“Muitos incorporadores não conhecem o cliente ideal para o produto que vendem”

em Valor Econômico, 26/julho

Entrevista | Rafael Yoshioka, CEO da Hypnobox

Rafael Yoshioka passou os últimos 14 anos desenvolvendo soluções para o mercado imobiliário baseadas em novas tecnologias, como inteligência artificial (IA), “big data” e aprendizado de máquina. À frente da Hypnobox – companhia recém-adquirida pela multinacional Senior Sistemas, que registra VGV de R$ 40 bilhões anualmente –, ele tem usado a análise de dados para ajudar as incorporadoras a resolver uma das principais dores: identificar potenciais clientes de seus produtos desde o lançamento, dando mais velocidade às vendas e, por consequência, gerando melhores taxas de retorno. Em agosto, a empresa coloca no mercado um novo assistente virtual baseado em IA, que usará os conhecimentos de um ex-negociador do FBI para auxiliar os corretores de imóveis a melhorar a interação com o público-alvo.

Qual o maior desafio do mercado imobiliário hoje?

Rafael Yoshioka – Para muitas empresas, é a dificuldade de identificar e qualificar os “leads”, o que impacta nas vendas. Sinto que muitos incorporadores não conhecem o cliente ideal para o produto que vendem. Nesses casos, o uso da ferramenta de dados pode significar a diferença entre o sucesso e o fracasso. Às vezes, o produto e o time de vendas são bons, mas a geração de demanda está errada. A estratégia adotada atrai clientes que podem comprar um Fusca, mas o que está à venda é um Mercedes-Benz.

Como a tecnologia de dados ajuda nesse sentido?

Serve para gerar a demanda correta ao empreendimento. Quando eu corrijo rapidamente o processo, me permito ainda contar com o apartamento decorado aberto, uma tabela de preços mais longa e manter os corretores engajados. O grande diferencial de se trabalhar com ferramentas de dados no mercado imobiliário é que não é preciso esperar o lançamento dar errado para refazer a estratégia. Isso tem um valor absurdo!

Então, nem sempre a culpa é do time de vendas?

Quando se vende menos porque a conversão é baixa, tende-se a achar que a culpa é deles. Mas nem sempre é verdade. Para ajudar os corretores, vamos lançar em agosto uma plataforma de “IA Assist”, com base em um método de negociação criado por um ex-diretor do FBI, Chris Voss.

Como vai funcionar?

A ferramenta vai reunir as informações do cliente registradas no CRM, analisar o momento atual do relacionamento e sugerir abordagens de texto de acordo com o método Voss. Ele é a maior referência do mundo no assunto, autor de livros e ministra cursos sobre negociação e gestão de crise. Testamos em clientes que não respondiam mais as mensagens dos corretores e, em 90% dos casos, houve retorno.

Aproveitando o gancho, qual será o papel do IA no setor imobiliário?

Há duas linhas sobre o uso de IA: automação de tarefas e empoderamento dos profissionais, o que agrega valor ao setor e à economia como um todo. Não se trata de substituir o ser humano, mas dar a ele novas ferramentas para trabalhar. As incorporadoras dependem dos corretores. Se aliarmos a criatividade humana à amplitude de ferramentas que a IA disponibiliza, a solução torna-se mais completa e eficiente.

De volta à geração de ‘leads’ qualificados, como alcançar isso e a qual custo?

Ainda existe no marketing digital a preocupação com o custo: a obrigação de gerar “leads” baratos e em grande quantidade para vender o empreendimento. Na nossa empresa, desenvolvemos uma ferramenta que comprova, por meio de dados, que há produtos que demandam “leads” mais caros. Essa convicção, baseada em dados e informações, tem ajudado a mudar percepções internas a esse respeito. Em um caso recente, saltamos de 6% para 45% na taxa de conversão positiva e em apenas três meses, com o custo médio por “lead” também aumentando, mas de maneira justificada pelo resultado.

As incorporadoras têm compreendido a importância da inteligência de dados para a sobrevivência dos negócios?

Não. O comportamento “data driven” ainda não está bem disseminado no setor. Algumas empresas começar a monitorar os KPI’s, a relação de “leads” versus visitas ou vendas, mas têm dificuldade de conectar isso ao resultado e de entender se os indicadores que estão sendo monitorados realmente vão gerar aquilo que se busca. Óbvio que o C-level está sempre olhando para isso, mas tendem a ver só a primeira e a última linha dos relatórios: o meio do caminho ainda é visto como silos separados de suas áreas.

Investir em inovação é um “game changer” para as empresas. E tudo bem se errar, faz parte. Recentemente, ouvi de um CEO em uma reunião que ninguém naquela empresa assumiria a responsabilidade de ter investido R$ 10 milhões no desenvolvimento de uma ferramenta própria que não deu o resultado esperado. O comprometimento não deve ser com o erro, mas com o resultado. Isso tem de fazer parte da cultura da organização. Ficar dez anos com subprodutividade em um mercado onde vender rápido é vital para obter uma taxa de retorno maior, não faz sentido nenhum.

Não se deve ter compromisso com o erro?

Sim, mas também há empresas que agem no sentido contrário: jogam todo um conjunto de normas políticas geradas por uma decisão errada no lixo porque isso impactou o resultado. Assim, a conveniência de justificar o erro não existiu – e isso faz essas companhias manterem-se lucrativas e no topo do crescimento por tanto tempo. Quando você compra um carro ruim, não morre abraçado com ele: no dia seguinte, coloque à venda. O mesmo vale para as incorporadoras nesse processo de adoção de novas tecnologias. Não dá para deixar pra lá e ver onde isso vai dar: no mercado imobiliário, em que se vive sempre com o cronômetro ligado, a velocidade de vendas sobre a oferta é fator determinante para a taxa de retorno. Ainda mais hoje, com as incorporadoras perdendo a facilidade que tinham em obter financiamento de obra junto aos bancos tradicionais e precisando se adequar à dinâmica do mercado financeiro. A gente sai de um momento de grandes margens, que permitia algumas manobras desse tipo, e cai em outro em que o importante é a alta performance e o rendimento.

Por que escolheu criar soluções para o mercado imobiliário?

O setor é um dos que têm mais dores para resolver, e isso mostra o tamanho da necessidade do uso de dados na tomada de decisão – seja na hora de lançar um produto, definir o preço, a estratégia de comercialização ou a operacionalização de tudo isso. Por outro lado, é um mercado infinito, de inúmeras oportunidades. E tem um lado social de fato, que é a demanda por moradia no país. Então, quanto mais a gente agregar valor e eficiência ao segmento, maior a chance de conseguirmos fazer com que mais famílias realizem o sonho da casa própria.


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