosa, pela qual o construtor paga um valor excedente conforme a altura do prédio. As construtoras também passaram a ter como referencial o chamado “cone de sombra”.

Trata-se de uma medida em que a altura da edificação é calculada pelos ângulos do sol em direção ao mar. Dessa forma, a construção só é liberada se for provado que não causará sombra na praia, uma crítica recorrente dos moradores das cidades da região.

— Desde 2002, o Plano Diretor já autoriza prédios com 80 pavimentos. Agora que está vindo a procura por edificações mais altas. Estamos trabalhando os estudos técnicos para fazer a ampliação da faixa de areia — disse o secretário de Planejamento Urbano de Itapema, Marcelo Marcio Correia.

População cresce

O boom imobiliário também fomentou o crescimento populacional. Em Itapema, a população aumentou 65% entre 2010 e 2022, segundo o Censo Demográfico, para 75.940 habitantes. Balneário Camboriú passou de 108.809 habitantes em 2010 para 139.155 no ano passado. Porto Belo, de 16.083 para 27.688 habitantes.

A capital Florianópolis também viu aumento populacional, passando a contar com 537.213 habitantes em 2022, 115.973 mais habitantes que em 2010.

O crescimento imobiliário e populacional gera efeitos positivos para a arrecadação. No entanto, exerce pressão sobre os serviços públicos e infraestrutura. Um exemplo é o trecho da rodovia BR-101 que fica junto à Itapema e congestiona a cidade quando o trânsito aumenta. A prefeitura tem planos para abrir novas vias.

— Assumimos 2017, com arrecadação próximo a R$ 170 milhões. Para 2024, já está previsto em torno de R$ 500 milhões. Tivemos crescimento habitacional, com a questão da construção civil, e os impactos diretos e indiretos. Investimos mais de R$ 100 milhões em drenagem urbana. A questão do trânsito é mais complicada, porque a BR 101 corta o município ao meio. Quando ela para, a cidade para — disse o secretário.

Efeitos negativos

O coordenador do Laboratório de Urbanismo da Universidade Federal de Santa Catarina (Ufsc), Samuel Steiner dos Santos, destaca que o alto valor dos imóveis está ligado à escassez de terrenos e à exclusividade dos empreendimentos. Apesar do impacto positivo sobre a arrecadação e geração de empregos, ele pondera que a expansão também possui efeitos colaterais:

— A sobrevalorização da terra urbana e da habitação torna inacessível a moradia para os extratos de renda média e baixa. Destacam-se igualmente os conflitos ambientais, com a paulatina descaracterização do patrimônio ambiental e paisagístico destes municípios, com a pressão imobiliária sobre os cursos d’água, as áreas de mata atlântica nativa e de restinga.


Ver online: O Globo


Por Vitor da Costa