Mudanças à vista na Barra: para viabilizar reforma de estádio do Vasco e novo autódromo, prefeitura oferece bônus para construtoras

em O Globo, 13/junho

Ideia é que o apoio às iniciativas apontadas pelo Executivo municipal seja recompensado com a contrapartida na forma de compra de potencial construtivo.

Em discussão final na Câmara Municipal do Rio, projetos da prefeitura buscam viabilizar a reforma do estádio de São Januário, na Zona Norte, e a construção de um novo autódromo internacional, em Guaratiba, na Zona Oeste. Os textos preveem uma espécie de bônus imobiliário para investidores que pode mudar a paisagem de outros pontos da cidade. Esse mecanismo vai permitir, em troca da adesão às obras dos dois equipamentos esportivos — um que faz parte da história da cidade e o outro ainda em fase de projeto —, a construção de novos prédios residenciais com gabarito acima do que é hoje autorizado pela legislação no entorno da Avenida das Américas, na Barra da Tijuca, na Zona Oeste da capital, e em parte da Zona Norte.

A ideia é que o apoio às iniciativas apontadas pelo Executivo municipal seja recompensado com a contrapartida na forma de compra de potencial construtivo em outros locais da cidade. Para licenciar as obras, as construtoras interessadas também terão que pagar uma taxa, destinada a um fundo de investimentos voltado para as regiões receptoras.

Mobilidade

Caso os investidores decidam aplicar na Barra todo o potencial construtivo liberado por intervenções no novo autódromo da cidade e em São Januário, o bairro da Zona Oeste poderia ganhar mais de 12 mil moradores, segundo estimativa do subsecretário municipal de Desenvolvimento Econômico, Thiago Dias, feita em audiências públicas.

Thiago observa que, no caso do autódromo, a operação vai ajudar a conter o crescimento de Guaratiba, bairro considerado ambientalmente frágil por estar sujeito a alagamentos e sem infraestrutura urbana adequada. A lei permite que, caso o autódromo não venha a ser viabilizado, o mesmo terreno, que é privado, abrigue casas para até 75 mil pessoas.

— O que buscamos é atrair moradores para as regiões mais centrais do Rio. E a iniciativa ainda deixará de legado equipamentos urbanos que vão qualificar a própria cidade — afirma Thiago.

O subsecretário destaca que o mercado terá a liberdade de decidir onde aplicará o bônus imobiliário. Ele acredita que a Zona Norte também será contemplada:

— Concentrar os bônus em uma única área poderia levar à desvalorização deles por excesso de oferta — diz.

O presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil (Simduscom -RJ) , Claudio Hermolin, defendeu as operações interligadas para que a cidade ganhe mais infraestrutura para realizar eventos. Ele, no entanto, avalia que na discussão final os vereadores estudam uma forma de dar um peso maior para estimular o investidor a escolher aplicar o bônus na Zona Norte da cidade, aproveitando a oferta de terrenos e a infraestrutura existente, além de seguir orientação do próprio Plano Diretor da cidade.

O vice-presidente da Câmara Comunitária da Barra e da entidade ambientalista Defensores da Terra, David Zee, diz que acertadas as contrapartidas, a transferência de potencial será benéfica para a Barra:

— É uma oportunidade de complementar a infraestrutura de uma região já consolidada na cidade. Em outras áreas nem sempre os locais escolhidos poderiam ter a mesma condição — afirmou.

O diretor-executivo da The Imc Incorporadora, Thiago Soares, avalia que a Barra sairá ganhando com o uso das bonificações na região. E não apenas com o pagamento das licenças para construir nas áreas indicadas pelas Operações Interligadas.

— Para licenciar as obras, a prefeitura geralmente exige, por meio da CET-Rio, melhorias na infraestrutura viária. Essa estratégia, bem empregada, vai ser boa para o bairro. Qualquer verticalização concentra pessoas em um mesmo local, mas desde que isso venha agregado a serviços públicos, principalmente a nível de uma infraestrutura de transporte adequada você evita grandes circulações e com isso acaba diminuindo um pouco o problema de tráfego. Uma pessoa que mora em Jacarepaguá e que trabalha na Barra, com um prédio mais vertical por um preço mais acessível, pode ir para mais perto do trabalho e assim evitar que esse se desloque. Tem uma linha urbanística bem forte aqui defende isso que é algo, a meu ver, muito positivo — argumenta Soares.

Para Thiago Dias, mesmo que todo potencial vá para a Barra da Tijuca outras medidas foram tomadas pela prefeitura na mesma região para compensar a chegada de novos moradores com a operação consorciada. A mais importante, destacou, foi a criação, na região de Vargem Grande e Vargem Pequena, de áreas de preservação da Vida Silvestre. Esse processo reduziu o potencial construtivo nas vargens numa área de 5,3 milhões de metros quadrados, equivalente a duas vezes o tamanho do bairro do Jardim Botânico, por exemplo.

