Viver em meio à natureza é novo luxo nas metrópoles

em Valor Econômico, 31/janeiro

Incorporadoras das capitais brasileiras criam refúgios urbanos com bosques privativos para reconectar pessoas ao verde e elevar a experiência de bem-estar dos moradores.

Viver cercado de verde, ouvindo o canto dos pássaros e o som da água corrente de um riacho, parece utopia para quem mora nos grandes centros urbanos, onde o déficit de vegetação nativa só faz crescer a cada ano. Pensando em tornar esse sonho possível, incorporadoras de alto padrão têm desenvolvido projetos com áreas verdes tão ou mais relevantes do que as construções em si, criando uma atmosfera de bem-estar associada à natureza.

A proposta vai ao encontro de estudos científicos que elencam diversos benefícios proporcionados pelo convívio diário com o meio ambiente natural: redução do estresse, elevação do nível de serotonina (hormônio responsável pelo bem-estar), aumento da produtividade e da capacidade cognitiva, melhoria no humor e estímulo à prática de atividades físicas.

Na capital paulista, na região do Jockey Club de São Paulo e a poucos minutos da Avenida Faria Lima, centro financeiro da cidade, a G.D8 Incorporadora lança neste ano o condomínio Amazon Haus, com apenas quatro residências em um terreno com três mil metros quadrados, onde quase 80% serão destinados a mata replantada.

“Cada casa terá 765 metros quadrados de área construída e outros 400 metros de floresta. Não há nada similar no mercado paulistano hoje”, explica Daniel Ribeiro, CEO da G.D8.

O executivo acredita que o preço da metragem de área verde deveria ser superior ao da planta em si. “Afinal, quanto custa morar em meio à natureza em plena São Paulo?”, pergunta. Cada Amazon Haus custará cerca de R$ 35 milhões.

No Rio de Janeiro (RJ), a incorporadora Azo adquiriu em 2023 um terreno de 10,7 mil metros quadrados às margens da Lagoa da Tijuca, no bairro Península, Zona Oeste da cidade, em que 5,3 mil metros quadrados são de área de proteção permanente (APP), com restrições a construções. “Comprei mesmo assim porque acreditei que esse era exatamente o diferencial e o principal atrativo do terreno”, explica José de Albuquerque, CEO da Azo Inc.

No local, a empresa lançou em outubro o Insigna: um residencial com 39 casas assinadas pelo escritório Königsberger Vannucchi — Arquitetos Associados, com interiores de Patrícia Anastassiadis e paisagismo da Cardim Arquitetura Paisagística. “Conseguimos inserir residências de 262 a 364 metros quadrados dentro da natureza. As pessoas terão uma floresta intacta exuberante e uma lagoa no quintal de casa. Onde você encontra algo igual no Rio?”, indaga Albuquerque.

Segundo ele, a pandemia despertou nas pessoas o desejo de viver perto da natureza. “Alguns clientes disseram que só fecharam negócio porque o empreendimento está imerso na mata. Foi um fator decisivo na hora de escolher o nosso produto e não os de concorrentes na região”, diz. As obras do Insigna começam em junho, com entrega prevista para o fim de 2028.

Em Curitiba (PR), a incorporadora AG7 colocou no mercado em novembro o Ícaro CasaTérrea, no bairro Novo Ecoville. Metade do terreno de 20 mil metros quadrados do empreendimento será formada por um bosque de araucárias e outras espécies nativas de Mata Atlântica e Campos Gerais.

Serão 38 “casas suspensas” de 490 a 1,45 mil metros quadrados, distribuídas em quatro torres de seis pavimentos cada. “Muitas ficarão na altura da copa das árvores, criando uma sensação de proximidade com a natureza e valorizando ainda mais o fato de estar em meio à floresta privativa”, afirma Alexia Motter, engenheira-líder do projeto.

Parte desse bosque será área comum e terá trilha para caminhada, quadra de “beach tennis” e piscina. “Nosso sonho é ver as crianças voltando sujas de terra para casa, passando menos tempo nas telas digitais e mais com os pés na grama”, comenta Alexia.

Novo paradigma

O apelo de áreas verdes mais robustas nos projetos urbanos tem crescido nos últimos anos, tomando espaço do paisagismo decorativo.

“É um caminho sem volta: o mundo mudou, e as pessoas também. Hoje o paisagismo sustentável é tão protagonista de um empreendimento quanto a arquitetura”, analisa Ricardo Cardim, da Cardim Arquitetura Paisagística.

Segundo ele, a demanda de trabalho tem aumentado ano a ano. “Abri o escritório em 2016 e hoje tenho 40 profissionais e mais de 200 projetos simultâneos em andamento pelo Brasil todo”, detalha.

Cardim leva a seus clientes o “floresta de bolso”, um conceito que visa restaurar a vegetação nativa de cada região através do plantio de espécies originais em uma dinâmica natural de competição/cooperação, uma composição semelhante à que ocorreria em uma floresta jovem. “Com isso, você consegue restaurar áreas verdes muito rapidamente: em dois ou três anos, as árvores alcançam oito metros de altura com um mínimo de manutenção”, afirma.

Ele ressalta que o paisagismo sustentável ajuda a diminuir a temperatura ambiente, atrai de volta pássaros e outros animais da fauna local e promove uma conexão real das pessoas com a natureza ainda possível dentro das cidades.

“Além disso, tem um caráter cultural e educacional importante, mostrando que as plantas brasileiras são dignas de estar no restaurante da moda, no hotel de luxo e nos prédios sofisticados. São espécies magníficas, que merecem nossa atenção.”


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