Novo Plano Diretor do Rio: área central e Zona Norte tomam a frente no crescimento da cidade

em O Globo, 10/junho

Regiões incentivadas por regras urbanísticas também poderão ter preços de imóveis reduzidos em até 12%.

Nem Zona Sul, nem Barra da Tijuca. As regras urbanísticas que entraram em vigor com o novo Plano Diretor do Rio têm como foco o crescimento da área central e da Zona Norte, regiões bem servidas de infraestrutura, especialmente de transporte público. É o que enfatizam o presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil no Estado do Rio de Janeiro (Sinduscon-Rio), Claudio Hermolin, e o arquiteto, urbanista e ex-secretário municipal de Planejamento Urbano Washington Fajardo.

O mercado aposta na guinada. Hermolin espera que pelo menos 18 projetos imobiliários residenciais, já em tramitação na prefeitura, sejam licenciados ainda este semestre, beneficiados pela revisão das normas urbanísticas, resultado de dois anos e meio de discussões. Estudo do Sinduscon-Rio estima que os custos da construção, e consequentemente dos preços dos imóveis, sejam reduzidos de 10% a 12% nos locais incentivados.

Já Fajardo chama a atenção para um aspecto que considera inovador da nova legislação: a obrigatoriedade de elaborar planos urbanísticos para os grandes complexos de favelas.

O fim da exigência de construção ou a redução de vagas de garagem, dependendo da área, foi incluído entre as diretrizes para empreendimentos residenciais. Gabaritos maiores também passaram a ser permitidos, variando conforme o zoneamento.

Outra medida importante é a criação da outorga onerosa. Todos os terrenos passaram a ter coeficiente de aproveitamento 1. Para se atingir a área total permitida às construções num determinado local, é preciso pagar taxa sobre o extra, exceto se o projeto estiver contemplado pela Lei de Habitação de Interesse Social.

‘Onde você não pode nada, você pode tudo’

Entrevista: Claudio Hermolin, presidente do Sinduscon-Rio

Para onde serão direcionados os empreendimentos imobiliários?

Hermolin: O Plano Diretor veio sacramentar o Reviver Centro 2. Acredito que o Centro seja um vetor de crescimento natural da cidade. O Plano Diretor veio também sacramentar a legislação do Porto Maravilha, que foi ampliada para São Cristóvão. E tem a Zona Norte. Os grandes incentivos de adensamento, de aumento de potencial construtivo, foram concedidos para a Zona Norte. A Zona Norte vai voltar a figurar como uma das áreas de crescimento de lançamentos.

Está falando só dos subúrbios da Central e da Leopoldina?

Hermolin: Não. Bairros como Andaraí e Grajaú, por exemplo, foram bem incentivados. Em lugares do Grajaú tivemos crescimento de até 50% no potencial construtivo.

Já há empreendimentos para serem licenciados com base na nova legislação?

Hermolin: Para 2024, temos um levantamento de oito projetos para o Centro, dois para o Porto Maravilha, dois para São Cristóvão e de seis a sete para a Zona Norte (Tijuca, Grajaú e Andaraí). O pedido de licença para esses projetos, todos residenciais, foi feito à prefeitura antes de o plano ser sancionado, mas agora, para eles, valem as novas regras. Não falo da Zona Sul, porque o Plano Diretor teve pouco impacto na região. Para lá, houve a redução da exigência de vagas de garagem, mas essa é uma questão mais comercial do que de legislação. Dificilmente você vai fazer um produto sem vaga para a Zona Sul. O mercado é soberano.

A expectativa é que esses cerca de 18 projetos sejam aprovados logo?

Hermolin: Até o meio do ano.

E o lançamento e o início da construção?

Hermolin: Com o projeto aprovado, se pode tomar a decisão de quando lançar, que está muito atrelada ao ambiente macro que a cidade e o país estiverem passando.

Há falhas no plano?

Hermolin: É muito cedo para dizer se teve alguma coisa que poderia ter sido melhor, porque a gente vai precisar começar a jogar o jogo. Mas foi construído um Plano Diretor bastante satisfatório para a realidade que se tem na cidade.

O plano pode baratear o custo dos imóveis?

Hermolin: Nosso estudo prevê queda de 10% a 12% no custo de imóveis nas áreas com mais incentivo. Para o comprador, o impacto será igual.

Os vazios urbanos da Avenida Brasil poderão ser ocupados?

Hermolin: Na Avenida Brasil, a questão é mais do que somente os incentivos à habitação. O plano tem inúmeros incentivos. E, agora, temos o BRT Transbrasil, que muda a dinâmica da via. Mas, por muito tempo, tivemos uma região sendo degradada.

O senhor fala da insegurança?

Hermolin: A via teve um crescimento de áreas violentas na sua periferia. As pessoas compram imóvel em lugares onde têm desejo de morar e de estabelecer seu negócio. O fato de termos o Transbrasil funcionando é o primeiro passo de um ciclo virtuoso. Quando estava parado, era um ciclo vicioso. Isso gerava a falta de frequência de pessoas, que gerava insegurança, que gerava afastamento. Não tem nada mais eficaz para a segurança pública do que a ocupação.

“Foi construído um Plano Diretor bastante satisfatório para a realidade que se tem na cidade”

Como o senhor definiria o novo Plano Diretor?

