Com previsão de aperto de juro, gestoras vão às compras de imóveis

em Valor Econômico, 12/setembro

Sem perspectiva de melhora, negócios destravam; fatia de ‘tijolo’ em fundo cresce.

Grandes gestoras que estavam focadas em crédito em seus fundos imobiliários (FII) estão aumentando a exposição a empreendimentos físicos. SPX, JiveMauá e WHG são algumas das assets que planejam até quintuplicar a fatia desses investimentos, aproveitando o momento favorável nas negociações.

Muitas transações que estavam emperradas voltaram a andar diante do vaivém na política monetária, que começou em 2024 com perspectiva de chegar a dezembro com juros de um dígito e agora deve entrar em um novo ciclo de alta da taxa Selic em relação ao patamar atual, de 10,5% ao ano. Sem previsão de recuperação do mercado imobiliário, proprietários reduziram as exigências, o que ajuda a fechar os acordos.

“O juro está muito alto há muito tempo. Fez que ia cair e não caiu, e nesse cenário os recursos secam. Agora, o mercado cansou, os compradores cansaram, e os ativos precisam transacionar com ajuste de preços”, resume Brunno Bagnariolli, sócio e CIO da estratégia de Imobiliário da JiveMauá. “As negociações voltaram a andar, tenho visto contratos grandes que não vinham acontecendo, e não somente com fundos imobiliários, também com private equity.”

"No momento há menos competição, boas oportunidades de preço e pouco dinheiro disponível por causa dos juros” — Pedro Daltro

Dos R$ 6,5 bilhões em fundos imobiliários, a asset pretende elevar a fatia atual de R$ 400 milhões em empreendimentos físicos para até R$ 2 bilhões.

O cenário também aparece no perfil das ofertas de FIIs: das captações já em andamento ou que estão em análise, R$ 6,3 bilhões são para fundos que têm ativos reais em carteira, conhecidos como “de tijolo”, e R$ 5,1 bilhões para que investem em papéis de dívida atrelados ao setor, fundos de fundos e voltados ao agronegócio, segundo levantamento da CBRE Brasil, empresa de consultoria, transações, gerenciamento, gestão e avaliação imobiliária, para o Valor.

No ano até agosto, a proporção foi de R$ 15,4 bilhões para tijolo e R$ 13,1 bilhões para papel, mas as ofertas de FIIs de ativos reais foram muito concentradas entre janeiro e maio, quando as previsões ainda eram de recuo dos juros.

Bagnariolli afirma que, até o momento em que os juros começaram a subir no país - as elevações começaram em 2021 mas só em fevereiro de 2022 a Selic passou de dois dígitos -, tanto as cotas dos FIIs de tijolo (que investem nos imóveis físicos) quanto dos de papel (focados em crédito) eram negociadas com ágio na B3Cotação de B3. “Naquele momento, teve uma reprecificação grande e isso não mudou ainda, o que abre oportunidades. O mercado está abaixo dos fundamentos há muito tempo”, avalia.

Hoje, a diferença média entre o valor de mercado, representado pela cota, e o patrimonial (soma de tudo que o fundo de tijolo tem em carteira), está em 10%, sendo que shoppings estão sem deságio, por exemplo, e lajes corporativas, com desconto de 30%, diz Edson Ferrari, diretor sênior de Mercado de Capitais e Asset Management da CBRE Brasil. Em recebíveis imobiliários a média também é de 10%.

A JiveMauá, que há tempos vinha afastada do lado comprador de ativos imobiliários reais, já voltou a negociar aquisições em seus FIIs multiestratégia, afirma Bagnariolli. Além disso, a gestora está montando um fundo concentrado em logística. O setor é hoje o centro de três ofertas em andamento na B3, num total de R$ 840 milhões. Quase a metade, R$ 400 milhões, é do SPX SYN Desenvolvimento de Galpões Logísticos.

