Bolsa de valores no Rio busca fomentar mercado financeiro na cidade: entenda o que muda
em G1, 6/julho
O início da operação da nova bolsa de valores, que deve competir com a B3, de São Paulo, está previsto para o 2° semestre de 2025. Com a redução do ISS para o setor, a Prefeitura do Rio espera atrair empresas do mercado financeiro.
O Rio de Janeiro voltará a ter uma bolsa de valores após mais de 20 anos. A iniciativa foi confirmada na última quarta-feira (3) pelo prefeito Eduardo Paes (PSD) e o CEO do Américas Trading Group (ATG), Claudio Pracownik. A ATG, empresa responsável pela operação da nova bolsa, pertence ao fundo de investimentos Mubadala Capital, dos Emirados Árabes Unidos.
A nova bolsa de valores do Rio de Janeiro só deve ser inaugurada no 2° semestre de 2025 - não tem nem sede definida ainda - mas já surge como um possível marco de desenvolvimento para a cidade, visto seu potencial de atração para empresas do setor financeiro, segundo os defensores do projeto.
Especialistas ouvidos pelo g1 explicaram que a iniciativa não trará grandes mudanças para o investidor, mas aposta na redução de impostos para trazer empresas para a cidade.
O que os defensores do projeto dizem que ele pode trazer:
- Mais empresas do setor financeiro na cidade;
- maior oferta de emprego nessas empresas, que pagam salários acima da média municipal;
- aquecimento de outros setores da economia como imobiliário, serviços, gastronômico e etc;
- aumento da oferta de empregos indiretos;
- aumento na arrecadação de ISS;
- e previsão de novos investimentos para o município.
Junto a chegada de novas empresas, uma bolsa de valores forte na cidade tem o poder de movimentar a economia local, gerando empregos, impulsionando o mercado imobiliário e de serviços, além de atrair novos investimentos para o município. Tudo depende, porém, do volume de operações que a nova bolsa vai conseguir atrair.
Segundo o coordenador do MBA de Gestão Estratégica e Econômica de Negócios da FGV, Mauro Rochlin, a iniciativa pode gerar um "efeito multiplicador", beneficiando vários setores da economia.
"Se a bolsa tiver volume grande de operações isso vai atrair instituições que participam desse mercado: corretoras, empresas de consultoria que operam em torno da bolsa, bancos. As operações como a venda de ações, derivativos, cambio e outros mercados, que são realizadas através da B3 (bolsa de valores de São Paulo), poderão ser feitas na bolsa do Rio", explicou Rochlin.
"Todos esses agentes econômicos que orbitam a bolsa representam atividades econômicas para o Rio e empregam muita gente, com salários altos. Isso representa geração de renda na cidade e, por sua vez, tem novas consequências. No entorno dessas pessoas vai se gerar um mercado de serviços para atender esse setor. Gera um efeito multiplicador para a economia", vislumbrou.
O especialista em finanças e investimentos Hulisses Dias também aposta que a chegada da nova estrutura de negócios pode fomentar o crescimento econômico do município.
"Desde o setor financeiro até a infraestrutura e serviços relacionados, contribuindo para a diversificação econômica do Rio de Janeiro. Além disso, a nova bolsa gerará empregos diretos e indiretos, necessitando de profissionais qualificados para operar e gerenciar as atividades da bolsa, além de impulsionar a demanda por serviços de tecnologia e segurança", explicou o Dias.
De acordo com os futuros gestores, a bolsa do Rio chega ao mercado para competir com a B3, a única bolsa de valores autorizada a funcionar no país. Atualmente, a bolsa do Rio está em fase final de obtenção das autorizações regulatórias junto ao Banco Central (BC) e à Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
Entre as atividades da nova bolsa estarão:
A negociação de ações, derivativos de ações, títulos de renda fixa, títulos públicos federais, derivativos financeiros, moedas à vista e commodities agropecuárias.
Os gestores informaram que a bolsa do Rio irá negociar as mesmas ações da B3, incluindo os papéis das ‘blue chips’ brasileiras, como a Vale do Rio Doce e Petrobras, por exemplo.
O sucesso da nova bolsa do Rio depende da mobilização das empresas que atuam no setor. De acordo com os especialistas, o mercado vai dizer se o Brasil tem o porte necessário para viabilizar duas bolsas de valores.
Imposto reduzido
O maior incentivo oferecido pelo poder público municipal para a instalação da bolsa de valores no Rio é a redução do ISS (Imposto Sobre Serviços) de 5% para 2%. Com isso, a prefeitura espera atrair as empresas que utilizam a bolsa de valores para fazer negócios.
