A conquista do Oeste: empreiteiro que mudou a paisagem da Barra faz 100 anos

em O Globo, 12/maio

Carlos Carvalho é o nome por trás do lançamento de 20 mil unidades residenciais na região da Baixada de Jacarepaguá, além de hotéis e outros empreendimentos comerciais.

Nos anos 30 do século passado, o naturalista Armando Magalhães Corrêa batizou de “O sertão carioca” um livro de crônicas sobre a região que hoje compreende a Barra da Tijuca, na Zona Oeste do Rio. No final da década de 1960, a paisagem árida descrita por Corrêa foi palco de um processo de ocupação cuja história se confunde com a de dois personagens. Um deles foi o arquiteto e urbanista Lucio Costa (1902-1998), contratado pelo então governador da Guanabara, Negrão de Lima, para desenvolver o projeto de um bairro planejado na região até então deserta e de difícil acesso. O outro é o engenheiro Carlos Carvalho, que completa cem anos de idade no próximo dia 28.
De ‘sertão’ a ‘miami’

Dono da construtora Carvalho Hosken, o engenheiro foi pioneiro ao apostar na Barra como reduto de moradores das classes média e média alta. Por sua influência, o “sertão” virou a “Miami carioca”. Carlos é o remanescente de um grupo de quatro empresários que compraram terras, a custo baixo, para levantar projetos residenciais e comerciais na região. Nesta corrida do ouro rumo à Zona Oeste, também chegaram na frente Múcio Athayde (1936-2010), o italiano Pasquale Mauro (1927-2016) e o cingapuriano Tjong Hiong Oei (1922-2012), conhecido como o “Chinês da Barra”.

— Diferentemente dos outros investidores, Carlos sempre se preocupou em desenvolver parcerias que mantivessem essas áreas valorizadas — diz o presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil (Sinduscon), Claudio Hermolin.

Em evento recente, Eduardo Paes destacou outras qualidades do empresário:

— Se não fosse o Carlos, com a ousadia dele e um certo abuso, não teríamos feito a Olimpíada — disse o prefeito.

Ao longo dos anos 1970, Carlos Carvalho comprou terrenos num total de dez milhões de metros quadrados na região da Baixada de Jacarepaguá — área equivalente aos bairros de Copacabana, Leme e Botafogo. Com esse movimento, mudou o foco da empresa, que, na década anterior, fazia obras principalmente na Zona Sul carioca e nas cidades-satélite no entorno de Brasília.

A partir daí, saíram do papel projetos como os dos condomínios Atlântico Sul (onde ele mora, em uma cobertura), o Rio 2 e o llha Pura (que funcionou como a vila dos atletas na Olimpíada de 2016), além do Península e do hotel Hilton Barra, entre outros empreendimentos.

— A Barra tinha potencial para se desenvolver mais rapidamente, mas tivemos uma crise econômica nos anos 1980. Na mesma época, a extinção do Banco Nacional da Habitação (BNH) atrapalhou os negócios, por falta de linhas de financiamento — lembra o empresário.

Segundo cálculos da construtora, desde os anos 1970 a Carvalho Hosken lançou cerca de 20 mil unidades onde moram cerca de 80 mil pessoas. Relatório do Secovi (Sindicato dos Condomínios) estima que os proprietários paguem o equivalente a R$ 120 milhões de IPTU por ano.

O veterano conta que, de todos os projetos em que se envolveu, o Península é o seu preferido. Para tirá-lo do papel, a Carvalho Hosken construiu primeiro um condomínio popular em Jacarepaguá, onde foram reassentados moradores da antiga favela Via Parque, nos anos 1990. Depois, negociou com o Ministério Público um plano de recuperação ambiental para o entorno, em contrapartida ao licenciamento da obra.

— O Península foi um marco porque, além de atrair novas construtoras para a Barra, consolidou o bairro como objeto de desejo — diz Carvalho.

O presidente da Câmara Comunitária da Barra, Delair Dumbrosck, lembra das longas caminhadas que teve nos anos 1980 com Carvalho e o antropólogo Darcy Ribeiro, em uma trilha às margens da Lagoa da Tijuca, onde seria erguido o Península. A Carvalho Hosken comprou a área de 780 mil metros quadrados — do tamanho do Leblon — em 1978. As obras começaram em 1995 e deram origem ao empreendimento com 57 prédios para a classe média.

— Era curioso. Carlos falava de como a área tinha potencial, enquanto o Darcy discorria sobre antropologia e a importância do índio na civilização brasileira. Às vezes, tínhamos que interromper o passeio quando a maré subia rápido — conta Delair.

Polêmica em 2015

Em 2015, o empresário apareceu em ranking da agência Bloomberg: foi apontado o 13º homem mais rico do Brasil, com fortuna de 4,2 bilhões de dólares. Na mesma época, se envolveu em polêmica internacional quando, em entrevistas ao jornal britânico The Guardian e à BBC Brasil, disse que a Barra representava um novo Rio de Janeiro e que o Ilha Pura precisava ser moradia nobre, e não moradia para os pobres. Depois, alegou que foi mal interpretado.

Descrito como workaholic, Carvalho deixou a presidência da empresa em 2021. Foi sucedido por Carlos Felipe, de 46 anos, o caçula de seus quatro filhos. O patriarca ainda frequenta a sede na Avenida das Américas, onde preside o conselho duas a três vezes por semana e pede detalhes sobre projetos. Na lista de planos para o futuro está o primeiro empreendimento de moradias populares da construtora na região, financiado pelo Minha Casa Minha Vida para a faixa de até três salários mínimos.

O arquiteto Sérgio Magalhães, ex-presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), avalia que o sucesso do empresário e de outros empreendedores na região deve muito à ideia de que morar na Barra da Tijuca era símbolo de qualidade de vida. Ele também aponta o apoio governamental.

— Em lugar de aplicar recursos nos bairros já consolidados da Zona Norte, aproveitando infraestrutura existente e evitando que se degradassem, a expansão da cidade virou política pública — diz.

O patriarca, se estivesse começando agora, continuaria investindo rumo ao Oeste:

— Recomendaria as regiões das Vargens (Grande e Pequena) e Guaratiba — sugere ele


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