Confiança: para as empresas, está bom agora, mas ficará pior no futuro
em O Globo, 4/janeiro
Indicadores apontam divergência entre a percepção sobre o desempenho dos negócios no presente, que está em alta, e as expectativas para os próximos meses, que está em baixa.
A divergência entre a percepção sobre o desempenho presente dos negócios e as expectativas para os próximos meses é a marca recente no vaivém dos indicadores de confiança empresarial, mostram os dados da Fundação Getulio Vargas (FGV).
Isso ficou claro no Índice de Confiança Empresarial (ICE), calculado como uma média ponderada de todos os setores. O componente da situação atual subiu 0,7 ponto, para 99,6 pontos — maior nível desde dezembro de 2013 —, mas o componente das expectativas caiu 1 ponto.
O vaivém da confiança
Os indicadores da FGV vinham em alta em 2024, mas fecharam o ano com comportamento divergente
Isso já pode ser efeito da perspectiva de alta de custos, por causa de dólar e juros, diz Rodolpho Tobler, pesquisador da FGV que supervisiona as sondagens empresariais:
— Na confiança empresarial, a situação atual tem tido um comportamento mais homogêneo, com uma trajetória de alta ao longo de 2024, com ritmo não muito forte, mas subindo passo a passo. O que indica alguma cautela são as expectativas, que começaram a cair nos últimos meses.
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Se a percepção dos consumidores é marcada pela inflação dos alimentos e o crédito mais caro, os empresários sentem mais a elevação de custos causada pela alta de dólar e juros.
Dessa forma, o clima de crise instalado no mercado financeiro tende a chegar mais rápido na percepção do empresariado. Quem atua no mercado financeiro apenas sai na frente, segundo Walter Maciel, CEO da gestora de fundos AZ Quest:
— O mercado financeiro não está mais preocupado do que os outros setores. É que o mercado financeiro, por natureza, olha para frente e antecipa, enquanto os outros setores vivem o dia a dia — diz Walter Maciel, CEO da gestora AZ Quest, que aponta o desequilíbrio fiscal como causa da “deterioração da confiança”.
Crescimento ‘quase artificial’
Rogério Zampronha, CEO da Prumo Logística, dona do Porto do Açu, no litoral norte do Rio, está otimista com 2025, mas não por causa do crescimento da economia, e sim porque a empresa tem investido em “boas oportunidades” de negócios, em petróleo, mineração e agronegócio, e em projetos de transição energética.
— O PIB crescer acima de 3,5% ao ano (em 2024) é muito bom, a renda per capita aumenta, o desemprego está no menor nível histórico. Por outro lado, esse avanço é quase artificial, muito baseado em estímulos exógenos — diz Zampronha.
Os “estímulos exógenos” são as políticas sociais, turbinadas pelo aumento do Bolsa Família e pela nova regra de reajuste do salário mínimo, mas que impõem uma trajetória de alta nas despesas públicas no futuro, o que poderá se tornar insustentável, na visão de muitos analistas.
— O que gera emprego mesmo é a iniciativa privada. O foco deveria ser criar um ambiente mais fácil, mais ágil e descomplicado para os negócios — completa Zampronha.
Em 2024, os destaques foram a alta da confiança da indústria e do comércio. Serviços e construção ficaram meio “de lado”, segundo Tobler. Em dezembro, o Índice de Confiança da Indústria subiu 1 ponto. Também avançaram o Índice de Confiança do Comércio (0,6 ponto) e o Índice de Confiança da Construção (0,9 ponto). Já o Índice de Confiança de Serviços (ICS) caiu 0,6 ponto.
Expectativa da indústria termina 2024 perto do nível do otimismo
A indústria foi o destaque nos indicadores de confiança empresarial em 2024. Após oscilar do terreno otimista, acima de 100 pontos, na retomada da pandemia, entre 2020 e 2021, o indicador entrou em queda constante até 2023, com uma demanda incerta, elevação de custos e escassez de componentes. Do fim de 2023 e ao longo do ano passado, subiu na esteira o avanço da demanda dos consumidores.
A fabricante sueca de eletrodomésticos Electrolux registrou recordes na Black Friday, em novembro, diz Leandro Jasiocha, CEO da divisão da América Latina da companhia. As vendas de eletrodomésticos saltaram 29% ante 2023. Nos eletroportáteis, 13%.
