Fim da isenção de IR para alguns títulos corrige uma distorção de mercado, diz secretário de reformas econômicas
em Valor Econômico, 17/junho
Segundo Marcos Pinto, atualmente "estamos dando entrada grátis para alguns títulos, e isso está encarecendo todos os outros papéis”.
Principal ponto de resistência de deputados e senadores à medida provisória (MP) 1.303, o fim da isenção do Imposto de Renda (IR) para investidores pessoas físicas nas aplicações em letras de crédito do agronegócio (LCAs), letras de crédito imobiliário (LCI), certificados de recebíveis do agronegócio (CRA), certificados de recebíveis imobiliários (CRI) e debêntures incentivadas de infraestrutura corrige uma distorção de mercado que tem deixado mais caro o custo de financiamento às empresas e os juros pagos pela população, disse ao Valor o secretário de reformas econômicas do Ministério da Fazenda, Marcos Pinto. Os papéis novos passarão a ser taxados em 5% a partir de 2026.
Segundo ele, a medida vem no bojo de outras previstas na MP que têm o intuito de corrigir uma série de distorções tributárias no mercado financeiro — como o fim da chamada “escadinha” descendente das alíquotas de IR que incidem sobre aplicações financeiras e a implementação de um sistema efetivo de compensação de ganhos e perdas. Diante da resistência do Congresso à majoração da carga tributária, Pinto afirmou que a aposta da Fazenda é o diálogo, na tentativa de convencimento da sociedade de que o modelo atual não é efetivo nem justo do ponto de vista tributário.
Hoje, o estoque aplicado nesses títulos isentos se aproxima dos R$ 2 trilhões, o que tem afetado o financiamento da dívida e o mercado de ações, e encarecido o crédito. “Não existe almoço grátis, é a velha história da meia entrada, mas nesse caso estamos dando entrada grátis para alguns títulos, e isso está encarecendo todos os outros papéis”, afirmou.
“Quem paga a conta dos títulos isentos são as outras empresas, que estão se financiando mais caro”, disse. “Temos também visto o custo de financiamento de outros atores subirem, e o Tesouro é o principal deles.”
Uma consequência da concentração de investimentos em papéis isentos, segundo o secretário, é que o volume de saques na bolsa tem crescido, ao mesmo tempo em que as carteiras de fundos de ações têm diminuído.
As isenções, de acordo com ele, não mexiam tanto com o mercado quando o estoque de papéis abrangidos estava na casa dos R$ 300 bilhões. “Agora, está crescendo vertiginosamente.”
Na MP, a Fazenda também sugere a padronização, a partir do próximo ano, da alíquota de IR sobre aplicações financeiras. A regra atual, revogada pela MP a partir de 2026, impõe uma tributação que varia de 15% a 22,5% a depender do prazo de investimento — quanto mais longo, menor a alíquota. A proposta, agora, é uma tributação de 17,5%, independentemente do prazo.
A intenção da medida, de acordo com Pinto, é tornar o sistema mais simples e eficiente, eliminando uma regra que, em sua visão, não faz mais sentido. “Esse modelo foi criado como uma forma de direcionar a poupança para títulos públicos de longo prazo. Esse era o objetivo”, afirmou. “O governo queria alongar a sua dívida e resolveu dar um estímulo para as pessoas investirem em títulos públicos de longo prazo. A situação mudou radicalmente no país desde 2005, quando essa medida foi instituída.”
A uniformização, segundo ele, não terá nenhum impacto em investimentos a longo prazo no Brasil. Lá atrás, de acordo com Pinto, o país concedeu um benefício tributário “que dirige a poupança para títulos pós-fixados, que não são tão atrativos para a dívida pública e com prazos que são completamente pequenos perto da realidade hoje”. “O prazo máximo da ‘escadinha’ é de dois anos, sendo que hoje o governo emite NTN-B para 2035. É um título supernegociado”, argumentou o secretário.
Segundo a regra atual, que a MP pretende alterar, as aplicações com prazo até 180 dias têm tributação de 22,5%. Já nos investimentos de 6 meses a 1 ano, é de 20%, enquanto, de 1 a 2 anos, são 17,5% de IR. Para prazos maiores, há a menor alíquota, de 15%.
