Construtoras buscam grifes para diferenciar imóvel de alto padrão

em Valor Econômico, 20/março

Chancela de marcas conhecidas ajuda a atrair cliente de outras cidades, em momento de busca do luxo para fugir da classe média.

O mercado de alto padrão é tido como um espaço seguro para as incorporadoras quando os juros sobem, para se afastar do poder de compra achatado da classe média. Nos Jardins, em São Paulo, lançamentos que competem por esse público adotam parcerias com grifes e reforçam a oferta de serviços para se diferenciar e atrair clientes de outras cidades.

Pesquisa da consultoria Brain mostra que a região tem o terceiro maior valor do metro quadrado em lançamentos de luxo, com média de R$ 39,3 mil, atrás da Vila Nova Conceição e Itaim Bibi, bairros nobres de São Paulo. A média geral da cidade é de R$ 14,9 mil.

Mariana Cerone, professora do hub de luxo da ESPM, explica que associações com marcas já estabelecidas ajudam a atrair um público “novo rico”, que busca a chancela da grife para enviar uma sinalização dupla: para a classe à qual deseja pertencer, é um indicativo de que fazem parte da mesma comunidade. Já os consumidores de classe média, aspiracionais, reconhecem o valor da marca - e o poder de compra desse cliente.

A construtora REM lança neste mês o primeiro empreendimento da sua linha de luxo, o Altitude por Artefacto, com unidades de 70 a 205 m2, e preço que parte de R$ 41 mil por metro quadrado. Rodrigo Mauro, CEO da empresa, conta que a ideia é ter metade dos compradores vindos de outras regiões do país. Um chamariz para esse público, que pode não conhecer a empresa, é a parceria com a grife de decoração, que assina os móveis das áreas comuns e do estande.

Mauro treinou gerentes da marca para apresentar o prédio a clientes e inseriu o lançamento em uma mostra de decoração da Artefacto.

O condomínio será administrado pela consultoria CBRE, que abriu uma frente para residenciais. Será possível reservar serviços, como aulas com personal trainer e limpeza do imóvel. Cerone afirma que hospitalidade é algo “muito precioso” para o cliente de alta renda, que deseja morar em sua casa, mas com qualidade de hotel.

A seis quadras do empreendimento da REM, a incorporadora MitreCotação de Mitre lançou, em dezembro, o Daslu Residences São Paulo, com unidades de 114 a 306 m2, e preços entre R$ 40 mil e R$ 45 mil por metro quadrado. A Mitre resgatou a Daslu de olho nessa hospitalidade, conta o vice-presidente de operações, Rodrigo Cagali. A empresa arrematou a marca por R$ 10 milhões em um leilão em 2021, mas seu plano não era se lançar no vestuário. “É uma marca brasileira, precursora do luxo por aqui, que tinha essa questão de receber bem”, afirma. “Financeiramente, achamos que valia o investimento”. O projeto terá serviços de hotelaria.

Cerone destaca que a loja da Daslu na Vila Nova Conceição tinha o papel de reunir as “socialites” da cidade, para além do consumo. “A comunidade Daslu é algo que estudamos até hoje”, diz. “Elas estavam ali tomando café, fazendo reuniões, era um espaço de convivência”. Para a professora, se o empreendimento conseguir devolver esse meio ao consumidor, terá “um caminho interessante para percorrer”.

"Parcerias com marcas já estabelecidas ajudam a atrair um público ‘novo rico’ que busca status”, explica Mariana Cerone.

Segundo Cagali, o projeto também tem atraído interessados de fora de São Paulo, e a metragem, considerada pequena para o alto padrão, ajuda nisso, já que não será a residência principal do comprador. A incorporadora planeja licenciar a marca Daslu para itens de cama, mesa e banho, e vendê-los em uma loja no próprio empreendimento.

O passado polêmico da marca - Eliana Tranchesi, filha da fundadora, foi condenada por formação de quadrilha e falsidade ideológica, e o contador da empresa, por sonegação de impostos - não deve afetar a sua atratividade com o público que consome luxo, na análise de Cerone.

A duas quadras do projeto da Mitre, a GafisaCotação de Gafisa lançou, também em dezembro, o Allard Oscar Freire, empreendimento com 20 unidades de 430 m2 e tíquete a partir de R$ 30 milhões cada, além de outra torre com 30 unidades de 90 m2. Estima-se que o projeto seja o mais caro da cidade atualmente, por metro quadrado.

Allard vem de Alexandre Allard, o francês que idealizou o Cidade Matarazzo, empreendimento que reúne residencial, hotel de luxo, espaço de arte, restaurantes e clube, em São Paulo. A Gafisa participou da construção do empreendimento e a parceria volta agora, com Allard tendo contribuído para o conceito do prédio.

Nesse caso, é a própria Gafisa que está envolvida em disputas com acionistas e antigos parceiros de negócio. Segundo Cerone, ter a marca Allard junto ao projeto ajuda a desviar a atenção da incorporadora.

Sheyla Resende, CEO da Gafisa, afirma que seus clientes confiam na empresa. “Tem questionamentos, mas não sofremos por causa disso, é um cliente esclarecido, que entende o mercado financeiro”, afirma.

Os projetos de REM, Mitre e Gafisa também têm em comum o fato de trazerem lojas e restaurantes abertos ao público. No Allard, serão quatro andares de restaurantes e spa. Nos projetos da REM e da Mitre, há também vias internas de acesso a pedestres. Como ocupam esquinas - o da REM ocupa um quarteirão inteiro - esses espaços vão permitir que se “corte caminho” por dentro do empreendimento.

Essa acessibilidade é bem-vista entre urbanistas, mas pode causar estranheza nos compradores de alto padrão. Cagali conta que os clientes questionam como a segurança será garantida. “Temos uma consultoria em segurança que modelou tudo isso, mas todos, sem exceção, perguntam”. No Allard, há um espaço para táxis e motoristas no subsolo, longe da entrada aberta ao público, por exemplo.

Procurada pelo Valor, a Artefacto informou que esse é seu sétimo projeto em parceria com incorporadoras. Em nota, a empresa afirma que assinar empreendimentos com “importantes empresas” atesta sua motivação para inovar e incrementar o portfólio de negócios. Alexandre Allard também foi procurado, mas não concedeu entrevista.


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