Retrofit chega a bairros nobres de São Paulo
em Valor Econômico, 28/março
Os casos bem-sucedidos no Centro da cidade e os projetos de ressignificação de prédios desocupados levam o modelo a endereços badalados da capital.
A região da Avenida Engenheiro Luís Carlos Berrini — conhecido polo corporativo na Zona Sul de São Paulo — vai receber em agosto um presente inusitado: um condomínio residencial. A via foi criada nos anos 1970 e superverticalizada nas duas décadas seguintes, com seus arredores praticamente sem terrenos para construção. E como nasceu o novo prédio afinal? De um retrofit.
A ideia de ressignificar “ativos estressados” — prédios desocupados ou subutilizados — ganhou força na cidade nos últimos anos, graças ao Requalifica Centro, da prefeitura paulistana. Criado em 2021, o programa prevê incentivos fiscais a projetos de requalificação de imóveis construídos até 1992, localizados em um perímetro de 6,4 quilômetros quadrados da região central. O que se vê agora é a expansão do conceito a outros bairros da cidade, mesmo sem o pacote de estímulo público.
É o caso do empreendimento da Vila 11, especializada em projetos “multifamily” imobiliário, na região da Berrini. Com investimento de R$ 75 milhões, o antigo edifício comercial foi totalmente remodelado para receber 132 apartamentos, de um e dois dormitórios, com áreas de 32 a 70 metros quadrados e pé-direito de 3,6 metros. O residencial ganhou também piscina, lavanderia, pet place e minimercado.
Mas o mais surpreendente está nas fachadas. “Para tirar a aparência comercial e gerar desejo nos clientes, ‘costuramos’ varandas metálicas na infraestrutura de concreto das janelas originais, criando um ambiente totalmente novo”, explica Patricia Heredia Domingues, diretora de Engenharia da Vila 11.
A executiva acredita que a região, localizada entre Itaim, Brooklin e Vila Olímpia, tem alta demanda por moradia e enorme oferta de prédios para conversão de uso. “Estamos bem confiantes nesse primeiro projeto. É um tipo de obra mais rápido, o que é ótimo para nosso modelo de negócio. Devemos repeti-lo em breve”, antecipa Patricia.
Com mais experiência nesse modelo, Bruno Scacchetti, CEO da Metaforma Inc. — responsável pela obra de ressignificação do condomínio Basílio 177, retrofit de luxo no Centro da cidade —, anda empolgado com o novo projeto da companhia: o Angélica 745, de uso misto, que ocupará um antigo prédio de escritórios classe B na Avenida Angélica, na Zona Oeste, entre Higienópolis e Santa Cecília.
“A escolha desse ativo tem a ver com a história do lugar, que combina o bom urbanismo e a tradição de Higienópolis com o clima descontraído e a economia criativa de Santa Cecília”, afirma Scacchetti.
O investimento total é de R$ 200 milhões e inclui a construção de uma nova torre no terreno, sob a batuta de arquitetos dos escritórios Natureza Urbana e Accia Arquitetos, com entrega prevista para o final de 2028.
“O que vamos fazer desta vez é uma renovação completa, envolvendo revisão de uso, entendimento de demanda atual, atualização da engenharia e readequação das características técnicas: conforto térmico, acústico, ambientação e iluminação, fachada totalmente remodelada e aplicação de biofilia dentro e fora”, detalha o executivo.
A força centrífuga do retrofit já foi sentida também nos Jardins. Em 2022, o Edifício Bravo Paulista foi reinaugurado após retrofit liderado pela Dal Pian Arquitetos. A transformação foi total, com novos revestimentos internos e externos, painéis metálicos para proteção solar na fachada e janelas ampliadas, que receberam vidros de alto desempenho térmico.
Prédios remodelados têm alta aceitação no Centro
O momento é favorável a esse segmento do mercado, com vendas aceleradas, novos incentivos de financiamento público e fomento aos negócios imobiliários na região
Enquanto o restante da cidade começa a receber os primeiros projetos de retrofit, na região central o segmento segue a pleno vapor. Um dos edifícios mais emblemáticos dessa tendência, o Virgínia, da Somauma, está praticamente 100% vendido, o que respaldou a nova empreitada da companhia.
Em maio, a incorporadora lançará o residencial Tebas — requalificação do antigo edifício comercial no Largo da Misericórdia, que ganhará estúdios, apartamentos-tipo e uma cobertura de 250 metros quadrados. O nome do empreendimento é uma homenagem ao primeiro arquiteto negro do Brasil, Joaquim Pinto de Oliveira, o Tebas, autor do chafariz que é considerado o primeiro sistema público de abastecimento de água da cidade, construído em 1792.
Marcelo Falcão, sócio-fundador da Somauma, avalia positivamente o “spin-off” do retrofit para os bairros. “É algo que tem muito potencial. Existem outras regiões na cidade com parque imobiliário construído, o que cria novas oportunidades”, analisa.
Segundo o executivo, o momento é favorável para esse nicho de mercado com o lançamento de linhas de crédito específicas para o segmento, como o lançado pela Caixa em fevereiro.
“O governo estadual tem apresentado medidas de fomento a novos negócios no Centro, além do programa da prefeitura que já existe. Nossa ideia é debater os gargalos para que possamos construir uma agenda cada vez mais forte pela requalificação dos centros urbanos, e isso passa necessariamente pelo retrofit”, conclui Falcão.
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