Para o secretário, o alongamento da dívida pública não foi alcançado somente por causa da “escadinha”, mas como resultado das “melhorias das condições fiscais do país” implementadas ao longo de duas décadas.
Assim, essa tributação gradual se torna ainda mais desnecessária já que há títulos atrativos do Tesouro Nacional, afirmou o secretário, vencendo em 2035 e 2045, por exemplo. “O maior problema nosso hoje deixou de ser o prazo dos títulos, mas o quanto da dívida é prefixada ou pós-fixada”, disse.
Pinto argumentou que a “escadinha” atual é regressiva em termos de renda. “Quem paga mais a alíquota mais alta acaba sendo o pequeno poupador, que não consegue segurar o título por um período mais longo.”
Outra mudança trazida pela MP é possibilitar a compensação de ganhos e perdas entre aplicações financeiras. Até agora, a compensação só era possível entre investimentos em ações.
“É uma medida de justiça tributária”, afirmou. “Um investidor, por exemplo, que perdeu dinheiro na bolsa e ganhou dinheiro na renda fixa pode acabar sendo tributado bem mais do que foi o ganho real que ele teve naquele ano.”
A uniformização das alíquotas de IR em 17,5% é uma medida essencial para que a compensação funcione. “Quando você tem alíquotas distintas, você não consegue compensar a perda que teve em um lugar com o ganho que você teve em outro.”
Por essa razão, acrescentou o secretário, os títulos que eram isentos e passaram a ser tributados em 5% não são abarcados por essa compensação.
O principal beneficiado com essa mudança é o investidor em renda variável, disse. “É difícil perder dinheiro em renda fixa no Brasil, dado o nível da taxa de juros e porque grande parte dos investimentos são pós-fixados, mas é possível perder dinheiro em bolsa”, afirmou. “Agora, o investidor poderá compensar o ganho com a perda que teve em outro.”
Essa compensação será feita por meio da Declaração de Ajuste Anual do Imposto de Renda. Caso as perdas superem os ganhos em um ano, o remanescente poderá ser compensado nos cinco anos seguintes.
“Temos um regime tributário que, infelizmente, tributa mais o investidor que toma risco e vai para a renda variável e ajuda da forma mais saudável possível a financiar as empresas do que o investidor que vive de renda e aposta na renda fixa”, afirmou. “Com o conjunto das medidas, você está equilibrando tributação e está incentivando o investimento de renda variável.”
A medida provisória também detalha regras para empréstimos de ações, um mercado que hoje é pouco desenvolvido no Brasil porque as regras tributárias não são claras. O detalhamento foi elaborado em colaboração com a B3Cotação de B3 e o mercado, e o objetivo é dar segurança para aumentar investimentos de fundos de pensão, estrangeiros e outros.
“É um rendimento adicional para o investidor e isso dá muita liquidez para o mercado”, afirmou.
Há ainda, no texto, uma regra para a tributação de ganhos com ativos virtuais. Hoje, afirmou o secretário, é aplicada a regra de ganhos de capital, a mesma aplicada a imóveis ou automóveis, por exemplo.
“Mas esses ativos têm uma natureza completamente diferente”, disse. “Na verdade, eles são aplicações financeiras.” Por esse motivo, os ganhos com ativos virtuais passam a ser taxados em 17,5%, como as demais aplicações financeiras.
No entanto, os ganhos e perdas com essas aplicações só poderão ser compensados entre si. “Como o mercado que ainda não conhecemos é um mercado não regulamentado, preferimos restringir a compensação só para ganhos e perdas em ativos virtuais”, afirmou.
A MP também facilita a contratação de “hedge” (produtos financeiros de proteção) no exterior. Hoje, a despesa com hedge só é dedutível se a operação é feita no mercado de bolsa. No entanto, segundo Pinto, o mercado fora do Brasil para esse tipo de operação é basicamente de balcão, que não tinha dedução permitida no Brasil. “Então, a gente está permitindo a dedução mesmo”, afirmou.
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