Hermolin: Quando foi apresentado, era um plano protecionista. Ao longo de dois anos e meio de discussão, tornou-se um plano desenvolvimentista que a cidade precisava. Esse pseudo protecionismo que tínhamos nos levou à situação que se enxerga hoje, de encostas ocupadas, aumento de áreas invadidas, crescimento da irregularidade. Achava-se que estava protegendo, quando na prática onde você não pode nada, você pode tudo. Quando se cria um plano que incentiva a habitação de interesse social e adensa áreas com infraestrutura, se possibilita a ocupação regular. E quando você possibilita a ocupação regular, com preços de imóveis mais baixos, dá opção de habitação a pessoas que, por falta de condições, moram em áreas irregulares.

O processo de ocupação irregular é contido?

Hermolin: Sim, porque criam-se ofertas de ocupação regular.

Qual o futuro que o senhor prevê para a cidade?

Hermolin: Com os projetos já lançados e os que ainda serão em 2024, teremos, em 2026, o dobro da população que temos hoje no Centro. No Porto é muito mais, porque lá praticamente não tinha moradia.

‘A Zona Norte era tratada como um patinho feio’

Entrevista: Washington Fajardo, arquiteto e urbanista

O que muda na cidade com o novo Plano Diretor?

Fajardo: Havia um corpo legal muito confuso, muito fragmentado. O Rio tinha optado por um caminho, diferente de outras cidades, que é o da legislação bairro a bairro. Lá atrás, isso era uma boa ideia. Mas, à medida que você não consegue implementar, vira uma colcha de retalhos. Isso tem um impacto na dinâmica imobiliária e urbana da cidade. Agora, a cidade passa a ter uma lógica mais coesa. Isso aparece concretamente pela unificação de várias leis. Você tem uma lei única que esclarece como a cidade tem que se desenvolver no futuro. O plano faz muita menção às políticas habitacionais, as áreas de favela, como lidar com as vulnerabilidades sociais. O Rio é muito desigual. E o Plano Diretor também colocou isso mais em evidência.

Para onde a cidade vai crescer?

Fajardo: O Plano Diretor dá uma ênfase maior à região central e, especialmente, à Zona Norte. A Área de Planejamento 3 (subúrbios da Central e da Leopoldina) é muito bem infraestruturada. Tem três modais de transporte, foi preparada historicamente para ser contígua à região central. Ou seja, você tem uma concentração de empregos na área central, e atividades de bairro e de mistura de usos na Zona Norte. Entretanto, isso foi se perdendo com o tempo. As políticas de uma maneira geral, no Rio, muito orientadas para a Zona Sul, deixaram a Zona Norte numa condição de não prioridade.

E a Barra?

Fajardo: Historicamente, assim que surgiu a Barra passou a assumir um novo protagonismo urbanístico. A Barra é sempre a grande prioridade, em termos de desenvolvimento urbano, porque ainda tem terrenos. Entretanto, tem um problema ambiental seríssimo: o sistema lagunar é altamente contaminado. E, apesar do BRT, tem ainda uma questão séria de mobilidade de alta capacidade. A Zona Norte, por outro lado, tem trem, tem metrô e ainda tem empregos. Ao longo o tempo, o próprio mercado imobiliário não deu muita bola para a Zona Norte. A Zona Norte era tratada como um patinho feio. Então, a gente quer, olhando para as próximas décadas, que ela possa se requalificar. Isso é importante para o futuro da cidade. Os dois Planos Diretores anteriores já diziam isso, só que a gente nunca colocou os números para trabalhar a favor disso. Mas o novo Plano Diretor não é só mais blá, blá, blá. Este Plano Diretor deu condições práticas para que a mudança comece a acontecer.

O senhor destacaria outras medidas importantes do plano?

Fajardo: Além da visão coesa e racional, acho importante a visão inovadora em termos de áreas de favela. Ele traz a obrigação de fazer planos urbanísticos para grandes complexos de favela, como foi feito para a Rocinha. Historicamente, as favelas são sempre tratadas por uma lógica de fazer obra. Lembra-se de teleférico, mas nunca é pensado no processo da transformação da favela. A nova legislação traz essa obrigação de desenvolvimento de planos urbanísticos integrados e a visão de transição sustentável para os grandes complexos. E trouxe também essa inovação, o Termo Territorial Coletivo, que é uma maneira de poder acelerar a regularização fundiária, pelo reconhecimento daquela terra como coletiva. Isso facilita a emissão dos títulos de propriedade.

“Este Plano Diretor deu condições práticas para que a mudança comece a acontecer”

O que ficou faltando no novo plano para que a cidade cresça da forma correta e sustentável?

Fajardo: Apesar de ser um plano bastante extensivo, ainda faltam outras legislações. Existe um sair de 40 leis para se chegar a quatro (leis). Além do Plano Diretor, temos que ter Código de Licenciamento e Fiscalização, Código Ambiental e especialmente o Plano Municipal de Habitação de Interesse Social. Este último é a grande necessidade da cidade.

Poderão ocorrer mudanças a curto prazo?

Fajardo: Já estão acontecendo um pouco no Centro, com o Reviver, e no Porto, com o Porto Maravilha. E acho que a gente vai começar a observar mudanças na Zona Norte, em termos de mais lançamentos residenciais. Agora, isso precisa vir acompanhado de investimento público nas próximas décadas. Mas veja: o BRT Transbrasil já faz uma sinalização de que a Avenida Brasil tem uma capacidade renovada em termos de mobilidade para também abrigar novos usos. Acredito que a gente vai ver ainda, brevemente, melhorias em bairros como Estácio, Benfica e São Cristóvão.


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