Onde o requinte encontra o verde

em Valor Econômico, 24/janeiro

Os dois bairros mais classudos de SP, com mansões, ruas arborizadas e localização privilegiada, são alvos de uma polêmica que agita o mercado.

O conceito é de uma “cidade-jardim”: estritamente residencial, com construções de gabarito baixo, ruas estreitas para inibir a velocidade dos veículos e muito verde. Tudo isso planejado ainda nos anos 1910!

Assim são os bairros Jardim América e Jardim Europa, na região dos Jardins, entre as avenidas Paulista e Faria Lima. Foram idealizados juntamente com outras duas localidades — jardins Paulista e Paulistano — pela companhia City of São Paulo, com sede na Inglaterra, que contratou os arquitetos britânicos Barry Parker e Raymond Unwin para desenvolver o projeto, que foi a primeira experiência de urbanização do país. A resolução da Preservação do Patrimônio de São Paulo (Condephaat) que tombou a região em 1986, por seu valor histórico, tem sido questionada nos últimos anos.

“É uma região com grandes residências que atraem pessoas que desejam morar e investidores interessados em retrofitar os casarões antigos para revender”, explica Marco Tulio Vilela Lima, CEO da Esquema Imóveis, com forte atuação na área.

Segundo ele, o valor médio do metro quadrado dessas propriedades gira em torno de R$ 45 mil, podendo ser ainda mais caro em determinados casos. No site da corretora, há oportunidades como um “chatêau” de quatro suítes e acabamentos importados de um palácio russo por R$ 64,5 milhões.
A localização é privilegiadíssima. O dueto de bairros está cercado de opções de mobilidade, shopping centers com marcas de luxo (Iguatemi e CJ Shops), hotéis cinco estrelas e o melhor da gastronomia paulistana.

Pulmão verde

Outro fator de valorização dos jardins América e Europa é a grande massa arbórea que recobre os bairros. Um estudo realizado pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) indicou que o perímetro contém cerca de oito mil árvores apenas nas áreas públicas. Somado à vegetação dos espaços privados, esse pulmão verde fica ainda mais poderoso.

“O relatório do IPT apontou que, graças ao verde, a temperatura na região é mais amena, chegando a uma diferença de cinco graus em relação à de bairros do seu entorno”, explica Fernando de Sampaio de Barros, presidente da AME Jardins, associação fundada em 2007 e que atua na preservação dos bairros e na luta por melhorias em diversas frentes.

Isso se deve ao tombamento ainda vigente, que exige 30% de solo permeável (área ajardinada) no Europa e 40% no América, característica que ajuda a amenizar o impacto das chuvas na cidade. A vista verde também atrai lançamentos imobiliários nas bordas dos bairros, onde a verticalização é permitida.

É o caso do residencial Gabriel 130, na Alameda Gabriel Monteiro da Silva, nos limites do Jardim América. Idealizado pela JNA Arquitetos, tem 50 apartamentos, todos voltados para os jardins. “A vista foi fundamental na escolha do terreno. É um diferencial que meus concorrentes não têm”, afirma Guilherme Rossi, CEO da GR Properties, responsável pelo prédio.

Polêmica

No fim do ano passado (16 de dezembro), o próprio Condephaat aprovou mudanças no tombamento da região, permitindo desmembrar os lotes para receber condomínios de casas ou pequenos prédios e um novo perfil de uso, permitindo a abertura de empresas e comércio. Em 19 de dezembro, a Justiça de São Paulo suspendeu a revisão nas regras em virtude de uma liminar.

“É um cenário de pânico. A resolução permite que terrenos antes ocupados por dez pessoas de uma família passem a receber mais de cem funcionários de empresas, por exemplo. A infraestrutura do bairro é antiga e não suportaria esse aumento de demanda”, diz Barros.

Segundo ele, foi usada uma premissa falsa para embasar a revisão: a de que a região estaria tomada de casas vazias e terrenos abandonados. “Essa é a realidade de apenas 2% dos imóveis em razão de pendências judiciais de seus donos, o que inviabiliza a venda”, explica.


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