Elie Horn, da Cyrela: ‘Quero que escrevam no meu túmulo: esse homem tentou fazer o bem’
em G1, 1º/julho
Empresário e filantropo concedeu entrevista a jornalistas antes do lançamento de seu primeiro livro, a biografia ’Tijolos do Bem’.
Após quatro anos de idas e vindas na ideia de contar a história de sua vida, o empresário e filantropo Elie Horn lança seu primeiro livro biográfico nesta segunda-feira (1º).
“Tijolos do Bem” conta a história do empresário e sua trajetória para construir uma das maiores incorporadoras do país, a Cyrela Brazil Realty. Até a última sexta-feira (28), a empresa tinha mais de R$ 7 bilhões em valor de mercado.
A edição é de Sarita Mucinic Sarue e publicação pela editora Sêfer. A biografia custa R$ 60.
Perto de completar 80 anos, Elie Horn continua a ser co-presidente do conselho de administração da companhia, e concilia seu tempo com ações filantrópicas. Ele é um dos signatários do movimento The Giving Pledge, de bilionários que prometem doar parte da sua fortuna ainda em vida.
Sentado à ponta de uma imponente mesa de jantar, o empresário recebeu jornalistas para uma entrevista coletiva em sua casa, em um bairro nobre da zona sul de São Paulo. Falou do processo de criação de sua biografia, compartilhou opiniões sobre o mercado imobiliário e sobre o atual momento econômico do país.
Veja abaixo os principais trechos da entrevista.
- ‘Quero que escrevam no meu túmulo: esse homem tentou fazer o bem’
- Sobre o livro: ‘Fiquei com medo e com vergonha’
- ‘Eu nunca fico muito preocupado se a bolsa sobe ou desce. Eu já vi esse filme acontecer’
- ‘O Plano Real, desde o começo, deu certo’
- ‘O setor é muito bom, mas se não for cuidadoso, você quebra’
- Quem é Elie Horn?
- ‘Fiquei com medo e com vergonha’
- O livro passa por toda a trajetória do empresário, da infância na Síria até a formação de um império da construção no Brasil.
Ao comentar sobre ele, o empresário contou que demorou quatro anos e meio para a sua conclusão, destacando que passou por momentos de dúvida e incerteza quanto a sua publicação.
“Esse livro demorou quatro anos porque um ano e meio depois do resumo feito, fiquei com medo e com vergonha de não dar certo. Então, parei por indecisão”, diz Elie, afirmando que uma pessoa de sua família não gostou da ideia e que isso também o deixou abalado.
“Depois repensei e falei ‘tenho que ir até o fim’. Não tem sentido nenhum desistir a essa altura. Mas não é fácil. [...] Para mim é um ato de coragem”, diz o empresário, destacando que já tem ideia para outras publicações e que os novos lançamentos ainda dependem do sucesso do “Tijolos do Bem”.
‘Quero que escrevam no meu túmulo: esse homem tentou fazer o bem’
Além da trajetória de sucesso nos negócios, detalhada no novo livro, Elie Horn é conhecido por sua vocação filantrópica. Ele está há quase 10 anos na lista de bilionários que se comprometeram a doar 60% do seu patrimônio antes de morrer.
Em 2015, ele e sua esposa, Suzy, entraram no The Giving Pledge. O projeto foi criado em 2010 pelos bilionários Warren Buffett, Melinda French Gates e Bill Gates, e convida multimilionários a doarem a maior parte de sua riqueza ainda em vida.
Segundo o empresário, no entanto, foi apenas há “sete ou oito anos” que ele começou a “passar a palavra à frente”, incentivando outros super-ricos a doarem para a caridade.
Elie também comentou sobre seu projeto “Think Thank”, anunciado em abril deste ano e que junta 20 empresários voluntários para “gerar ideias para o bem”, afirmando que apesar de perceber uma melhora pequena no envolvimento de bilionários e da sociedade com a caridade, ainda falta “conscientização”.
