Retrofitar ou demolir: como renovar a paisagem urbana?
em Valor Econômico, 12/julho
As estratégias das incorporadoras têm dividido opiniões e movimentado o debate sobre a atualização imobiliária nos principais centros urbanos do país.
O anúncio recente da demolição de um prédio comercial no Itaim para a construção de um novo residencial de alto padrão gerou forte engajamento nas redes sociais e debate sobre a renovação da paisagem imobiliária da capital paulista. Afinal, é melhor derrubar ou retrofitar um edifício?
O projeto em questão é o Orla Paulistana, da incorporadora Global Realty Brasil (GRB), que ocupará o terreno onde há um edifício de oito andares pouco ocupado. No lugar, será erguido um residencial com unidades compactas nos pisos mais baixos; no intermediário, lounge, área gourmet e piscina de borda infinita — com vista para o “mar verde” do Jardim Europa e da Paulista, daí o nome do condomínio —; e residências de 200 metros quadrados nos andares mais altos. O VGV é de R$ 170 milhões.
“É um prédio subutilizado e desatualizado em uma região onde falta terreno para incorporação. Após três anos de negociação, adquirimos o imóvel por R$ 30 milhões, vamos demolir e entregaremos algo novo e melhor para a cidade”, afirma o CEO da GRB, André Fakiani.
A conta feita pela incorporadora é simples: retorno sobre o investimento. O futuro condomínio terá o dobro da altura, com apartamentos amplos e metro quadrado a partir de R$ 50 mil, em um dos bairros mais valorizados do país. Além disso, está dentro das regras de adensamento previstas no Plano Diretor da cidade e será altamente sustentável: 80% dos itens do prédio original serão reciclados e reutilizados em outras obras.
Essa é uma tendência nova não só em São Paulo. Em outras cidades do país onde há escassez de terrenos, o método começa a se estabelecer. Um exemplo vem de Balneário Camboriú (SC), onde a incorporadora Embraed adquiriu em junho o Ivo Agostinho Roveda, na Avenida Atlântica, com apartamentos avaliados em R$ 9 milhões.
O prédio será demolido para dar lugar a um novo arranha-céu. “Esse movimento tem se intensificado mais a cada ano”, analisa Bruno Cassola, corretor local especializado no segmento de alto padrão.
Pioneirismo carioca
No Rio de Janeiro, demolir para construir projetos novos já é uma prática bastante disseminada, principalmente na Zona Sul. A Balassiano Engenharia desenvolve cinco projetos na região com essa finalidade. Dentre eles, o Alma Ipanema Residencial Style (parceria com o Opportunity Imobiliário) e o Vista Ipanema, com 36 unidades, que será erguido no lugar de dois prédios vizinhos que foram demolidos.
“Compramos os dois ao mesmo tempo. Como a escassez torna o custo dos terrenos muito alto, não dá para perder tempo negociando um a um. Isso pode acabar matando o projeto”, explica o sócio da Balassiano Engenharia Thiago Balassiano.
Na Lagoa, a Performance Empreendimentos entregou em 2021 o Borges 3647, com apartamentos de cem a 315 metros quadrados. O residencial antigo tornou-se um dos endereços mais cobiçados da cidade.
“É um projeto premiado, com fachada que se abre para as vistas de diversos cartões postais do Rio e plantas espaçosas para proporcionar mais qualidade de vida aos moradores”, disse o COO da companhia, Renato Leite.
O executivo acredita que a estratégia de demolição só não está mais propagada no mercado carioca por conta de indefinições na legislação. Uma medida que tramita na Câmara Municipal pretende autorizar a reconstrução na mesma volumetria do prédio original. Mas há um adendo em análise que prevê a cobrança de outorga sobre cada pavimento que estiver acima do gabarito estabelecido pelo Plano Diretor.
“Isso põe por terra uma solução para renovar a paisagem urbana do Rio. Há muitos ativos que não são mais adequados ao uso e às demandas da vida moderna. Essa é uma oportunidade para modernizar e requalificar diversas áreas da cidade”, conclui Leite.
Valor histórico e charme extra sustentam a defesa do retrofit
Ressignificar prédios atende a interesse pela preservação do patrimônio e pela combinação de tradição e modernidade
Os executivos pró-demolição são uníssonos ao justificar suas escolhas: custos que podem mudar durante a obra, limitações técnicas do projeto e dificuldade de alcançar o preço de um prédio novo.
Mas os incorporadores adeptos do retrofit alegam que valores intangíveis, como a preservação do patrimônio e da identidade dos bairros, também devem ser levados em conta.
No Rio, a SIG Engenharia entrega em 2025 o IPA Studios Design: retrofit do Hotel Everest, em Ipanema, com 190 estúdios e gardens. O metro quadrado pode chegar a R$ 55 mil.
“Por se tratar de um ponto turístico muito forte e pela avaliação de dano ambiental que a demolição causaria no bairro, entendemos que o retrofit seria a melhor opção para o projeto”, comenta o diretor da SIG Engenharia, Jorge Mauricy.
Para ele, o apelo histórico também é importante, inclusive para a estratégia comercial. “É uma tendência consolidada na cidade, um charme extra para os clientes, porque reúne tradição e modernidade”, diz Mauricy.
Maxime Barkatz, CEO da Ilion Partners — gestora especializada na aquisição e no reposicionamento de ativos na região central de São Paulo —, concorda e cita dois projetos que alcançaram preços maiores do que concorrentes novos por causa dessa visão: o Cidade Matarazzo, na Bela Vista, e o Basílio 177, na República.
“Os paulistanos estão mais abertos a conviver com o patrimônio e a História, e há uma oportunidade de usar essa questão em favor do empreendimento imobiliário”, afirma Barkatz.
Ele lembra que o interesse do incorporador/investidor nem sempre é o mesmo da sociedade. “É natural que o primeiro prefira o que dá mais rentabilidade ao projeto, mas há um apelo claro da sociedade sobre a questão ambiental e a preservação do tecido urbano, da memória coletiva e do patrimônio das cidades. Isso tem gerado um interesse crescente pelo retrofit.”
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