Em ata, Copom tenta mostrar união em torno de Selic parada

em Valor Econômico, 26/junho

Debate sobre o prazo durante o qual o BC deixará o juro básico em 10,5% se manteve em alta entre participantes do mercado.

Os ruídos observados após a divisão do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central deram espaço a uma unidade na decisão de junho, como mostrou a ata da reunião divulgada ontem. A coesão no colegiado em torno de uma interrupção no ciclo de flexibilização da Selic se mostrou tanto na decisão quanto no diagnóstico acerca dos motivos que levaram a essa ação. O comitê buscou reforçar a expectativa de que a política seguirá contracionista por “tempo suficiente”, ao avaliar que a economia opera sem capacidade ociosa e com juros de equilíbrio mais altos.

Na semana passada, o Copom decidiu manter a taxa Selic em 10,50% ao ano e “interromper” o ciclo de queda de juros iniciado em agosto de 2023. De acordo com a ata, os membros do colegiado consideraram “unanimemente” que há necessidade de “uma política monetária mais contracionista e mais cautelosa, de modo a reforçar a dinâmica desinflacionária”.

“Foi uma ata bem coerente com a decisão tomada, com elementos mais ‘hawk’ [duros] e elementos menos ‘hawk’. É algo compatível com a manutenção da Selic em 10,5% e com a sinalização de interrupção no ciclo de queda de juros e que procura trazer, acima de qualquer coisa, a visão de unanimidade na tomada de decisão”, afirma o economista-chefe da Brasilprev, Robson Pereira, ao notar que as palavras “unânime” e “unanimidade” aparecem, em conjunto, em quatro parágrafos importantes do documento.

“De um modo geral, a ata é bem compatível com a sinalização de interrupção do ciclo, e não de encerramento, a nosso ver”, afirma Pereira. O cenário básico da Brasilprev contempla uma retomada nos cortes de juros em dezembro, com a Selic caminhando para 9% no próximo ano.

“Se não for em dezembro, será no começo do ano que vem, e não tem nada a ver com a nova composição do Copom. Alguns elementos podem dar maior conforto para o BC”, diz Pereira, ao citar o nível muito contracionista da política monetária; o fato de, em interrupções anteriores de ciclo, o BC ter demorado em torno de três a quatro reuniões para voltar a agir; a menor incerteza com a divulgação dos parâmetros para a meta de inflação contínua; uma menor incerteza sobre quem substituirá Roberto Campos Neto no comando do BC; e indicações mais claras sobre o ciclo de flexibilização monetária nos Estados Unidos.

“O BC ficou em um ponto intermediário entre a indicação de ‘manter’ o juro parado e o de fazer uma pausa. Não nos parece que seja a intenção do BC encerrar o ciclo, mas tudo irá depender da evolução do cenário”, diz Pereira.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, também deu ênfase ao uso da palavra “interrupção” pela autoridade monetária. Logo após a publicação do documento, Haddad afirmou que a ata está “muito aderente ao comunicado, o que é bom” e “transmite uma ideia de que está havendo uma interrupção [no corte de juros] para avaliar o cenário interno e externo para o Copom ficar à vontade de tomar decisões a partir de novos dados”.

O cenário da Brasilprev contrasta com a visão consensual de economistas de mercado, que veem a Selic parada em 10,5% ao menos até o fim deste ano, de acordo com o Boletim Focus divulgado na segunda-feira. Já o cenário precificado pelo mercado, que embute altas na Selic na curva de juros neste ano e no próximo, não foi sancionado pelo Copom, que, na ata, não mostrou nenhuma indicação mais clara sobre possíveis elevações na Selic à frente.

Na visão da equipe de economistas do Santander, liderada pela ex-secretária do Tesouro Ana Paula Vescovi, “o Copom não está buscando apenas estabelecer um sarrafo elevado para aumentar a taxa de juros, mas também para reduzi-la ainda mais”. O banco manteve sua projeção para a Selic em 10% no fim do ano, ou seja, com duas reduções de 0,25 ponto percentual no fim deste ano, “mas sublinhamos um viés de alta significativo na nossa projeção, dadas as últimas comunicações do comitê”.

De acordo com a economista-chefe da Tenax Capital, Débora Nogueira, a ata veio neutra em relação ao texto do comunicado da semana passada e o colegiado optou por trazer uma mensagem de “interrupção” do ciclo de cortes. Para ela, o termo contribui para a ideia de que a régua para o Copom voltar a elevar o juro básico ainda neste ano é bastante alta.

“A principal mensagem é que esse BC muito dificilmente irá subir juros neste ano. E o mercado colocou prêmio que o BC atual ainda poderia reagir se estivéssemos em um ambiente de inflação mais alta ou de piora adicional do câmbio. Com a interrupção, ele sinaliza que não é este o caminho. Óbvio que, a depender da desordem, ele poderia subir os juros, mas a barra parece bem alta”, avalia a economista.

Alguns fatores ao longo da ata chamaram a atenção do mercado, como a classificação do Copom de que o hiato do produto, que mede a ociosidade da economia, está em torno da neutralidade; a elevação do juro neutro, aquele que não estimula nem contrai a economia, de 4,5% para 4,75% em termos reais; e as discussões em torno do balanço de riscos, que continuou simétrico, mas houve um debate sobre um cenário de viés de alta para as projeções.

Nos cálculos da Tenax, ao simular o modelo de inflação da autoridade monetária, o IPCA de 2025 ficaria em 3,4%. “Mas eu não tinha na conta que ele iria mudar o juro neutro e revisar o hiato. Ele mexeu nas duas coisas e, mesmo assim, a inflação veio em linha com o que eu esperava. É preciso esperar o Relatório de Inflação para mais esclarecimentos, mas parece que houve algumas escolhas do colegiado para o lado mais ‘dovish’ [suave], no sentido que a barra está mais alta para uma elevação da Selic”, diz.

Em seu cenário-base, a Tenax espera a manutenção da taxa de juros no nível atual, de 10,5%, até o fim de 2025. “Nossa opinião é de que esse prêmio de altas na Selic na parte curta da curva de juros será dissipado, mas os desafios para o médio prazo estão postos”, diz.

O cenário se assemelha ao do J.P. Morgan, que também projeta a Selic em 10,5% ao menos até o fim do próximo ano. Na visão dos economistas Cassiana Fernandez e Vinicius Moreira, a ata soou mais “hawkish” (conservadora) que o comunicado diante dessas mudanças feitas pelo Copom. Eles, porém, ressaltam a “notável ausência de um debate sobre aumento da taxa de juros por qualquer um dos membros do comitê”. Para o J.P. Morgan, esse é um sinal de que o Copom tentou não sancionar a precificação de mercado.

Fernandez e Moreira observam que o Copom prevê um crescimento econômico mais forte que o esperado neste ano, diante de um hiato do produto próximo da neutralidade neste momento. “Além disso, o BC reforçou que, embora a inflação não tenha divergido significativamente das projeções, a parte (persistente) dos serviços no IPCA deverá ganhar mais importância dado o fim da desinflação nos preços de alimentos e bens”, apontam os economistas.


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