Caixa quer fundo de pensão em habitação

em Valor Econômico, 1º/julho

Vice-presidente do banco discute com Fazenda mudança em normas da Previc para que fundações possam investir no segmento e atuar como ‘funding’.

A vice-presidente de habitação da Caixa Econômica Federal, Inês Magalhães, disse ao Valor que o banco discute com o Ministério da Fazenda a necessidade de mudanças em normas da Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc) para permitir que fundos de previdência façam investimentos na habitação, servindo assim como alternativa para o “funding” (financiamento) do setor.

“No mundo todo, os fundos [de previdência] normalmente são investidores nessa área, porque justamente é um investimento que é aderente a eles. Podem comprar papéis que façam sentido do ponto de vista da rentabilidade e prazos e que sejam lastro para o financiamento habitacional”, afirmou.

A questão do funding no crédito imobiliário, avalia, é um “desafio estrutural” não só da Caixa, mas de todo o sistema financeiro nacional. Ainda assim, considera que o cenário é mais preocupante no caso do banco público, já que a Caixa tem “compromisso com o desenvolvimento”, enquanto outras instituições podem reduzir a concessão de crédito habitacional. Dessa forma, afirma que é preciso buscar alternativas.

Uma decisão que dificultou o funding para habitação, explicou, foram as mudanças promovidas pelo Ministério da Fazenda na ampliação do prazo mínimo de vencimento das Letras de Crédito Imobiliário (LCIs). A Fazenda, disse ela, “atirou no que viu e acertou o que não viu ao tirar uma captação que hoje é importante para a manutenção dos níveis do crédito”.

Magalhães também comentou que o Banco Central não concorda, ainda, com a liberação de compulsório dos bancos para financiar a habitação. “Consideram uma medida muito de fôlego curto”, disse. A seguir, os principais tópicos da entrevista.

Crédito imobiliário
É um desafio estrutural, não só da Caixa. Temos uma estrutura de financiamento habitacional de 40 anos atrás e não surgiu nada estruturalmente novo que substituísse esses dois pilares: poupança e FGTS. O custo [do dinheiro] inviabiliza o crédito habitacional para a maioria da população. Estamos num momento em que temos uma demanda de mais ou menos 1,2 milhão de novos domicílios. A gente precisa responder, no mínimo, a isso para que essa demanda não se transforme em déficit.

Alternativas de funding
Estamos discutindo quatro coisas: a redução do compulsório, que teria um impacto mais rápido [no funding da habitação]; a redução de prazo das aplicações na LCI; o desenvolvimento do mercado secundário; e a permissão para que fundos de pensão invistam em habitação.

Mercado secundário de papéis
Não é possível pensar no mercado secundário [de títulos de crédito imobiliário] com uma taxa de juros de dois dígitos [atualmente em 10,50% ao ano]. A maior parte dos bancos está “no quentinho”, deixa o dinheiro na Tesouraria, e esse dinheiro rende muito mais do que correr o risco para fazer crédito habitacional. A Caixa é um banco público que tem compromisso com desenvolvimento, então fazemos um esforço diferente. Nós estamos usando uma parte do resultado para poder continuar emprestando, mas isso não é uma coisa que se possa fazer “ad eternum”. A expectativa é que nós tivéssemos queda da taxa de juros e, assim, uma carteira que pudesse ser vendida e reaplicada no crédito habitacional.
A maior parte dos bancos está ‘no quentinho’, deixa o dinheiro na Tesouraria, rende mais do que correr risco”

Liberação de recursos do compulsório para a habitação
O BC acha que é uma medida muito de fôlego curto, de muito curto prazo. Isso é verdade, mas serviria para uma transição, e também discutirmos medidas mais estruturais. Estamos falando de mais ou menos R$ 40 bilhões de compulsório, não só da Caixa, mas de todo o sistema financeiro, que dariam um certo fôlego durante um ano mais. O saldo de crédito imobiliário dos bancos privados vem caindo, mas a gente continua mantendo. Com ganho de 10,5% ao ano, para que tomar risco? A Caixa tem que exercer o papel de banco público. A captação internacional seria uma alternativa, mas o problema é o risco cambial. É preciso ter mecanismos que mitiguem esse risco cambial.