Segundo Mauro Rochlin, a nova bolsa não muda nada na vida do investidor, aquela pessoa que quer comprar ações ou títulos públicos, por exemplo. A ação vendida na bolsa de valores de São Paulo vai ter o mesmo preço na bolsa do Rio. A grande mudança é em relação ao imposto cobrado para as empresas que atuam nesse setor, como corretoras e bancos.
"A bolsa do Rio vai ser uma concorrente da bolsa de São Paulo. A diferença é que as empresas com sede no Rio que operam na bolsa do Rio vão pagar 2% de ISS, enquanto que as empresas com sede em São Paulo vão pagar 5%. Comprar uma ação na bolsa do Rio ou em São Paulo não significa custo nenhum. Mas para as corretoras e bancos ai sim há um imposto", disse Rochlin.
Além da redução do ISS pela prefeitura, o Governo do Estado também aprovou uma lei para oferecer benefícios fiscais para os "players" desse mercado.
Na última quarta-feira (3), o governador Cláudio Castro (PL) sancionou a lei que reduz o ICMS para a instalação e operação de datacenters e para a aquisição de equipamentos para o funcionamento deles em todo o estado. A medida no âmbito estadual tem como objetivo oferecer um ambiente mais favorável para atração de novas empresas, principalmente as do setor financeiro.
"A volta da bolsa de valores é a ponta do iceberg. É o esforço do governador, prefeito, atores políticos. O setor privado percebeu que tem uma concorrência a ser feita com São Paulo. Começamos a criar um ambiente econômico, um conjunto de atrativos, de novos mercados que surgirão" explicou Eduardo Paes.
Segundo a Secretaria Municipal de Fazenda e Planejamento (SMFP), o setor financeiro, no triênio 2021-2023, foi o quarto maior pagador de impostos (ISS) do Rio, com o valor de R$ 1,5 bilhão. Esse montante representou 9,1% da arrecadação total.
Dados do setor financeiro carioca segundo a SMFP:
- R$ 1,5 bilhão de arrecadação de ISS;
- 68,5 mil pessoas trabalham no setor financeiro no Rio;
- entre 2021-2023, o setor teve 2,7 mil novos empregos;
- salário médio do trabalhador do setor financeiro carioca é R$ 9,5 mil por mês;
- A cidade possui mais de 4 mil fundos de investimento;
"Os incentivos fiscais previstos tornarão o ambiente de negócios no Rio mais atrativo. Isso pode estimular a instalação de novas empresas na cidade, aumentando a arrecadação tributária e promovendo o desenvolvimento econômico".
"A concorrência com a B3 também pode resultar em melhores condições de mercado, com redução de custos de transação e maior eficiência nos serviços oferecidos, beneficiando investidores e empresas que buscam captar recursos", comentou Hulisses Dias.
Competição com São Paulo
"Aqui o beach tennis é na praia de verdade". Essa foi a frase que fechou o vídeo publicado pelo prefeito Eduardo Paes na quarta-feira (3). A postagem do prefeito sobre a chegada da bolsa de valores do Rio foi recheada de provocações bem-humoradas aos paulistas.
Além da expectativa otimista do prefeito, parte do mercado também recebeu bem a novidade da nova bolsa do Rio. De acordo com o especialista Hulisses Dias, a presença de duas bolsas de valores no país pode melhorar os serviços oferecidos e atrair novos investidores internacionais.
"A existência de duas bolsas de valores no Brasil é importante porque aumenta a competição, o que pode levar a maior eficiência e melhores serviços no mercado financeiro. A concorrência entre a B3 e a nova bolsa do Rio pode resultar em menores custos de transação e melhores condições para os investidores, incentivando mais empresas a abrir capital e captar recursos no mercado".
"Além disso, duas bolsas podem promover inovação tecnológica, com ambas buscando oferecer plataformas de negociação mais rápidas e eficientes, além de novos produtos financeiros que atendam melhor às necessidades dos investidores", argumentou Dias.
Apesar do otimismo de Eduardo Paes, nem todos os atores do mercado financeiro podem garantir o sucesso da nova bolsa de valores. Para Mauro Rochlin, existem dúvidas se o mercado nacional tem "tamanho" para duas bolsas.
"Existem dúvidas sobre a chance de sucesso da bolsa de valores no Rio. (...) A bolsa de São Paulo já está consolidada há muitas décadas. Há 40 anos a bolsa de São Paulo se tornou hegemônica e de algumas décadas para cá se tornou monopolista", comentou Rochlin.
"Eu compartilho das dúvidas a respeito do sucesso das duas bolsas. Mesmo com incentivo fiscal, talvez não seja suficiente para alavancar a bolsa do Rio", completou.
