“O toque de vida das cidades está nas pessoas, e elas querem viver próximas umas das outras”
em Valor Econômico / Imóveis de Valor, 13/dezembro
Entrevista | Jorge Königsberger e Gianfranco Vannucchi, sócios fundadores Königsberger Vannucchi – Arquitetos Associados.
Os arquitetos Jorge Königsberger e Gianfranco Vannucchi fundaram um dos escritórios mais longevos do país, que acaba de completar 50 anos e ganhar um livro: Königsberger Vannucchi [Et Al.] Arquitetura. É o capítulo mais recente de uma trajetória repleta de grandes momentos. Foram eles, por exemplo, que criaram o conceito de uso misto, aplicado no complexo Brascan Century Plaza em 1997, que combinou escritórios, hotel e shopping a céu aberto que mudou a dinâmica do bairro do Itaim, em São Paulo. Também são responsáveis por fazer da arquitetura parte fundamental do branding das empresas. Há dez anos, os decanos ganharam a companhia do engenheiro Daniel Toledo, sócio da nova geração que veio para dar mais dinamismo à gestão dos negócios.
Como surgiu a ideia de criar um complexo de uso misto no Itaim?
Königsberger — Nos anos 1990, esse conceito nem existia. Em geral, quem vive em cidade grande tem cinco demandas principais: morar, locomover, produzir, trocar e se divertir. Buscamos reunir o máximo delas em um só lugar. Se essas atividades forem concentradas territorialmente, a vida das pessoas pode melhorar muito.
O projeto já nasceu como uso misto?
Vannucchi — A ideia inicial da empresa que comprou o terreno era fazer uma quadra fechada, com um shopping center e prédios em cima. Conseguimos convencê-los a abrir o espaço para a cidade, permanecendo privado, mas de uso público.
E o que fizeram para que mudassem de ideia?
Königsberger — Levei o presidente da Brascan para conhecer o Potsdamer Platz, em Berlim, um lugar arrasado na Segunda Guerra Mundial, que foi totalmente reurbanizado com a queda do muro, combinando moradia, trabalho, serviços e lazer. Passamos três dias no local, sentados em bares e cafeterias, só observando a maneira como a vida se desenrolava ali. Na volta para o Brasil, ele pediu um projeto igual para o terreno.
Como veem a expansão desse conceito dentro e fora da capital paulista?
Vannucchi — Hoje em dia, tem sido um pouco banalizado. Qualquer prédio de apartamentos com uma lojinha no térreo já é chamado de uso misto, mas não é bem assim. É preciso enaltecer valores verdadeiros, sem fazer o consumidor de bobo.
O comprador de alto padrão gosta de viver em empreendimentos diversos?
Königsberger — Acho que esse é um preconceito que vem diminuindo com o passar do tempo. O Cidade Jardim é um bom exemplo disso: as torres residenciais em cima do shopping estão todas ocupadas. Agora, também acho que esse perfil de consumidor aqui no Brasil é mais segregacionista do que nos Estados Unidos e na Europa. É um vício cultural, e isso ainda faz a diferença.
Nesses 50 anos de história do escritório, houve um período marcado por projetos de agências bancárias. Como foi isso?
Königsberger — Foi uma bonança maravilhosa que durou dez anos. No Brasil pré-digital, o marketing dos bancos era a arquitetura das agências. Cada uma precisava ser diferente da outra, e as empresas usavam isso como parte de sua identidade.
Vannucchi — Foi um período em viajamos pelo interior do Brasil, fizemos agências em todas as regiões e pudemos entender diversas questões que influenciavam nos projetos, como o clima, a cultura regional e a importância de manter algumas edificações históricas, que acabaram convertidas em agência.
Como analisam a evolução do setor imobiliário na cidade de São Paulo neste período?
