Crédito mais caro: como a alta da Selic afeta o mercado imobiliário

em O Globo, 20/março

Elevação de 1 ponto percentual resulta, em média, em um aumento de 0,43 ponto percentual nas taxas de financiamento imobiliário. Mesmo assim, vendas estão aquecidas.

Mesmo com o ciclo de alta da taxa Selic, o mercado imobiliário continua aquecido. Ano passado, registrou um crescimento de 11,8% nas vendas de novos imóveis em comparação com o mesmo período de 2023, o maior patamar desde 2014, segundo a Abrainc. O bom desempenho foi impulsionado tanto pelo segmento de Médio e Alto Padrão (MAP) quanto pelo Programa Minha Casa, Minha Vida (MCMV).

Este ano, a expectativa do setor também é de crescimento, mas com menos ímpeto do que em 2024. O mercado projeta que a Selic chegue a 15%, no entanto, segundo o analista de research da Rico, Antônio Sanches, a variação dos juros imobiliários é menos intensa do que em outras modalidades de crédito. Historicamente, uma elevação de 1 ponto percentual na Selic resulta, em média, em um aumento de 0,43 ponto percentual nas taxas de financiamento imobiliário ao longo de seis meses.

— O aumento de 0,43 ponto percentual na atual taxa média de financiamento representaria um acréscimo de cerca de R$ 29.337,19 em juros em um financiamento de R$ 500 mil, parcelado em 30 anos pela tabela SAC — explica.

Segundo ele, os efeitos completos da política monetária levam cerca de seis meses para se refletirem plenamente no crédito imobiliário.

Ainda que não chegue ao mesmo patamar da Selic, aumento de juros não é bom para o setor imobiliário, até porque prejudica a tomada de crédito para construção. Em nota, a Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (ABRAINC) alerta que os juros elevados restringem o acesso ao crédito, dificultam investimentos e ampliam as despesas financeiras das famílias e empresas. A entidade reconhece que a medida tem sido necessária para conter a inflação, mas reforça a necessidade de um caminho estrutural para a redução sustentável da Selic nos próximos anos.

No mercado, as opiniões se dividem. Para Nayara Técia, CEO do Grupo ON Brokers, apesar da alta da Selic, o setor segue ativo. Segundo ela, há oportunidades, especialmente para quem compra à vista ou adquire imóveis na planta, onde os pagamentos são diluídos ao longo da obra sem incidência de juros, apenas com a correção do INCC. Ela enfatiza que, mesmo com a projeção de queda no volume de financiamentos em 2025, sempre há espaço para boas negociações.

— O setor se adapta e segue sólido. Segundo a Abecip, em 2024 foram financiados R$ 186 bilhões em imóveis e, mesmo com a projeção de R$ 155 bilhões para este ano, o mercado continua atrativo.

Por outro lado, Sylvio Pinheiro, diretor da G-+P Soluções, classifica os atuais níveis de juros como "asfixiantes" para o setor imobiliário. Ele alerta que a construção civil depende fortemente de crédito e que as taxas elevadas inviabilizam muitos negócios. Além disso, aponta a falta de previsibilidade como um dos principais problemas.

— O mercado tenta se reinventar, mas estamos caminhando para um freio no setor com mais esse aumento da Selic.

Afonso Blanc, diretor do empreendimento Fazendas Secretário, na Região Serrana, acrescenta que a alta da Selic pode desestimular compradores que dependem de crédito, especialmente aqueles do segmento de médio padrão. No entanto, ele destaca que, em cenários de juros elevados e incertezas econômicas, o imóvel continua sendo uma opção segura e defensiva dentro de uma carteira diversificada.

Já Victor Tulli, economista e diretor da Administradora Nacional, pondera que o aumento da Selic ocorre em um momento de forte aquecimento do mercado imobiliário. Ele observa que os preços dos imóveis continuam subindo acima da inflação, com os aluguéis registrando altas ainda mais expressivas.

— Os estímulos governamentais à renda e ao crédito, como a liberação extraordinária do FGTS, continuarão impulsionando o mercado imobiliário no curto prazo, sustentando vendas e valorização dos imóveis, conforme indicam pesquisas recentes. Entretanto, no médio e longo prazo, será inevitável o impacto do aumento do custo dos financiamentos habitacionais. As parcelas ficarão mais caras, dificultando o acesso à casa própria. Consequentemente, é provável que haja maior procura por imóveis para aluguel, pressionando ainda mais esse mercado.


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