Santander cria crédito imobiliário sem usar poupança

em Valor Econômico, 9/julho

Solução voltada à incorporadoras usa certificados de recebíveis imobiliários (CRI) como principal fonte de recursos e abrange desde a fase prévia à obra até o período após a construção pronta.

Com a redução cada vez maior dos recursos da poupança para alimentar as linhas de crédito imobiliário, os bancos começam a recorrer ao mercado de capitais como forma de suprir o “funding” necessário para atender a demanda. Nesse cenário, o Santander desenvolveu um financiamento para incorporadoras que busca resolver o dilema de ter uma menor dependência da caderneta.

Chamado de Ciclo Estendido, o produto de crédito para empresas do setor usa a estrutura de certificados de recebíveis imobiliários (CRI) como principal fonte de recursos. A característica mais relevante, no entanto, é que a solução abrange tanto o momento pré-obra, quando há compra do terreno e lançamento do projeto, quanto a própria edificação e o período após a construção já estar pronta, no qual a companhia precisa fazer o repasse dos financiamentos das unidades vendidas na planta para as instituições financeiras.

“É um produto inovador, porque temos uma maneira de financiar o ciclo imobiliário sem a dependência da poupança”, afirma o diretor de negócios imobiliários do banco, Sandro Gamba. De acordo com o executivo, “um ponto importante do projeto é buscar alternativas de funding para o setor”. O diretor do Santander explica que a estratégia da instituição prevê concentrar os recursos subsidiados da caderneta no crédito para pessoa física e utilizar mais o mercado de capitais no caso das empresas.

Conforme o chefe de negócio imobiliário para pessoa jurídica do Santander, Robson Bhering, os custos antes de iniciar a obra, que abrangem terrenos, outorgas, potenciais construtivos e lançamento, estão cada vez mais relevantes. “Avaliamos que o processo de financiamento acaba se tornando pouco otimizado, porque o incorporador busca um financiamento pré-obra, por exemplo, por meio de investidores no mercado de capitais, e depois tem de buscar outra estrutura para a construção propriamente dita, em geral, por meio dos bancos, no chamado plano empresário. Após a construção estar pronta, tem a fase de repasse das dívidas dos compradores para as instituições financeiras, que assumem o financiamento.”

O executivo diz que o Ciclo Estendido reúne tudo em uma só estrutura e confere previsibilidade e tranquilidade no desenvolvimento de todo o projeto, “já que o incorporador tem um funding garantido em todas as fases”. Bhering explica que, dentro do novo formato de financiamento, é possível lançar séries diferentes para captações em momentos específicos, como no início do projeto e para custear os gastos da obra. “Mas toda a subscrição desse CRI já sai garantindo tanto o funding para o pré-obra quanto para a fase seguinte”, afirma o executivo.

Gamba complementa que a estrutura ajuda também a equilibrar o fluxo de caixa do projeto imobiliário, porque na fase pré-obra, o empreendedor costuma ter de fazer parte do pagamento do financiamento durante a construção. Com a unificação das etapas em uma mesma solução de crédito, o desembolso será feito ao término da obra, com o repasse da carteira de clientes. “É um modelo que a gente está desenvolvendo sem depender da poupança, ou seja, de um funding que a gente sabe que está restrito”, ressalta o diretor. “Nesse sentido, não temos limitação de funding [para o Ciclo Estendido]”, acrescenta.

O cenário de disponibilidade de recursos direcionados por meio da poupança tem ficado mais crítico a cada ano. Segundo dados da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip), a participação da caderneta na estrutura de funding do crédito imobiliário tem encolhido.

Em dezembro de 2021, a poupança exibia uma participação de 46% nessa estrutura. No fim de 2022, a fatia caiu para 40%. E no encerramento do ano passado, a caderneta passou a 34%, como reflexo de fortes saques ocorridos nos últimos três anos. Por outro lado, a demanda por CRIs permanece aquecida. O estoque desses certificados subiu de R$ 106 bilhões em 2021 para R$ 184 bilhões no fim de 2023.

Com essa redução de disponibilidade de recursos da poupança, “o mercado imobiliário precisa se reinventar”, diz Gamba. “Não se trata de suprir a diminuição da caderneta, mas de reduzir a dependência da poupança”, acrescenta. O diretor lembra ainda que, mesmo com a diminuição de relevância da poupança, o volume de recursos na estrutura do crédito imobiliário cresceu R$ 460 bilhões de 2021 para 2023, para um total de R$ 2,17 trilhões. “Parte do crescimento foi suprido pelo mercado de capitais, com títulos bancários como Letra de Crédito Imobiliário [LCI] e Letra Imobiliária Garantida [Lig], securitizados, como CRIs, e pelos fundos imobiliários”, afirma Gamba.

No total, os estoques de FII, CRI, Lig e LCI alcançam um volume de R$ 857 bilhões, que já representam 40% da estrutura de funding. Os recursos da poupança obrigatoriamente direcionados por lei, ou seja, 65% do saldo das instituições financeiras, atingem R$ 747 bilhões, com participação de 34%, segundo dados da Abecip do fim de 2023.

O diretor de negócios imobiliários acredita que a poupança vai continuar como principal fonte de recursos ao crédito imobiliário para pessoa física. “Isso porque é um financiamento de longo prazo. Nós estamos falando de 30 anos e, para esse público e essa estrutura de financiamento, a poupança continua e vai continuar muito importante.”

Conforme o executivo, no caso das operações de curto prazo o mercado de capitais pode assumir papel mais relevante. “Para operações de ciclo curto, como financiamento à construção, o funding de mercado pode ser mais interessante, porque a carteira pode ser securitizada [como lastro de CRI]”, diz.


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