— Categorias como micro-ondas, ar-condicionado, ferro de passar e cafeteira atingiram recordes históricos de vendas, enquanto lavadoras e refrigeradores tiveram os melhores resultados para o período desde 2020 — diz Jasiocha, demonstrando preocupação, para os próximos meses, com o dólar.
Já na indústria de fornecedores do setor de petróleo e gás, a demanda das petroleiras, em alta com o pré-sal, importa mais do que turbulências na taxa de câmbio.
Após fechar contratos bilionários com a Petrobras em 2024, a SLB (novo nome da francesa Schlumberger), que fabrica equipamentos e oferece serviços, deverá contratar em torno de 600 profissionais no Brasil este ano, diz Thomas Filiponi, diretor-geral da multinacional no país:
— A mensagem da diretoria da Petrobras é de foco na produção de petróleo e na busca de novas reservas.
Alta no comércio e queda nos serviços, com piora nas expectativas
A confiança do comércio fechou 2024 com alta de 0,6 ponto no indicador da FGV, acima de dezembro de 2023, mas as expectativas caíram, enquanto a avaliação sobre o presente está no maior nível desde antes da pandemia. As expectativas também caíram no Índice de Confiança de Serviços, que fechou 2024 ligeiramente acima do registrado no fim de 2023.
As discrepâncias refletem visões distintas de cada segmento. No Rio, a hotelaria teve um ano “excepcional”, diz Marcelo Gorin, gerente-geral do Grupo Arpoador, empresa familiar que é dona do Hotel Arpoador e do Ipanema Inn, ambos na orla de Ipanema, Zona Sul da capital fluminense. E a preocupação de muitos empresários com a alta do dólar passa longe.
— Com a forte valorização do dólar, ficamos muito atrativos para o hóspede estrangeiro. Já conseguimos sentir um crescimento muito maior do público americano — diz Gorin.
Para Felipe Zacconi, sócio do bar e restaurante Conversa Fiada, ao lado de Ana Claudia Cosenza, o que está incomodando mesmo os empresários é a inflação de alimentos. Os preços de alimentos e bebidas registraram alta de 8% em 2024, segundo o IPCA-15, do IBGE. Num bar e restaurante como o Conversa Fiada, a compra de comida equivale a cerca de 35% do faturamento, diz Zacconi:
— Numa semana o filé mignon está a R$ 46 o quilo, na outra não tem nenhum fornecedor vendendo a menos de R$ 65. Para o planejamento é terrível, porque não conseguimos alterar o preço do cardápio semanalmente.
Na construção, demanda está em expansão, mas alta de juros preocupa
A confiança da construção subiu e desceu ao longo de 2024, mas fechou o ano praticamente no mesmo nível de 2023. Em dezembro, o Índice de Confiança da Construção da FGV subiu 0,9 ponto, para 96,6 pontos, com atividade mais aquecida nas obras de infraestrutura e no mercado imobiliário.
Eduardo Viegas, CEO da construtora Concrejato, de obras de infraestrutura, diz que a demanda está aquecida, porque, nos últimos anos, houve uma retomada de obras de infraestrutura, principalmente de rodovias e saneamento básico — boa parte dos contratos vem de concessionárias que assumiram projetos recentes. Mas a alta de juros preocupa, diz Viegas:
— Na construção de infraestrutura, precisamos de capital de giro para rodar. Todas as empresas precisam de financiamento bancário. Quando tem aumento de juros, o custo financeiro aumenta.
No mercado imobiliário, a demanda aquecida fez a incorporadora One Innovation registrar, em 2024, o melhor ano da sua história em termos de vendas, conta o vice-presidente Paulo Petrin:
— Mesmo tendo lançado menos do que em 2023, vendemos 45% a mais.
Por outro lado, as expectativas em relação aos próximos meses tiveram uma reviravolta, de novo por causa dos juros. Um ano atrás, todos acreditavam em um longo ciclo de queda na taxa básica de juros (Selic), que poderia encerrar 2024 a 8% ao ano, lembra Petrin. Agora, a taxa básica atingirá 14,25% em março, como já sinalizou o Banco Central.
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