O charme agora é outro: Ipanema dá adeus a lojas de alto luxo e atrai mais empreendimentos residenciais
em O Globo, 8/fevereiro
Mudanças são visíveis, no consagrado comércio de luxo de suas calçadas, nas opções gastronômicas e até no perfil das moradias.
Ambientes sofisticados, boemia vibrante, agito cultural e os ventos de liberdade e juventude que sopram da praia são alguns dos fatores que contribuíram para criar a mística em torno de Ipanema. Todos continuam por lá, mas basta um olhar mais atento sobre o bairro para notar outro tipo de movimento. As mudanças são visíveis, no consagrado comércio de luxo de suas calçadas, nas opções gastronômicas e até no perfil das moradias. No bairro todo, cerca de 830 apartamentos estão em construção, muitos de olho no mercado de aluguel por temporada. A saída da icônica loja da Louis Vuitton e de pelo menos outras quatro marcas de alto padrão é outro sintoma da transformação em curso. Entre chegadas e partidas, no entanto, a região segue como um dos mais cobiçados objetos de desejo da geografia carioca.
Durante uma breve caminhada pela Rua Garcia D’Ávila — parte do badalado “quadrilátero do charme” e ponto quase obrigatório para quem busca moda e gastronomia sofisticadas —, é fácil notar algumas portas famosas fechadas. Em dezembro, a grife Louis Vuitton encerrou as atividades da loja no número 114 da via, onde funcionava desde 2003. Agora, seus cobiçados produtos estão expostos apenas no Village Mall, na Barra da Tijuca, shopping que se constituiu como polo concentrador de marcas de alto luxo na cidade.
Até o fim do ano, a também francesa Hermès deve deixar o casarão branco que ocupa na rua. A marca não confirma, mas os rumores existem.
— A loja é bonita, propaganda da marca, um outdoor em um bairro como Ipanema, que atrai muitos turistas. Mas até uma Hermès precisa avaliar se faz sentido manter uma loja dessas — disse a administradora Marília Braga, de 73 anos, moradora da Garcia D’Ávila.
Rumo ao shopping
Nas últimas semanas, a grife Schutz também fechou as portas na rua. A marca vai manter apenas a unidade do... Village Mall. A debandada inclui outras lojas que ajudaram a construir a fama do pedaço, como Cia Marítima, Valisere e Body For Sure.
— Eu já fui lojista, sei como é. Tem vezes que é necessário cortar gastos, como no caso da Schutz. A gente entende que as lojas têm que procurar a conveniência, tanto nos preços de aluguel, quanto em outros custos — acrescenta Marília.
Outra perda significativa da Garcia D’ávila — rua que, não custa lembrar, fez história ao estender tapete vermelho para seus clientes em plena calçada, um luxo só — foi o Colégio pH, no endereço por 25 anos. O ponto será ocupado por mais uma loja da Farm, do Grupo Soma, no bairro.
Alterações à vista também no paladar do bairro. O Fazendola, tradicional restaurante a quilo na Rua Jangadeiros, não resistiu à chamada “crise dos 27” e, no último domingo, fechou as portas, como informou o colunista Ancelmo Gois, do GLOBO. Em comunicado publicado em suas redes sociais, a direção da casa agradece à clientela cativa e diz que teve que levar “em conta os desafios enfrentados nos últimos tempos e a necessidade de iniciar novos caminhos”.
Há a expectativa de que outra marca assuma o espaço, mas ainda sem previsão de inauguração. Na última terça-feira, vários clientes ficaram frustrados ao deparar com as portas do restaurante fechadas.
A feirante Alda Bento, de 79 anos, que todas as terças-feiras trabalha logo ali em frente, na Praça General Osório, se surpreendeu ao ver que o quilo não funcionava mais no local.
— Vai fazer falta. A comida deles é muito boa. Vinha com meu neto de 6 anos comer — contou.
Daniel Machado, empresário e sócio do Rayz, que brilhou por anos na Rua Farme de Amoedo, decidiu fechar o restaurante em 2022.
— Acho que essas mudanças em Ipanema fazem parte da dinâmica do mercado, mas também tem o fator custo. Eu pagava um aluguel de R$ 45 mil, e IPTU de R$ 7 mil mensais. Qualquer intervenção, seja na calçada ou na segurança, sai do bolso do empreendedor, há pouca ajuda do poder público. Fora o custo trabalhista muito alto — afirma Daniel.
