Setor teme que reforma tribute locador

em Valor Econômico, 13/novembro

Advogados afirmam que texto atual abre brecha para cobrança de proprietário pessoa física.

O setor imobiliário está preocupado com o possível impacto da reforma tributária sobre o encarecimento de aluguéis residenciais.

No novo regime de IVA dual, o PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS serão substituídos pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). A atividade de locação imobiliária feita por pessoas físicas, que só é tributada pelo Imposto de Renda, pode ter uma brecha para ser tributada no novo regime de impostos, segundo as fontes consultadas pelo Valor.

O temor é que, ao ter seus ganhos com os aluguéis mais tributados, os proprietários optem por elevar o valor da locação ou desistam da modalidade, preferindo investimentos no mercado financeiro, o que poderia restringir a oferta de imóveis - e reforçar o aumento de preços.

Entidades do setor imobiliário estão em conversas com políticos e a equipe que organiza a reforma para minimizar esses efeitos temidos, e estão sendo bem recebidos, conta Rodrigo Luna, presidente do Secovi-SP.

No texto mais recente da reforma, o setor já conseguiu um redutor de 60% para a alíquota base do IBS e do CBS, que está em 26,5% - ou seja, haveria um desconto de 60% sobre essa carga tributária. Cálculos de advogados ligados ao setor, como o sócio-fundador do escritório VBD Advogados, Rodrigo Dias, apontam, no entanto, que seria necessário um redutor de 80% para as locações, para se manter a mesma carga atual de impostos.

Nos cálculos de Dias, a carga tributária total de um imóvel fica pouco abaixo de 14%. Com a reforma, poderia alcançar 18%. “Com tributação próxima de 20%, o investidor pode questionar se vale comprar apartamento para alugar, ter renda de cerca de 7% ao ano, tributada a 20%, ou colocar isso no banco, onde será tributado em 15%.”

Moira Regina de Toledo, advogada e vice-presidente de risco e governança da imobiliária Lello, ressalta que o texto permite uma interpretação de que pessoas físicas que alugam imóveis também podem ser tributadas pelo regime da reforma, caso ele seja usado “de forma preponderante em suas atividades econômicas”.

Para os advogados ouvidos pelo Valor, os termos são vagos.

Fernanda Figlioulo, sócia especialista em direito tributário do Machado Meyer, analisa que uma pessoa que tem um único imóvel dificilmente se enquadraria nisso, mas a zona fica cinzenta se o número de propriedades for de três, por exemplo, ou se o valor do aluguel for expressivo.

Uma situação, hipotética, é a que mais preocupa: aposentados que possuem imóveis alugados para complementar a sua renda. Eles não têm outra atividade profissional e podem, com alguma facilidade, ter mais renda vindo da locação dos imóveis do que do benefício previdenciário. Seriam tributados? Há margem para dúvidas.

Com a tributação, o investidor pode questionar se vale a pena comprar um apartamento para alugar” — Rodrigo Dias

Outro ponto que pode pesar contra o pequeno investidor em imóveis para aluguel é que a reforma prevê que sejam computados “créditos” sobre o valor a ser pago de IBS e ICBS, de acordo com impostos pagos anteriormente e que estejam relacionados ao objeto alvo da tributação, que foram embutidos em insumos e serviços.

No caso do locador de um imóvel, por exemplo, esses créditos poderiam vir dos materiais usados em obras ou reformas, e de serviços de manutenção.

Porém, a pessoa física dona de imóveis, que antes não estava nesse sistema tributário, provavelmente não terá como comprovar esses créditos, lembra Dias, simplesmente porque não sabia que precisaria provar que esses impostos foram pagos um dia. Dessa forma, esse locatário ficaria “só com o ônus” da reforma, afirma o advogado.

Já pessoas físicas que investem em imóveis por meio de cotas de fundos de investimento imobiliário (FIIs) não precisam se preocupar, porque eles não entram na reforma. Essa diferença é apontada como um problema, por não ser “justa” com a pessoa física que prefere ter o bem em seu nome. Por outro lado, pode incentivar investimentos nos fundos, afirma Figlioulo.

A reforma tributária visa substituir impostos que incidem mais sobre empresas, as pessoas jurídicas. Companhias que alugam imóveis, portanto, já pagam ISS e ICMS e devem sentir alta nos custos.

Embora o mercado imobiliário de locação seja muito pulverizado no Brasil e a locação residencial feita por grandes empresas ainda esteja engatinhando, pequenas holdings familiares, que conjugam alguns imóveis, são comuns, conta a advogada Martina Zajakoff, também sócia do Machado Meyer, especialista em direito imobiliário.

Essas holdings são criadas para planejamento sucessório e, principalmente, para reduzir a carga de imposto de renda sobre os imóveis. Como explica Dias, uma pessoa física pode pagar em torno de 17,5% de imposto de renda sobre um aluguel de R$ 10 mil. Já uma empresa pagaria 15%. Os R$ 10 mil são usados como exemplo porque, segundo ele, é a partir desse valor que compensa migrar para a pessoa jurídica, ao se considerar os custos maiores que surgem com a manutenção de uma empresa.

Zajakoff lembra que esse tipo de arranjo é muito comum, principalmente entre pessoas mais velhas, que compraram imóveis como investimento e para segurança patrimonial, e também os recebem de herança.

Um relatório da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado, apresentado pelo senador Izalci Lucas (PL-DF) no fim de outubro, propôs os 80% de redutor de alíquota que são almejados pelo setor. “Não significa que o relator ou os senadores vão aceitar a proposta, mas está em negociação”, afirma Figlioulo.

Como comparação, a advogada cita que há países com sistema IVA que não tributam a locação, mas em outros, como em Portugal, há essa previsão. “O Brasil não será o único”.

Toledo, para quem o redutor sem aumento teria pontos “devastadores” sobre o setor imobiliário, afirma que foram apresentas ao Senado “umas 50 emendas sobre a questão locatícia”. Também há críticas sobre a obrigação de pagar os impostos mesmo que o inquilino esteja inadimplente.


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