Pedro Daltro, sócio e diretor de mercado imobiliário da SPX, diz que a gestora está aumentando a alocação em setores que têm potencial de crescimento, o que para ele exclui no momento os de escritórios, shoppings e residencial de médio e alto padrão. Logística, por outro lado, e u, destaque. Ele cita a experiência de Estados Unidos, China e Europa, em que cada vez mais há demanda por galpões perto dos centros consumidores para entregar com mais agilidade e evitar pedágios.

“Tem demanda, diante da chegada empresas chinesas, como Shopee, Shein, além de da presença já forte de Mercado Livre e varejistas em geral, e o que já está pronto em oferta no mercado está caro”, afirma. “No momento há menos competição, boas oportunidades de preço de compra de terrenos e pouco dinheiro disponível por causa dos juros altos.”

Segundo ele, a construção de galpões é feita em prazos curtos, mas tem a aprovação demorada, o que leva todo o processo a no mínimo três anos.

Daltro vê dois gatilhos para impulsionar os investimentos no setor imobiliário. Um deles é a queda dos juros nos Estados Unidos, que deve começar neste mês e deve levar investidores a buscar rendimentos melhores fora do mercado americano. Outro, mais distante, é quando a Selic voltar a cair no Brasil e a NTN-B (título público atrelado à inflação) passar a pagar juros abaixo de 6%, o que mexe com as alocações de fundos de pensão.

A SPX tem R$ 2 bilhões em fundos imobiliários, mas o grosso, R$ 1,8 bilhão, está em veículos fechados, e R$ 200 milhões em um multiestratégia que é concentrado em crédito. O novo FII, portanto, triplica a exposição da gestora em fundos listados.

O setor de galpões também é a estratégia da inVista Real Estate, gestora fundada por dois ex-Julius Baer, Marcelo Rainho e Thiago Leomil. A asset abriu em maio a oferta inicial de R$ 350 milhões do inVista Brazilian Business Park (IBBP11), que, diante da grande demanda, foi elevada a R$ 470 milhões e deve encerrar em outubro. O Brazilian Business Park desenvolve, incorpora e constrói condomínios industriais e logísticos.

Outro fundo fechado da gestora investe no desenvolvimento de 14 loteamentos em sete municípios no interior de São Paulo. De acordo com ele, os planos são manter a estratégia no país, com um fundo listado focado em empreendimentos residenciais para renda. “É uma oportunidade de ativos ainda baratos que geram renda alta e ganho de capital", diz Rainho.

A gestora de fortunas Wealth High Governance (WHG) é mais uma a investir em logística, mas também está olhando alocações em shoppings e “alguma coisa em residencial, porque segue vendendo bem”, diz Márcio Rocha, responsável pela área imobiliária da asset, que tem a XP como sócia minoritária, com 49%. Ele afirma que, quando a trajetória dos juros mudou, o preço dos ativos começou a se mexer e levou a gestora a avaliar oportunidades para seu fundo multiestratégia.

De um lado a gestora aumentou a fatia de papéis corrigidos pelo CDI e, do outro, começou a construir posições em tijolo. No início do ano, o fundo estava zerado em ativos reais. Agora tem cerca de 3% do patrimônio de R$ 300 milhões e Rocha mira 10% nos próximos 12 meses. “Temos olhado assimetrias no Sudeste, com os critérios de qualidade, dominância e bons inquilinos. Estamos nos posicionando.”

Ele ressalta que os FIIs têm desempenho melhor em cenário de juros abaixo de dois dígitos. Com isso, o patamar atual da Selic oferece mais oportunidades em crédito e pontualmente em tijolo, avalia. O fundo WHGR11 encerrou oferta de R$ 200 milhões em maio.

Bagnariolli também ressalta que o foco principal da JiveMauá continua sendo crédito. Em março, a gestora levantou R$ 900 milhões para o Mauá Capital Real State (MCHY11), que investe em certificados de recebíveis imobiliários (CRIs), e pode fazer oferta subsequente de até R$ 300 milhões. E a SPX até o fim do ano fará oferta de outro FII de papel, segundo Daltro.


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