Fundos imobiliários crescem e atraem novos investidores

em Valor Econômico, 23/setembro

Produto já soma mais adeptos no varejo do que ações e ganha sofisticação para estratégias defensivas e de arbitragem.

A combinação de investimento em imóveis com o pagamento regular de dividendos, somada à isenção de Imposto de Renda (IR), foi infalível para tornar os fundos imobiliários (FIIs) um “hit” entre pessoas físicas no Brasil, catapultando a indústria ao crescimento independentemente dos juros mais altos. O setor já atinge um patrimônio hoje de R$ 188 bilhões, aumento de mais de R$ 30 bilhões em um ano. Com mais liquidez no mercado, o segmento começou a atrair personagens antes distantes da indústria, como fundos de pensão e investidores estrangeiros.

Em número de investidores a indústria também não para de crescer: hoje são 2,75 milhões de cotistas pessoas físicas, quatro vezes mais do que há cinco anos, quando o número estava em 640 mil. Um único fundo, o Maxi Renda, da XP, possui 1,3 milhão de cotistas, mais que o número de acionistas do Banco do Brasil - a maior empresa listada em números de investidores pessoas físicas na B3Cotação de B3.

Se na bolsa brasileira o sino de aberturas de capital de empresas não toca há três anos, o salão da B3Cotação de B3 recebe quase três vezes por semana cerimônias de ofertas de fundos imobiliários, entre IPOs (ofertas iniciais) e “follow-ons”, que são as ofertas dos fundos já listados. Hoje estão listados na B3Cotação de B3 468 fundos - apenas neste ano foram 65 novos produtos. Para efeito de comparação, hoje já há mais FIIs listados do que ações - a bolsa tem cerca de 445 empresas listadas.

“Esse mercado está bem aquecido e há uma constância de listagens de fundos imobiliários”, afirma Thalita Forne, superintendente de produtos listados da B3Cotação de B3.

O crescimento tem refletido também nos volumes de negociações. Se em 2019 o volume de transações diárias somava R$ 130 milhões, esse número alcançou hoje R$ 330 milhões. Para ajudar a ampliar a liquidez, os fundos contam com a atuação de formadores de mercado, que são instituições financeiras que garantem que existe um mercado comprador e vendedor para os ativos. Na prática, o formador de mercado permite que um investidor possa vender suas cotas - sem ser penalizado no preço. Isso demonstra que, com uma demanda crescente pelos produtos, os FIIs passaram a receber novas funcionalidades - se aproximando mais do que é visto no mercado acionário, por exemplo.

Com uma demanda vinda do mercado, conta o diretor de relacionamento com clientes, pessoas físicas e educação da B3Cotação de B3, Felipe Paiva, o trabalho tem sido de buscar mais funcionalidades ao produto. O termo de FIIs, por exemplo, foi uma dessas mudanças. Outra foi o empréstimo de FIIs, algo necessário para viabilizar estratégias de “long and short” - aquelas em que se aposta na queda de um papel e na alta de outro. Para o investidor que aluga o ativo é possível, na outra ponta, conseguir um retorno extra, assim como pode ser feito em ações. Foi criado também o futuro de Ifix (o índice teórico da bolsa, indicador médio dos fundos imobiliários), o que abre o leque para outras estratégias.

Em discussão na mesa no momento, diz o executivo, está a possibilidade de investidores poderem utilizar os FIIs como garantia - algo que é possível com ações. “A bolsa, como infraestrutura de mercado, vai criar esse ecossistema”, afirma Paiva, da B3Cotação de B3.

A venda de cotas em blocos, em leilões na bolsa - a exemplos dos chamados “block trades” de ações - também está em avaliação. Segundo Forne, trata-se, ainda, de sofisticação para o produto, o que acaba permitindo mais opções ao investidor.

Neste ano, a bolsa teve de atuar para viabilizar a maior assembleia de cotistas de fundos da histórica do mercado brasileiro, que deu aval para a incorporação dos fundos imobiliários, antes do Credit Suisse, à gestora Pátria. Nela, foi permitido o voto a distância, o que viabilizou o aval dos cotistas para a transação.

O especialista em fundos imobiliários Arthur Vieira afirma que o crescimento da indústria ocorre de forma mensal desde 2016. Com distribuição de proventos, o apelo ao investidor é grande, afirma. “E com isso a volatilidade dos fundos imobiliários é muito menor”, diz. O desenvolvimento da indústria, segundo ele, também vem sendo notada no maior número de produtos que passam a compor a prateleira. Se antes os fundos eram voltados para os de “tijolos”, que são aqueles que investem no empreendimento, e nos de papéis, que são os que compram Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs), por exemplo, hoje o mercado já conta com fundos hedge e outros mais nichados, como os que investem no setor residencial ou logística.

Adriano Mantesso, da Tivio, diz que começou a trabalhar na indústria em 2005, momento em que os maiores fundos do mercado tinham em torno de 20 mil cotistas, número comemorado na época. A lei que trouxe a isenção de Imposto de Renda, que chegou em 2009, ajudou a dar uma empurrão, recorda.