O alerta sobre os riscos também é compartilhado por Hulisses Dias, que considera o mercado brasileiro pequeno.
"O mercado brasileiro é relativamente pequeno em comparação com outros mercados globais, e a baixa participação de investidores pessoa física, que não chega a 5% da população, é um fator limitante. Desenvolver a infraestrutura tecnológica e competir com a já estabelecida B3, que possui know-how e capital acumulados ao longo de décadas, também são desafios consideráveis", pontuo Dias.
"Apesar disso, a entrada de novos players pode fomentar um ambiente mais saudável e competitivo, eventualmente trazendo benefícios como maior eficiência e menores custos, especialmente em segmentos que a B3 ainda não oferece as melhores soluções possíveis", ponderou.
Rio já teve bolsa forte
A Bolsa de Valores do Rio de Janeiro (BVRJ) foi fundada em 14 de julho de 1820, dois anos antes da independência do Brasil de Portugal. Apesar de não ter sido a primeira bolsa de valores do país (título da Bolsa de Valores de Salvador), a bolsa carioca foi a que teve maior relevância por mais tempo.
Segundo os historiadores, as maiores transações econômicas do país nos séculos XIX e XX aconteceram na BVRJ. Se no início os negócios se concentravam em fretes de navio, escravos, seguros e câmbio, com o tempo as ações de bancos e de grandes companhias começaram a ser negociadas na bolsa do Rio.
Apesar da concorrência histórica com a Bolsa de Valores de São Paulo, fundada em 1890, a BVRJ seguiu com maior destaque no país, pelo menos até a década de 1970.
O período de derrocada da bolsa do Rio teve início em 1960, quando o Rio deixou de ser capital do Brasil e o governo federal foi transferido para Brasília. Nos anos seguintes, a bolsa de São Paulo passou a assumir o protagonismo do setor financeiro nacional.
"A bolsa do Rio concentrava muito mais negócios, com mais liquidez e aqui eram realizados o maior volume de transações. Por uma série de questões estruturais, com a capital deixando de ser no Rio, a Bovespa (bolsa de São Paulo) passa a ganhar espaço. (...) São Paulo é o maior estado produtor do país sem dúvida e assumiu esse protagonismo. O Rio observou a migração desse setor para São Paulo", explicou Mauro Rochlin, da FGV.
Quebra da bolsa
Apesar das mudanças estruturais e de mercado, a bolsa de valores do Rio teve um duro golpe no final da década de 1980. Segundo especialistas, a crise provocada pelo caso Naji Nahas foi determinante para o fechamento do pregão nos anos 2000.
Nahas é um empresário libanês que chegou ao Brasil em 1970, com a fortuna que o pai acumulou em negócios no Egito. Nos anos 80, ele era apontado como um especulador financeiro de grande sucesso.
Alguns especialistas afirmam que as movimentações financeiras do empresário no Rio eram tão significativas que fizeram a bolsa carioca ultrapassar a bolsa paulista, que na época já era líder no setor.
Apesar das diferentes versões do caso, a queda da bolsa do Rio teria sido provocada por um cheque sem fundo de Naji Nahas. A operação seria na casa dos 30 milhões de dólares, deixando dívidas entre as corretoras e a BVRJ. O empresário também foi investigado por utilizar ’laranjas’ para a compra e venda de ações. O impacto da crise na época pode ter ultrapassado os 400 milhões de dólares. A Bolsa do Rio nunca se recuperou completamente daquele tombo.
Meses depois, o investidor teve a prisão preventiva decretada e, em 1996, foi multado em R$ 10 milhões pela CVM. Naji Nahas foi condenado a 24 anos e oito meses de prisão pela Justiça Federal. O empresário recorreu e ganhou o direito de deixar a prisão.
No fim de 2007, a Justiça declarou a inexistência de qualquer crime de Naji Nahas contra o Sistema Financeiro Nacional.
O empresário entrou com uma ação judicial contra a Bolsa do Rio pedindo indenização de R$ 10 bilhões por danos materiais. Contudo, em 2010, a Justiça julgou improcedente o pedido de indenização feito pelo investidor.
A rica história da Bolsa de Valores do Rio teve seus últimos momentos de glória na segunda metade da década de 1990, quando aconteceram os leilões de privatização de empresas estatais, como a Vale do Rio Doce, por exemplo.
Especialistas recordam que em 2000, dois anos antes de encerrar os trabalhos, a Bolsa de Valores do Rio movimentava cerca de R$ 10 milhões por dia, enquanto a bolsa de São Paulo ultrapassava a casa dos R$ 500 milhões por dia.
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