Mudanças na LCI
Estamos discutindo as alterações que foram feitas na LCI. A Fazenda fez essa alteração nos prazos na LCI [o prazo mínimo para vencimento do título passou de 90 dias para 12 meses] e isso tem impacto grande na nossa captação. Isso tirou muita gente que investia. É um paradoxo. Mesmo que a pessoa possa deixar o dinheiro mais do que 12 meses, ela quer poder retirar o dinheiro a qualquer tempo. Tivemos uma perda de captação bem expressiva. Portanto, estamos disponibilizando menos recursos. A tendência é que o crédito fique mais caro se isso não for resolvido. É uma decisão [mudança de prazo] que teve como objetivo a questão tributária. Atirou no que viu e acertou o que não viu, ao tirar uma captação que hoje é importante para a manutenção dos níveis do crédito. No momento, temos captação negativa de poupança e a diminuição da captação de LCI é um complicador. A LCI é fundamental para equilibrar e complementar os recursos da poupança.

Fundos de pensão no funding
Precisamos de um conjunto de alterações que possibilitem que os fundos de previdência, os investidores institucionais, sejam aplicadores em habitação. No mundo todo eles normalmente são investidores nessa área justamente porque é um investimento aderente a eles. Podem comprar papéis que sejam lastro para o financiamento habitacional, que façam sentido do ponto de vista da rentabilidade e de prazos. Por exemplo: emitimos um papel que é interessante para a previdência, tanto do ponto de vista de prazo quanto de rentabilidade. Para isso, seria necessária uma regulamentação da Previc, pois há algumas travas de investimentos que precisariam ser revistas. Mas, antes, estamos tratando isso com nosso controlador [Ministério da Fazenda], que tem que achar que é um bom negócio.

Alteração na remuneração do FGTS
Estamos comemorando [a decisão do STF que alterou a correção das contas do FGTS para garantir a inflação]. Saiu a faca da nossa cabeça. Era melhor que não mudasse, mas, já que mudou, foi para algo que achamos que tem uma repercussão mais administrável. Na verdade, a matemática não mudou: TR + 3% ao ano, somada à distribuição do resultado do FGTS para chegar ao IPCA. Em alguns anos, a distribuição de até 100% do lucro fez com que a rentabilidade das contas ultrapasse um pouco o IPCA. Não vai ter problema.

Inadimplência na habitação
Estamos com uma inadimplência bastante controlada [1,72% no primeiro trimestre de 2024]. Temos uma inadimplência muito boa comparativamente aos outros bancos. Temos uma política de adimplência, não de inadimplência. Mas temos que nos preparar para a inclusão dos mais pobres no financiamento habitação, com a contratação do Faixa 1 [do Minha Casa, Minha Vida], para uma eventual alteração do perfil de inadimplência.

Suplementação do FGTS
Vamos bater de novo um recorde [no orçamento do FGTS para habitação] porque há uma discussão de suplementação no FGTS em torno de R$ 20 bilhões. Se for aprovada pelo conselho curador, o orçamento para habitação vai sair de R$ 184 bilhões para chegar na casa dos R$ 200 bilhões, e assim bateremos um novo recorde na contratação.
No momento, temos captação negativa de poupança e a diminuição da captação de LCI é um complicador”

Mais produtos para classe média
Já atendemos a classe média. O desafio é a questão da melhoria habitacional como política pública, como reformas de imóveis, por exemplo. Estamos tentando formatar um programa. Tem uma fatia considerável de imóveis que precisa de melhoria habitacional ou da infraestrutura.

Crédito habitacional para trabalhador informal
Quando cheguei aqui, pedi para levantar o nível de aprovação dos informais. Nosso nível de aprovação de renda para informal é até grande. O problema é que o valor do crédito autorizado é baixo. Por exemplo, uma pessoa diz ter renda informal de R$ 10 mil, mas não é esse valor declarado no Imposto de Renda. Ou seja, eu não posso considerar R$ 10 mil. Assim, aprovamos o limite de R$ 2,8 mil, que é considerado isento.

Rio Grande do Sul
Há uma lista de coisas para [os afetados pela tragédia do] Rio Grande do Sul. Nos imóveis, temos aberta uma plataforma na qual são inseridas as ofertas de imóveis de até R$ 200 mil. De outro lado está sendo organizada a demanda, um caminho que passa pelas defesas civis dos municípios e será consolidado pelo Ministério das Cidades. Já há mais ou menos 4 mil imóveis cadastrados. Ainda não é possível precisar o número de famílias atingidas, pois há municípios em que as pessoas voltaram a entrar nas áreas agora.

Compra de imóveis usados via MCMV
Não vejo nenhum problema [em utilizar a experiência do RS que permitiu, de forma extraordinária, adquirir imóveis usados por meio do MCMV]. O nosso desafio é dar casa para as pessoas. Além disso, na área rural foi autorizada a contratação de 600 unidades e, em paralelo, vai ser aberto um chamamento para os lugares nos quais não existe essa oferta.


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