Horn é um dos poucos, por exemplo, que defende abertamente a taxação de heranças e grandes fortunas — um dos temas defendidos pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
“Até o Aron [Zylberman, conselheiro de administração do IRB Re, amigo de Elie e também pertencente à comunidade judaica] me chamou de covarde. ‘[Perguntei] por que covarde?’ [E ele disse] porque você faz o bem sozinho e deixa para você o prazer do bem”, diz o empresário.
“Então, isso me obrigou a abrir a boca e começar a falar. Agora eu não paro mais”.
Conciliar o trabalho e a filantropia não é simples. O empresário acorda todos os dias entre 3h ou 4h da manhã, faz aulas diárias de filosofia para “alimentar a alma”, além de musculação e natação. Eventualmente faz caminhadas pelo jardim de sua casa, que tem mais de 500 m².
“Então no tempo que me sobra, eu faço metade trabalho, metade minha filantropia”, disse Elie, reiterando que quer continuar “produzindo” — seja nos negócios da companhia ou com a caridade — todo o tempo enquanto estiver vivo.
“No livro está escrito o que eu gostaria que escrevessem no meu túmulo: ‘esse homem tentou fazer o bem’. Tentei por quê? Porque nunca ninguém chega ao fim. Mas pelo menos eu tentei. Pode ser que eu não consiga, mas eu tentei”, afirma.
Mesmo tendo atuado durante quase toda a vida no segmento imobiliário, a maior parte das doações de Elie Horn são direcionadas para educação.
“Educação é o futuro. Sem educação não tem como avançar”, disse o empresário, citando que também luta no combate à exploração sexual de crianças e adolescentes.
“[Precisamos libertar] a escravidão onde se encontram essas meninas. Uma menina de 12 anos grávida, não tem culpa, ela não entende nada. A culpada é a sociedade. [...] Para mim, elas são escravas do sistema ao qual nós pertencemos”, acrescenta.
‘Eu nunca fico muito preocupado se a bolsa sobe ou desce. Eu já vi esse filme acontecer’
Ainda na entrevista, o empresário foi provocado a comentar a atual situação econômica do país, principalmente sobre o quadro fiscal.
Os cofres públicos do país tem sido alvo recente de preocupação de empresários como ele e do mercado financeiro, com o governo sendo cada vez mais pressionado a cortar gastos e equilibrar as contas.
“Todo mundo que gasta mais do que ganha, apanha. Cedo ou tarde. As regras da vida são claras. [...] E com o país é igual. Se o país [está gastando mais do que recebe], vai apanhar. O fim é certo”, diz Elie Horn.
Por outro lado, o empresário destacou a importância de ações sociais que “não mudam com os partidos [políticos]” e dos programas habitacionais do governo, afirmando que “dar teto para alguém que nunca teve teto é muito importante”.
Elie falou, ainda, que se preocupa com “as vítimas do sistema”, citando a pobreza e a falta de acesso à saúde de qualidade.
“Preocupa quando vejo alguém morrendo de fome [...] ou por causa da medicina. Essa é minha grande preocupação”, diz o empresário, sinalizando não se preocupar tanto com a economia, uma vez que ela é cíclica.
“Eu já vivi boa parte da minha vida e as coisas se repetem. Então, eu nunca fico muito preocupado se a bolsa sobe ou desce. Eu já vi esse filme acontecer”, afirma.
“Já vi o país quebrar umas cinco ou seis vezes. A moeda desaparece, o dólar sobe, a inflação vai para 80% ao mês. [...] Isso tudo não me afeta mais porque já estou acostumado. De tanto apanhar, já estou calejado. Mas o mundo não muda, o país não muda, o sistema não muda. E isso é triste”, completa.
‘O Plano Real, desde o começo, deu certo’
Elie Horn também fez elogios ao regime econômico vigente, o Plano Real — que completa 30 anos nesta segunda-feira.