Rodrigo Abudd, sócio e responsável por setor imobiliário no Patria Investments no Brasil e fundador da VBI (adquirida pelo Pátria em 2022), lembra que em 2012, quando a gestora lançava seus primeiros fundos, a abordagem era atrair investidores que aplicavam em imóveis, como casas e apartamentos, de olho no aluguel. A conversa na época, afirma, era que eles poderiam ter uma cota em um edifício na Avenida Faria Lima, por exemplo, sem precisar lidar com reformas ou apartamentos vagos. O executivo lembra que a isenção do imposto ainda era uma novidade, o que também ajudou a atrair mais pessoas à indústria. “Vimos na época uma migração desses investidores”, conta.

Hoje, após o salto observado nos últimos anos com os fundos imobiliários ganhando popularidade, o investidor ainda está em processo de sofisticação, diz Abudd. Segundo ele, é que o cotista ainda reage aos momentos mais voláteis, como em 2020, quando houve fuga em massa dos ativos. Também falta a leitura de que, quando o valor de mercado dos fundos de tijolos estão abaixo de seu valor patrimonial, pode haver um bom ponto de entrada.

O próximo salto do mercado, para o executivo do Pátria, virá com os novos investidores que estão começando a acessar os produtos, como as fundações, que passaram a tatear esse mercado, assim como os estrangeiros, que juntos devem trazer mais volume ao setor, proporcionando mais liquidez.

A chegada desses novos nomes já é um resultado do desenvolvimento do mercado. O sócio responsável pela área imobiliária da XP Asset, Pedro Carraz, afirma que a evolução da indústria também passou por um desenvolvimento da governança de gestoras, com algumas casas, como a XP, promovendo “call” trimestral sobre os resultados aos seus cotistas, a exemplo do que ocorre a cada três meses nas empresas listadas. “Aumentou a transparência, gestão profissional, equipe qualificada. Os fundos se tornaram cada vez maiores, com mais liquidez”, diz Carraz.

Com esse aumento de liquidez permitindo uma rápida saída dos investidores, por exemplo, a chegada de novos cotistas tem sido notada, especialmente nos maiores fundos na prateleira, como o Maxi Renda e o XP Malls. “Isso qualifica e institucionaliza o passivo. A despeito do crescimento de pessoas físicas hoje para 2,7 milhões, que chama atenção, a gente vê cada vez mais outros investidores. Hoje 25% do nosso patrimônio líquido são nomes pessoa jurídica”, afirma Carraz. Nesse grupo, segundo ele, estão não só fundações, mas também seguradoras, estrangeiros e até mesmo fundos multimercados e de ações. “Tudo isso tem a ver com a evolução regulatória, o jogo mudou”, afirma.

O gestor da HSI Felipe Gaiad destaca que, apesar de ter notado a entrada dos fundos de pensão na indústria, a virada de expectativa em relação ao juros fez com que as fundações mudassem a direção de seus investimentos. “Eles também são sensíveis ao contexto [macroeconômico]”, diz.

Ele afirma, por outro lado, que dado o tamanho dos principais fundos de pensão do país, seus volumes têm potencial de mexer com o tamanho da indústria. Para Gaiad, a presença de pessoas físicas tem espaço para mais crescimento da indústria - basta olhar, por exemplo, a alocação desse público em produtos de renda fixa tradicional.

Mantesso, da Tivio, diz que observou em mercados no exterior que uma mudança de tributação ajudou a trair os fundos de pensão para esse segmento. No México, foi permitido que as fundações com imóveis pudessem repassar os prédios que tinham em suas carteiras para fundos imobiliários, mas deixando a cobrança de eventuais impostos apenas para o momento das vendas das cotas.

Por outro lado, um desenvolvimento real vai vir apenas com queda de juros. André Freitas, sócio fundador da Hedge Investimentos e um dos veteranos nesse mercado, aponta que o crescimento da indústria tem sido suportado pelos fundos que compram CRIs, ou seja, produtos típicos de renda fixa.

“Nessa incerteza de qual vai ser a trajetória dos juros, os fundos de CRIs se tornam interessantes”, diz Freitas. Segundo ele, os fundos de tijolo, aqueles que investem nos próprios empreendimentos, como shoppings e escritórios, precisam de um ciclo sustentável de afrouxamento monetário para crescerem em um ritmo maior. A busca do investidor pelos fundos de papel, segundo ele, se trata de uma “diversificação dentro da renda fixa”.

Na Hedge, os fundos de tijolos são o carro-chefe. A gestora fez um “follow-on” de um deles no fim do ano passado e espera, antes do fim deste ano, acessar novamente o mercado para captar. Por meio de seus três fundos, a gestora investe hoje em 22 shoppings.

Para frente, a percepção é que depois do crescimento, com um “boom” de lançamentos de novos fundos, o mercado brasileiro de fundos imobiliários passará por uma onda de consolidação. No Pátria, por exemplo, essa tem sido a estratégia, não só com a aquisição da VBI e outras gestoras, mas recentemente os fundos imobiliários que pertenciam ao Credit Suisse - o que levou seus ativos sob gestão nesse mercado a subir para R$ 21 bilhões. “Estamos inaugurando um novo capítulo dos fundos imobiliários, com os fundos grandes com cada vez mais condições de se tornarem maiores”, diz Abudd, do Pátria. Ele afirma que hoje esse mercado nos Estados Unidos é de US$ 1,3 trilhão, ou seja, muito maior do que o brasileiro, mas possui, por outro lado, menos fundos - cerca de 300 no total.


Ver online: Valor Econômico