Königsberger — O mercado imobiliário é estimulado pela mudança de costumes e hábitos das pessoas e a chegada de novas tecnologias. E, de uma maneira geral, ele tem o poder efetivo de transformar o entorno dos empreendimentos. Com um projeto, muda-se o bairro. Então, no final, quem acabou criando a “cara” da cidade foi a iniciativa privada, não o poder público. A responsabilidade das incorporadoras cresceu muito, indo além da compra e venda de imóveis.
E como está ficando a “cara” de São Paulo?
Königsberger — Acho que há um problema congênito nas cidades brasileiras que é o fato de o poder público não conseguir mais dar conta da demanda da sociedade. A população cresceu demais, as necessidades mudaram, e basta andar pela cidade para ver que faltam respostas mais adequadas. Não é uma cidade que felicite as pessoas.
Vannucchi — Não acho tanto assim. No fim, você tem tudo o que precisa: trabalho, rede de saúde, sistema de transporte... Pode não ser o ideal, mas existe. É diferente de outras cidades e capitais brasileiras. Acho que São Paulo ficou mais bonita nessas décadas, desde que abrimos o escritório.
Qual a participação atual do mercado imobiliário nas demandas do escritório?
Daniel Toledo — Hoje, 95% dos projetos em andamento vêm do setor. E, com certeza, as empresas voltadas para a alta renda são as que têm encomendado mais projetos. É um segmento mais maduro no sentido da busca pela melhor arquitetura, que precisa dar respostas às novas tendências, uso dos espaços e qualidade dos materiais. Cada dia mais, nosso trabalho tem focado nesse segmento.
Faz-se boa arquitetura no mercado imobiliário paulistano?
Vannucchi — Na média, acho que sim, não temos grandes equívocos como vemos em outras cidades do mundo. A idea!Zarvos iniciou essa transformação positiva nos anos 2000, com pequenos prédios assinados por arquitetos jovens e que tiveram sucesso comercial. Isso despertou o mercado para uma demanda pela boa arquitetura que não estava sendo explorada.
Foi quando a cidade começou a se despedir dos projetos neoclássicos?
Vannucchi — Naquela época, 2004, tivemos um cliente que nos pediu um projeto assim. Nós nunca fizemos prédios neoclássicos porque nunca achamos que fazia sentido para a cidade. A arquitetura contemporânea que sucedeu esse estilo quebrou um paradigma de que a elite paulistana só queria morar em prédios neoclássicos.
Königsberger — Quando entramos no segmento imobiliário, o chique era fazer neoclássico porque estava associado ao luxo. E nós, por várias vezes, mesmo estando em dificuldades financeiras no escritório, nos recusamos a reproduzir o estilo. Nos piores momentos, apareciam oportunidades assim e sempre optamos por não aceitar. A vida inteira, aliás, só nos remuneramos com honorários de projetos de arquitetura, sem comissões ou concessões. Certo ou errado, foi como caminhamos até aqui.
O Plano Diretor mais recente estimulou o adensamento dos bairros e gerou um boom de novos empreendimentos na capital paulista. Como avaliam isso?
Königsberger —É uma tendência que começou lá atrás, ainda no nascimento das cidades europeias, a partir do desejo das pessoas de conviver com outras e da facilidade de estar perto de comércio e serviços. É preciso adensar, não existe outra solução.
Outro dia fui criticado por defender a verticalização de certos bairros na cidade de São Paulo, por que isso tem causado transtornos, sombra na casa da senhora, derrubada de uma árvore... Mas como fazer se todo mundo quer morar perto um do outro? O toque de vida das cidades está nas pessoas. E elas querem viver próximas umas das outras.
Toledo — Antes de melhorar, piora. Como em toda obra, antes de ficar pronta, tem o incômodo. Com o novo plano, esse desconforto está acontecendo em bairros já consolidados da cidade. No fim, o adensamento melhora muito o uso e a qualificação da infraestrutura urbana. Todo mundo gosta de morar perto de padaria, drogaria e outros serviços. E você só consegue permitir que mais gente usufrua disso com o adensamento, que também vai atrair novos negócio.
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