Meu público vai cada vez menos comprar imóvel no futuro, diz CEO da MRV

em Folha de São Paulo, 26/abril

Segundo Eduardo Fischer, a maior inovação do mercado imobiliário virá da mudança comportamental das pessoas.

Para o diretor-presidente e diretor executivo de produção da MRV&Co, Eduardo Fischer, o grande impulso para inovações no mercado imobiliário não virá da tecnologia da construção, mas da mudança de comportamento da população.

Fischer toma como exemplo seu filho de 23 anos, que, ao completar 18, disse ao pai que preferia não ter carro, algo impensável há alguns anos.

O executivo nota que a dinâmica da vida está começando a mudar entre o público-alvo da MRV: jovens entre 28 e 30 anos. "Imagina uma pessoa com a idade do meu filho. Ela não quer nem falar em casar agora, está pensando em morar em outro lugar, mas também não sabe se é definitivo. Pode ser que não seja. Essa pessoa vai fazer um financiamento bancário longo? Não vejo isso acontecendo", pondera.

Fischer aposta que essa tendência não acontece só na classe média e alta. Voltada quase que unicamente para o segmento de baixa renda e de olho nas mudanças geracionais, a MRV importou dos Estados Unidos um modelo de locação de moradia que ocupa um espaço exíguo no Brasil.

Trata-se de imóveis multifamiliares. Com a marca Luggo, a empresa oferece facilidade no aluguel ao mesmo tempo em que traz vastas opções de serviços em condomínios, para suprir as necessidades das novas gerações.

No lugar de vender unidades para vários donos, um único proprietário, como um fundo ou uma grande empresa, compra o condomínio inteiro, o que permite uma gestão centralizada dos serviços. Confira a seguir outros trechos da entrevista.

Rubens Menin, dono da MRV, falou bastante no ano passado sobre os juros reais, que estavam em um patamar elevado e que o Banco Central demorou muito para baixar os juros. Do meio do ano passado para cá, foram seis cortes de 0,5 ponto percentual. O que mudou para a construtora?

Tem dois jeitos de olhar para isso. Normalmente, uma taxa de juros alta leva a um crédito imobiliário caro e escasso. Mas o mercado imobiliário brasileiro tem o FGTS [Fundo de Garantia do Tempo de Serviço], que financia o segmento de baixa renda, que é onde a gente opera 85% do negócio. E o FGTS não é afetado pela Selic mais alta, porque ele é dado.

Mas tem a poupança, que também financia imóveis e é muito afetada por uma Selic mais alta, porque a poupança é esvaziada em direção a outros investimentos [que rendem mais com os juros altos]. E aí você tem um funding [financiamento] mais escasso. Na hora que isso acontece, sobe de custo [o crédito imobiliário]. Então isso nos afeta muito.

Na outra ponta, como a nossa indústria é de capital intensivo, uma Selic alta encarece a tomada de crédito da própria incorporadora. O que mais atrapalhou é que a gente estava com a Selic em 2% e foi para 13% em um período curto. Então, você toma crédito para pagar em cinco anos a 2% e, um ano depois, já está em 13%. Isso dá uma desequilibrada muito grande.

E, agora sim, de fato, a gente vem numa jornada de cortes. Temos um desafio macroeconômico para ajustar, mas eu vejo o governo engajado, especialmente o ministro da Fazenda [Fernando Haddad], que está falando em déficit zero.

Os esforços do governo têm sido suficientes?

Se o ministro vai ou não alcançar [o déficit zero], pelo menos ele está lá estendendo bandeira. Eu acho que isso é fundamental para nós.

Eu fico brincando que sou viciado em longo prazo, porque se você pensar que a gente compra um terreno e demora de dois a três anos para aprovar um projeto; depois, vou lançar o empreendimento, vender; aí, em seis meses, começo a construir, vou levar mais dois anos construindo; entreguei o empreendimento.

Agora tenho mais cinco anos de garantia e recebíveis de clientes que vão me pagar. É um ciclo de uma década. Então, eu brinco que a incorporação é um ato de fé. Você tem que acreditar que o Brasil é equilibrado.
No ano passado vocês tiveram recorde de vendas. A que isso se deve? Tem a ver com a repaginada do Minha Casa, Minha Vida?

Tivemos um crescimento de venda de 45% no ano passado. De fato, o que aconteceu? Você teve uma alteração dos parâmetros do Minha Casa, Minha Vida, que ajudou bastante. E isso é importante. Os Estados Unidos também têm um problema de habitação de baixa renda alto. Esse é um desafio global, não é do Brasil.

Com este pós-pandemia, teve uma explosão inflacionária, um encarecimento da moradia, seja para locação, seja para compra. A recalibrada do Minha Casa, Minha Vida veio para fazer com que a família de baixa renda voltasse a ter capacidade de compra. O FGTS Futuro vai ajudar demais nisso. Você reabilita uma parte grande da população que estava meio que alijada no mercado.