Segundo o empresário, as empresas precisaram acreditar no plano desde seu lançamento, em julho de 1994. “A gente não podia achar que não ia dar certo, se não ia fechar a empresa. Você precisa acreditar no sistema”, diz Horn.
“Então, eu diria que o Plano Real, desde o começo, deu certo. Para nós, [deu certo] desde o 1º dia. [...] É um plano bem bolado, feito de maneira inteligente e o Brasil tinha a obrigação de ter uma moeda forte. Sem moeda forte, [o país] morre”, acrescenta.
Questionado sobre o motivo por nunca ter enveredado para a política, Elie Horn disse ser “muito cru”. “Não sou político. Não sei fazer política e nem quero fazer”, diz.
‘O setor é muito bom, mas se não for cuidadoso, você quebra’
Em seu livro, o fundador da Cyrela conta como começou a vender imóveis. Seus primeiros negócios no setor imobiliário começaram em 1964, junto ao seu irmão, Joe.
O negócio de compra e venda de apartamentos funcionava da seguinte maneira: se um imóvel custava US$ 10 mil, os irmãos o compravam com um sinal de 10% do valor, que pegavam emprestado do banco ou de amigos próximos.
A proposta era que pagassem 30% do valor total do imóvel em 90 dias, e 60% em 36 meses — com juros e sem correção monetária.
“Depois, passamos a fazer o mesmo sistema com terrenos. [...] Em pouco tempo a gente conseguiu crescer muito. Começamos em 1964 e, em 1974, já éramos bem fortes”, afirma o empresário.
Quase 50 anos depois do sucesso, Elie Horn vê como positivo o avanço do setor imobiliário no Brasil, mas destaca que muitas empresas ainda não sabem administrar seu próprio fluxo de caixa — o dinheiro que entra e sai da empresa.
“Infelizmente, muitas empresas que abriram capital na bolsa se deram mal [...] porque começaram a não respeitar seu cash flow [fluxo de caixa]. O setor é muito bom, mas se não for cuidadoso você quebra”, diz.
Quem é Elie Horn?
Elie Horn nasceu em julho de 1944 em Alepo, na Síria. Com uma infância e adolescência difícil, veio ao Brasil com sua família aos 11 anos, em 1955, alojados em uma cabine de terceira classe de um navio.
O intuito era encontrar seu pai e seu irmão mais velho, vieram ao país para conseguir trabalho e moradia, após a loja de tecidos da família em Beirute, no Líbano, ter ido à falência.
Elie repetiu o 3º ano duas vezes. Aos 19 anos e recém-formado no ensino médio, ele foi trabalhar com seu irmão Joe, na corretagem de produtos químicos. O trabalho era vender soda cáustica e goma laca de porta em porta no Brás, bairro de São Paulo.
Chegou a trabalhar na tecelagem de outro de seus irmãos, mas a parceria durou apenas seis meses.
Pouco tempo depois, voltou a trabalhar com Joe, agora em novo negócio no ramo imobiliário. Passaram, então, a comprar e vender apartamentos e terrenos com pagamento a prazo.
Após cinco anos como funcionário de seu irmão, Elie se tornou sócio da empresa e, anos depois, deixou a parceria para fundar a Cyrela, em 1961. Em 2005, a empresa abriu seu capital e foi à bolsa de valores de São Paulo. Atualmente, a empresa tem valor de mercado superior a R$ 7 bilhões.
Elie Horn deixou o comando da companhia em 2014, após um diagnóstico de Parkinson.
Também conhecido por sua filantropia, Elie Horn tem uma série de iniciativas voltadas à caridade, como o Instituto Cyrela, a Liberta e o Movimento Bem Maior, por exemplo.
Em 2015, foi o primeiro empresário radicado no Brasil a aderir ao The Giving Pledge, projeto criado pelos bilionários Warren Buffett, Melinda French Gates e Bill Gates, que convida multimilionários a doarem a maior parte de sua riqueza à filantropia.
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