— Essa iniciativa na realidade desadensou parte da região que é dotada de menos infraestrutura. E concentrou áreas que podem receber o bônus já estruturadas — disse Thiago.

As parcerias propostas são previstas no Estatuto das Cidades por um mecanismo conhecido como Operações Urbanas Consorciadas. Na mesma linha, há ainda um terceiro projeto, em fase inicial de tramitação, voltado para o Parque Olímpico. Os três projetos em andamento preveem a transferência de até 1,5 milhão de metros quadrados de potencial construtivo, o equivalente a seis vezes a área ocupada pelo estádio do Maracanã.

No caso do Parque Olímpico, os lotes privados passariam para a propriedade da prefeitura. O bônus imobiliário poderia ser usado no entorno da Avenida Ayrton Senna e na Zona Norte. Em troca, a iniciativa privada assumiria a manutenção da área de lazer por 30 anos.

O presidente da Câmara do Rio, Carlo Caiado (PSD), diz que os projetos apontados serão prioritários, embora ainda não possa ser estabelecido um cronograma para a sua conclusão porque as contrapartidas serão pagas à medida que os investidores estejam cumprindo etapas dos projetos. Vários vereadores com base eleitoral na região, como o próprio Caiado e Pedro Duarte (Novo), condicionam o voto nos projetos à garantia de que sejam viabilizadas as obras viárias na Barra.

— São Januário, podemos votar hoje. Mas é possível que a discussão das duas matérias fique para a próxima semana porque os vereadores ainda estão apresentando emendas — diz Carlo Caiado.

O ex-presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), Sérgio Magalhães, diz que permitir o uso dos potenciais construtivos na Barra está na contramão das diretrizes do novo Plano Diretor, em vigor desde janeiro:

— O Plano Diretor orienta o reaproveitamento de áreas esvaziadas como o Centro e a Zona Norte, que já contam com infraestrutura e poderiam receber todos esses potenciais. Mas, como nas últimas décadas, se incentiva a expansão da cidade para a Zona Oeste.

A possibilidade de que as regiões mais valorizadas recebam boa parte dos bônus sugeridos nos projetos da prefeitura levou a Câmara Comunitária da Barra da Tijuca, que representa os síndicos dos maiores condomínios da região, a se manifestar. Em reunião com o prefeito Eduardo Paes, a instituição pediu que cerca de R$ 300 milhões de recursos obtidos com as contrapartidas de São Januário e do autódromo sejam usados em uma série de obras: a conclusão da Avenida Via Parque (entre o Shopping Downtown e as imediações da Vila do Pan, para desafogar a Avenida da Américas), da Avenida Dulcídio Cardoso (rota alternativa à orla) e a construção de um novo retorno na Avenida Ayrton Senna, no sentido orla, para eliminar congestionamentos provocados por um gargalo que embola o trânsito habitual da região com o movimento que sai da Praia da Reserva em direção à Barra da Tijuca.

— O bairro precisa ter um retorno em função do adensamento que os projetos provocarão aqui. Há anos reivindicamos essas obras — explica o presidente da Câmara Comunitária, Delair Dumbrosck.

Procurado, Paes não se manifestou.

Mudanças em debate

Barra. Os bônus poderão ser usados em ruas internas a partir da Avenida das Américas, no sentido de São Conrado. Em áreas onde só são permitidos prédios de 12 andares, serão liberados até 18 pavimentos. Nos trechos às margens das lagoas e próximos da praia, o gabarito liberado irá de quatro para 12 andares. Nos trechos de proteção ambiental, o gabarito de dois andares não muda.

Zona Norte. Em terrenos localizados a 500 metros de transporte público e da Avenida Brasil, os prédios poderão ganhar mais cinco andares, até um limite máximo de 18 pavimentos. Além disso, serão permitidos prédios com 25% a mais de área construída do que as regras permitem hoje.

Clubes. Os projetos também permitem que os bônus sejam usados para transformar até75% das áreas de clubes residenciais. Outros 25% seriam mantidos para atividades comunitárias.

O que não pode. Os bônus não podem ser usados para aumentar o gabarito de condomínios residenciais já existentes nas regiões.

Contrapartidas. A concessão dos bônus não será automática. A prefeitura definirá cronograma para os projetos. À medida em que sejam cumpridos, haverá autorização para o uso de mais bônus. Será exigido um seguro-garantia dos investidores de que os projetos serão concluídos.

Fundo. As taxas de licenciamento irão para financiamento de obras de mobilidade urbana nas áreas receptoras.

Autódromo. O Rio não tem autódromo desde 2011, quando o que existia foi desativado para a construção do Parque Olímpico. O projeto deverá ser licenciado pela Federação Internacional de Automobilismo (FIA) para que a cidade volte a receber corridas de Fórmula 1.

São Januário. O estádio será reformado, com capacidade ampliada de 21,8mil para 47,8 mil torcedores.


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