Construtoras elevam resultados no 4º tri e médio padrão surpreende
em Valor Econômico, 25/março
Persistência de bons indicadores apesar de juros altos desafia analistas; busca por diversificação global tem beneficiado ações.
O quarto trimestre trouxe resultados positivos para as incorporadoras e surpreendeu no segmento de médio padrão. Levantamento do Valor Data, com dados de 19 empresas de capital aberto e fechado, aponta alta de 48% no lucro líquido e de 27% na receita líquida, ganho de 2 pontos percentuais em margem e aumentos de 39% nos lançamentos e de 29% nas vendas líquidas, na comparação com o mesmo período do ano anterior. Os resultados do acumulado de 2024 também mostram melhora nesses indicadores, na comparação com 2023.
No segmento que atende à população de baixa renda, via o programa federal Minha Casa, Minha Vida (MCMV), as motivações para o bom desempenho são conhecidas: o programa tem rodado bem e não falta demanda por moradia na camada social que ele atende. O que inquieta os analistas é a média e alta renda: os resultados também seguem positivos, mesmo com os juros e a disponibilidade de crédito lutando contra.
“Se em dois anos o segmento de média renda tiver desacelerado, já temos todas as explicações, mas se ele sustentar a força, teremos de buscar uma resposta”, afirma Bruno Mendonça, chefe dos analistas de “real estate” do BradescoCotação de Bradesco BBI. Para ele, há uma “inércia positiva”, por causa do aumento de preço dos imóveis de médio e alto padrão, que cria um senso de escassez nos compradores. Não se sabe, no entanto, quanto isso vai durar.
Com o ciclo de alta da Selic, os bancos já voltaram a aumentar a taxa do financiamento imobiliário. Como explica Mendonça, quem comprou um imóvel na planta em 2022, esperando conseguir um financiamento com juros a 7% ao ano, vai encontrar na entrega das chaves - momento de adesão ao financiamento - taxas de 12% ao ano. “O juro alto deveria começar a bater, em algum momento”, diz.
Miguel Mickelberg, diretor-financeiro da CyrelaCotação de Cyrela, afirma que tem aumentado a parcela de clientes que decidem não tomar crédito com bancos, mas quitar o imóvel com recursos próprios. Para aqueles que precisam do financiamento, ele disse, em conversa com analistas na sexta-feira (21), que o time de vendas já relata mais dificuldade de encaixar no crédito. A proporção de distratos, no entanto, não subiu, segundo ele. “Temos de acompanhar ao longo do ano”.
Como não faltam motivos para esperar um desempenho mais fraco do setor de média e alta renda, seus resultados positivos surpreendem e são festejados pelos investidores. A ação da EZTec, que elevou seu lucro em 53% e a margem bruta em 4,2 pontos no quarto trimestre, na base anual, disparou 17,7% no dia seguinte à divulgação do balanço. Até esta segunda-feira (24), a ação subia 40,59% no ano, a R$ 15,17.
A Cyrela teve seu resultado recebido como “impressionante” por analistas, superando mesmo estimativas já agressivas de melhora nos dados, como relatado pelo time do SantanderCotação de Santander. O lucro líquido dobrou no quarto trimestre. A ação acumula alta de 41,76% no ano, a R$ 23,49.
Mendonça analisa que o setor, e especialmente a Cyrela, que vem tendo resultados fortes há alguns trimestres, se beneficia por ser diretamente ligado ao desempenho macroeconômico do Brasil. Isso não é motivado por uma melhora da situação econômica do país, já que, em sua visão, “estruturalmente, nada mudou da virada do ano para cá”.
Com a instabilidade política nos Estados Unidos, investidores globais estão tentando diversificar suas posições, e o Brasil é uma das opções. Logo, se querem estar expostos ao país, faz sentido entrar em um setor mais correlacionado à dinâmica brasileira.
Além disso, lembra Mendonça, um tradicional competidor por investidores, o México, está na “linha de fogo” de Donald Trump, ao contrário do Brasil, ao menos por ora. O varejo nacional, competidor tradicional do setor de incorporação, também não está nos melhores dias, o que atrai mais atenção para as construtoras com ações listadas.
As empresas têm entregado, mas já não está tão fácil surpreender no baixa renda” — Bruno Mendonça
As incorporadoras do segmento popular também se beneficiam desse momento, mas de forma paulatina. Como estão em crescimento desde 2023, quando o MCMV voltou a operar, suas ações já vêm subindo há mais tempo, só não mais do que as expectativas dos analistas. “As empresas têm conseguido entregar, mas já não está tão fácil surpreender no baixa renda”, afirma Mendonça. Resultados neutros ou positivos não empolgaram, e até decepcionaram, investidores no quarto trimestre.
As expectativas devem seguir elevadas, ainda mais após os anúncios recentes de injeção de R$ 15 bilhões do Fundo Social do Pré-Sal no programa, um aumento de cerca de 5% no orçamento previsto do ano, e da vontade do governo de atender à classe média, com conversas para elevar a faixa máxima de renda do MCMV de R$ 8 mil para R$ 12 mil, o que deve vir junto a um aumento de R$ 350 mil para até R$ 500 mil no teto de preço das unidades.
O Sindicato das Construtoras do Estado de São Paulo (SindusCon-SP) afirmou, em nota, que o aumento de R$ 15 bilhões no orçamento é positivo, mas a vice-presidente de habitação da entidade, Daniela Ferrari, a classificou como uma “surpresa”, porque o setor tinha outros pleitos para melhorar o programa.
Antes desse anúncio, as empresas do MCMV vinham defendendo uma atualização das faixas de renda, mas sem ampliar o teto geral do programa, com receio de que isso pudesse comprometer a sustentabilidade do FGTS, fonte de recursos da política, além de maior restrição ao financiamento de imóveis usados.
Em relatório, Ygor Altero e Ruan Argenton, da XP, apontaram CuryCotação de Cury e DirecionalCotação de Direcional como empresas que devem ser mais beneficiadas por essas mudanças.
Para Mendonça, a injeção de recursos vai ajudar a poupar o FGTS, mas deve durar poucos meses, e não será recorrente. “Ela alivia a pressão de forma temporária e rápida”, afirma.
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