Ao mesmo tempo, a MRV estava pronta para capturar essa demanda. A gente nunca mudou o foco [na baixa renda]. E ao longo do tempo fomos nos preparando para atender cada vez melhor esse mercado.

Além das vendas históricas, no quarto trimestre do ano passado a MRV voltou a gerar caixa, apesar de ainda estar no prejuízo. Quando vocês acham que vão conseguir gerar lucro?

Neste ano já tem lucro. Só para contextualizar, dois insumos muito pesados nos nossos custos, concreto e aço, dobraram de preço. E nossa indústria tem uma peculiaridade: eu vendo antes e construo depois. Quando eu vendo o imóvel para você, o preço está dado. Mas nesse meio tempo, dobrou o custo.

E como a gente vai construindo ao longo de dois, três anos, são dois, três anos em que essas margens baixas ficam passando pelo balanço. Tem outra particularidade: eu vou apurando a receita à medida que construo. Vamos supor que você compra um prédio meu à vista. Se eu não construir nada, eu não apuro receita. Eu só tenho uma dívida com você, de entregar o imóvel. E o inverso é verdadeiro: eu construí o prédio inteiro, mas não vendi nada, minha receita apurada é zero.
E olhando para o futuro, em quais estratégias e tendências vocês estão apostando?

Acho que a grande mudança que vem na nossa indústria é de comportamento, não necessariamente de produto. A maior delas que eu consegui identificar é: as pessoas vão querer fazer financiamento de 30 anos? Vou te dar um exemplo. O meu filho mais velho tem 23 anos, quando fez 18 eu disse: "Vou te dar um carro". E ele respondeu: "Eu não quero. Não preciso". Para mim aquilo é impensável. Até hoje eu tenho carro, eu quero ter carro. Mas eu sou de outra geração.

E o meu cliente padrão tem 28, 29, 30 anos. São casais que estão começando a vida juntos ou jovens solteiros que estão saindo da casa dos pais. Ou seja, meu filho, daqui a seis anos, vai ter a idade média do meu cliente. Se ele não quer ter carro hoje, será que ele vai querer ter apartamento?

Acho que a grande inovação que vai vir na nossa indústria é comportamental, não de tecnologia de construção, que pode até acontecer, já tem alguns movimentos mundo afora, mas minha maior inquietude é com o comportamento.
Você acha que vai aumentar a proporção de jovens que vai alugar?

Isso é meio que dado, na minha visão. A dinâmica da vida mudou. Imagina uma pessoa com a idade do meu filho, ela não quer nem falar em casar, está pensando em morar em outro lugar, mas também não sabe se é definitivo. Pode ser que não seja. Quando vai casar? Vai ter filho? Essa pessoa vai fazer um financiamento bancário longo? Não vejo isso acontecendo.

E aí essa pessoa não quer uma vaga de garagem. Mas, ao mesmo tempo, ela chega em casa e tem lá um mercadinho. Você tem uma dinâmica de mudança também, tem muito divorciado. De repente, a pessoa tem um lugar onde ela aluga com móvel. Você tem uma série de serviços que vão dar tranquilidade: concierge, lavanderia, lugar para fazer uma festinha. É serviço pleno. É serviço de assinatura de imóvel. E aí entra a Luggo.
O que é a Luggo, marca da MRV?

É um negócio bacana, porque é uma experiência de fato, não é a locação de uma unidade. A pessoa tem internet, ela pode alugar os móveis, ela pode alugar uma vaga de garagem, você tem mercadinho, você tem lavanderia. Então, é uma experiência totalmente diferente. De fato, você tem muito mais assistência do que alugar um apartamento de um proprietário. Na Luggo você tem um concierge na propriedade. Se teve algum problema, o cara está lá e resolve na hora.

Só para você ter uma ideia do número real: na média, essas pessoas da Luggo gastam 10% do aluguel com serviços dentro do imóvel, seja no mercadinho, na lavanderia, aluguel de carro. Porque tem carro para assinatura lá dentro do condomínio.
É um modelo bem diferente

É um negócio que vale entender. É uma unidade de negócio que a gente enxerga bastante potencial. Se eu olhar para esse mercado que eu acabei de narrar para você, no Brasil, é minúsculo. Tem pouquíssimos caras mexendo nisso. Mas é um mercado nos EUA muitíssimo maduro. O que a gente aprendeu lá com a Resia [marca da MRV que opera nos EUA]? A Resia é um mercado de locação e multifamília. Então, a gente desenvolve um projeto, constrói esse projeto, ocupa ele com locação, também para baixa renda, e vende o ativo inteiro, performado já.

Então, você tem funding, tem crédito, tem companhias grandes, de capital aberto, que fazem isso. Aqui era um mercado inexistente no Brasil, não tinha isso. E a gente trouxe, baseado nesse modelo da Resia, a Luggo aqui no Brasil. Fazendo exatamente a mesma coisa. Eu não tenho dúvida, especialmente se o macro estiver equilibrado, que esse é um mercado que vai explodir. A demanda é impressionante.


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