O restaurante Boka também fechou recentemente. Para Tiago Moura, presidente do Polo Gastronômico da Zona Sul, a entrada e a saída de empreendimentos e marcas é orgânica e lida com inúmeras variáveis, como a alta da inflação e dos aluguéis, ou a insegurança.
— Algumas marcas mais tradicionais e familiares, com dificuldade de se atualizar, enfrentaram problemas de sustentabilidade do negócio. Com a inflação, vão fazendo adaptações nos custos e acabam não entregando o mesmo serviço. Também acontece de os herdeiros não quererem dar continuidade ao negócio. É desafiador, a gente diz que é manter a barriga no balcão e se adaptar para estar sempre trazendo novidades para os consumidores — conta Tiago.
O centro comercial Harbor, na Rua Gomes Carneiro, fechou em janeiro, e as marcas tiveram que buscar outros endereços. O espaço tinha uma estrutura de contêineres, onde funcionavam 20 lojas entre restaurantes, bares, cafés e lojas de roupas.
Uma delas era o Posto 9 Bebidas, que já anunciou a mudança para o Cosme Velho, em um collab com o Brote Bistrô. Já o Cozi Bistrô Bar deve ir para Botafogo. Como o espaço ainda está em obras, o funcionamento por enquanto é só por delivery. Uma cliente nada feliz com a novidade postou: “Tiraram o melhor restaurante da frente da minha casa, essa especulação imobiliária tá difícil! Agora vou ter que ir pra Botafogo, mas com certeza vai ser maravilhoso como sempre, sucesso!”.
O proprietário Roberto Kreimer, sócio da Kreimer Engenharia, afirma que o terreno não foi vendido, e que tem novos planos para o espaço. Apesar das especulações de que um novo condomínio residencial surgirá no local, ele garante que nada está definido.
— O Harbor durou seis anos, os empresários cresceram, passamos a conhecer muito o público e a região. Agora o momento é mais adequado a um projeto imobiliário. É um terreno bem grande e tem sido alvo de vários interessados do setor. O modelo ainda está em aberto. Pode ser que tenha finalidade residencial, ou não — afirma Roberto Kreimer.
A percepção de que, como diz Kreimer, o momento é favorável aos empreendimentos imobiliários no bairro é confirmada pelos números oficiais do setor. De acordo com a Secretaria municipal de Desenvolvimento Urbano e Licenciamento, no segundo semestre de 2024 foram emitidas 127 licenças para empreendimentos imobiliários em Ipanema, num total de 830 unidades em construção no bairro.
Nas andanças pelas ruas, a quantidade de canteiros de obras salta aos olhos. Em apenas uma quadra da Prudente de Morais, por exemplo, pelo menos quatro prédios estão sendo erguidos.
— Vai mudar a cara de Ipanema. Já está mudando bastante — diz Tiago Moura.
Do alto padrão ao estúdio
Bem no perfil do bairro, o Belavista Residencial, da Citè Arquitetura, é um desses empreendimentos em construção. São 17 apartamentos de 303 metros quadrados, um por andar, além de um Up Garden e uma cobertura duplex. Alto padrão dentro e fora das unidades. Nas áreas comuns, spa, sala de massagem e academia completa com a assinatura Bodytech.
Mas nem tudo é exclusividade e espaço de sobra no bairro. A região tem visto um novo padrão chegar devagarinho, com jeito de que veio para ficar: apartamentos menores e estúdios de quarto e sala. O foco dos compradores é investir em aluguéis de curta duração. Um deles é o Marias, da Mozak, com 33 unidades a Visconde de Pirajá.
— Existe uma tendência na Zona Sul do Rio de estúdios ou apartamentos pequenos, de até dois quartos, justamente com o foco na locação por temporada. E Ipanema tem tido o foco voltado mais para o turista — diz o presidente do Polo Gastronômico. — Os novos proprietários também são estrangeiros. Então o perfil dos moradores do bairro tem sido cada vez mais de gente de fora, e não os locais.
Os novos empreendedores não se intimidam com as idas e vindas. Os donos do árabe Casa Mohamed, por exemplo, aberto em dezembro na Vinicius de Moraes, apostam no bairro, com o segundo restaurante da família.
— Ipanema tem uma rua de circulação muito boa, para a Lagoa, para a praia. Antes da pandemia já tinha um movimento bom e no pós continuou, surgindo novas casas, entre elas o Pura Brasa. Nós tínhamos o Elias, mas saímos do grupo, e abrimos o Casa Mohamed, ao lado do Brasa, com o chope, o drinque, petisco, e tudo que a gente gosta — conta Iahia Mohamed, sócio do pai, Hassan Mohamed.
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