Por que o sonho da casa própria vai ficar mais distante para a classe média em 2025

em Veja Negócios, 7/fevereiro

À medida que a camada social aperta os cintos, as incorporadoras se concentram nos extremos da pirâmide de renda.

Um estudo recente realizado pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban) constatou que comprar a casa própria continua sendo o principal sonho de consumo dos brasileiros. Em 2025, porém, esse objetivo ficará mais distante. A combinação de juros em alta, inflação fora da meta e menor crescimento do PIB deve inibir os lançamentos residenciais, encarecer os custos de construção e dificultar o acesso dos potenciais compradores ao financiamento. A Abecip, entidade que reúne os bancos que oferecem crédito imobiliário com recursos da poupança, projeta uma queda de 15% a 20% no volume financiado — se o número for confirmado, significará o terceiro maior tombo da história, atrás apenas de 2015 e 2016, anos marcados pela recessão econômica. “A oferta de crédito continuará, mas com custos muito maiores”, afirma Sandro Gamba, presidente da Abecip. “Isso certamente reduzirá a demanda.”

Para entender essa guinada, é preciso identificar os fatores que impulsionaram o mercado imobiliário até pouco tempo atrás, a começar pelos juros baixos. A pandemia de covid-19 levou o Banco Central (BC) a cortar a taxa Selic para 2% em agosto de 2020, nível em que permaneceu até março de 2021, quando a crise começava a esmorecer e a economia ensaiava uma reabertura. O dinheiro mais barato e a demanda reprimida geraram uma onda de lançamentos e levaram mais gente aos estandes de venda.

Em 2021, o crédito imobiliário bancado pela poupança somou 205 bilhões, o maior valor da história. Nos anos seguintes, embora a Selic voltasse aos dois dígitos, a queda do desemprego, a inflação moderada e a retomada econômica aumentaram a renda dos brasileiros e mantiveram as vendas de imóveis aquecidas. Para completar, após estacionar em 13,75% por um ano, a Selic voltou a cair em agosto de 2023, e as construtoras iniciaram 2024 confiantes de que os juros encerrariam dezembro abaixo dos 10%. O otimismo ampliou a oferta e o crédito somou 187 bilhões de reais no ano passado, a segunda maior cifra da história. “A queda dos juros incentivou as incorporadoras”, diz Renato Correia, presidente da CBIC, a entidade que representa a indústria brasileira da construção.

Mas o caminho que estava pavimentado para o crescimento do setor acabou sendo desconstruído pouco a pouco. Após baixar para 10,5% em maio passado, a Selic voltou a subir a partir de setembro, refletindo o esforço do BC para conter a disparada da inflação. Comandada desde o início do ano por Gabriel Galípolo, indicado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a instituição deve elevar a taxa dos atuais 13,25% para 15%, segundo as projeções de mercado. Trata-se do maior patamar desde junho de 2006, ainda durante o primeiro mandato de Lula, quando a Selic estava em 15,25%. O pior é que, segundo afirmam os especialistas, a dose cavalar de juros não deterá a inflação, cuja estimativa de mercado está em 5,51%. A freada da economia, portanto, será inevitável — e levará à indesejada virada de chave no setor imobiliário. Nesse cenário, a classe média será a grande prejudicada. “É a camada que mais sofre com a inflação, que corrói a renda disponível para comprar um imóvel”, diz Eduardo Zaidan, vice-­presidente do Sinduscon-SP, entidade que reúne as construtoras paulistas.

À medida que a classe média aperta os cintos, as incorporadoras se concentram nos extremos da pirâmide de renda. Uma boa parte delas aumentou a aposta em imóveis populares enquadrados no programa Minha Casa, Minha Vida (MCMV), que conta com recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e financia unidades com valor de até 350 000 reais. Com o desemprego em 6% — o menor nível da história —, a entrada de recursos no FGTS segue forte. Em 2025, o orçamento do fundo para o crédito habitacional é de 127 bilhões de reais, cifra semelhante à de 2024. Outras construtoras partiram para os imóveis de alto padrão, segmento em que a clientela não depende de financiamento para fechar negócio. Como se trata de um nicho pequeno, as empresas que focam esse público lançam um volume menor de empreendimentos. No meio, estão os imóveis financiados com recursos da poupança e destinados à classe média, faixa que deverá ser a mais atingida pela crise.

É fácil entender por que a classe média vai enfrentar dificuldades para comprar o imóvel dos sonhos. Com a alta dos juros, os investidores buscam aplicações de renda fixa que rendem mais, retirando recursos da poupança, que costuma oferecer pouco retorno. No acumulado de 2021 a 2024, por exemplo, os saques da poupança superaram os depósitos em 209 bilhões de reais, e o saldo da caderneta baixou de 790 bilhões para 773 bilhões. O tombo só não foi maior porque a rentabilidade anual de pouco mais de 6% corrigiu os saldos nesse período, mas foi o suficiente para preocupar os bancos que operam essas linhas de crédito e as construtoras. O reposicionamento do mercado já é perceptível. De acordo com o Secovi-SP, que representa o setor imobiliário paulista, na cidade de São Paulo a oferta de unidades financiadas com recursos da poupança despencou 31% no período de doze meses.

Como a poupança também financia a construção, o setor busca outras fontes para compensar a escassez de recursos, a exemplo dos certificados de recebíveis imobiliários e das letras de crédito imobiliário, mas a solução não é a ideal. Para atrair investidores, esses papéis precisam oferecer uma remuneração alinhada à de outras aplicações de renda fixa, o que encarece o custo de capital. Para os potenciais clientes, isso significa uma taxa de financiamento mais cara. As condições de financiamento também ficaram mais rígidas.

Desde novembro do ano passado, a Caixa Econômica Federal, a maior operadora de crédito imobiliário do país, aumentou o valor da entrada exigida e limitou o preço dos imóveis financiados a 1,5 milhão de reais. Acima disso, o interessado deverá recorrer a linhas com taxas livres, cujos juros já chegam a exorbitantes 18% ao ano. E isso é só começo, já que, com a Selic nas alturas, o crédito fica mais caro em todas as linhas de financiamento. “Não existe solução mágica”, diz a economista Ana Maria Castelo, da Fundação Getulio Vargas. “Enquanto o custo do crédito subir, a situação vai piorar.” Nesse cenário, o sonho da casa própria ficará cada vez mais distante para milhões de brasileiros.


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